(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ERA O C�U

Romance de 2007, de Sergio Bizzio, ganha tradu��o e � lan�ado no Brasil

'Era o c�u', romance do argentino Sergio Bizzio que deu origem a filme com Carolina Dieckmann e Leonardo Sbaraglia, � lan�ado no Brasil


30/09/2023 04:00 - atualizado 29/09/2023 21:56
671

Leonardo Sbaraglia, Carolina Dieckmann, O silêncio do Céu
Estrelado pelo argentino Leonardo Sbaraglia e pela brasileira Carolina Dieckmann, "O sil�ncio do C�u" foi dirigido por Marco Dutra e adaptou o romance De S�rgio Bizzio (foto: Divulga��o)

 

Existem obras da literatura mundial que te fisgam, te incitam ou te chocam logo em sua primeira linha. “A metamorfose” (1915), de Franz Kafka (1883-1924; nascido em Praga, na atual Rep�blica Tcheca, mas que naquela �poca pertencia ao Imp�rio Austro-H�ngaro), � uma delas: “Certa manh�, ao despertar de sonhos intranquilos, Gregor Samsa encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso” (L&PM Pocket). Outro caso � “Cr�nica de uma morte anunciada”(1981), do colombiano Gabriel Garc�a M�rquez (1927-2014): “No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se �s 5h30m da manh� para esperar o navio em que chegava o bispo”. Diferentemente do teor sobrenatural, atrelado a temas como existencialismo e sociedade (com cr�tica atemporal), de “A metamorfose”, e da narrativa sustentada pela veia jornal�stica de Garc�a M�rquez em “Cr�nica...”, indo muito al�m do “spoiler” do come�o (e tamb�m com cr�tica atemporal � sociedade), e sem o status de cl�ssico que esses dois exemplos ostentam (o teste do tempo � que vai eleg�-lo ou n�o com tal t�tulo), “Era o c�u”, de Sergio Bizzio, tamb�m pode ser enquadrado na categoria de “livros com primeira frase emblem�tica” (e com m�ritos at� a �ltima). 

“Quando cheguei, dois homens estavam estuprando minha mulher”. � assim, de forma crua e arrebatadora, que o argentino inicia o romance de 2007 e que ganhou uma edi��o para o mercado brasileiro, com tradu��o para portugu�s, feita por Wilson Alves Bezerra, e lan�ado pela Iluminuras em 2022. Em 2016, a obra recebeu uma vers�o adaptada para o cinema, batizada no Brasil de “O Sil�ncio do c�u”, com Bizzio como um dos roteiristas, dire��o do paulista Marco Dutra e contando com a carioca Carolina Dieckmann e os argentinos Leonardo Sbaraglia e Chino Dar�n no elenco. 

“Era o c�u”, o livro, traz o ponto de vista do protagonista (e narrador da trama) com rela��o ao estupro de Diana, sua companhei- ra e m�e de seu filho, J�lian. “Fiquei paralisado, todo torto em posi��o estranha, com as pernas a meio caminho entre um passo e outro”, diz ele, que � roteirista de TV e cinema – esta, ali�s, � outra faceta de Bizzio. Tomado pelo pavor (embora n�o seja apenas isso) e sentindo-se impotente para agir, o marido de Diana acaba n�o fazendo nada al�m de observar a cena. Depois, vive com o dilema de n�o contar para a esposa que viu o momento em que ela foi violentada e o fato de que ela n�o lhe conta o que acontecera. 

Aos poucos, o narrador vai esmiu�ando cap�tulos de sua vida e que se conectam com o in�cio da hist�ria do livro. Ele e Diana foram casados durante uma d�cada, se separaram e, dois anos depois, reataram a rela��o. E a� vem o caso do estupro, o sil�ncio da esposa e o sofrimento dela para lidar com esse epis�dio. “(...) nos deitamos e colocamos o v�deo do dr. Comas. Diana encostou a cabe�a no meu ombro e disse num sussurro: ‘Eu gosto que voc� esteja aqui’. Eu sabia. Quando me virei para ela e Diana me abra�ou com for�a, tamb�m soube que al�m de me abra�ar, ela estava me impedindo de avan�ar. Foi um momento estranho para mim e certamente terr�vel para ela”. 

Medos

A narrativa segue quase como um di�rio. Isso porque o personagem principal passa grande parte da hist�ria falando de si, de seus medos e suas fobias – o medo de avi�o � uma das principais e tamb�m funciona como met�fora. E novamente de forma paula- tina, as pe�as de um quebra-cabe�as v�o se encaixando no que tange � falta de atitude de um homem, de 43 anos de idade, que se v� im�vel diante do estupro de sua esposa e que, mais para o ter�o final do livro, busca vingan�a. O roteirista chega ao ponto de enumerar uma lista de medos (“fora de ordem” ele frisa), que preenche quase uma p�gina e meia. Entre eles est�o: solid�o, elevadores, mar, altura, barcos, mis�ria, armas, dentistas, pol�cia, viol�ncia, velhice, impot�ncia, ladr�o, est�dios de futebol, dentre tantos outros. 

A maior parte das informa��es que ele fornece ao leitor sobre sua vida datam do per�odo em que ficou separado de Diana. Durante esses dois anos, o roteirista namora Vera, uma mulher bem mais nova que ele, em meio a um turbilh�o de sentimentos nutridos por ambas as partes. H� momentos em que o homem se v� desesperado com as suspeitas de que Vera n�o estaria mais a fim dele. O desfecho dessa saga, por�m, reserva o contr�rio, com ele abandonando-a e voltando para Diana. Em v�rios momentos, ali�s, as fobias e os medos se tornam essenciais para o tom visceral da narrativa. 

Mesmo sob um clima deveras pesado – psicologicamente falando –, “Era o c�u”utilizava alguns elementos c�micos. Por�m, mesmo eles cumprem uma fun��o a mais do que a de simplesmente tentar arrancar algum riso ou sorriso do leitor (por causa de sua acidez, pode n�o acontecer). “O humor que surge na trama tem a fun��o de nos permitir, com leveza, afundar mais um pouco em uma realidade atroz que nada tem de reconfortante”, destaca o tradutor e poeta Wilson Alues-Bezerra, no pref�cio da edi��o da Iluminuras. “Ao acompanhar a narrativa o leitor se d� conta – at�nito – de que nunca imaginara que um romance da vida pequeno-burguesa pudesse ser t�o dolorido, que a vida cotidiana do mundo do trabalho e das rela��es familiares pudesse encerrar tanto fracasso e medo”. 

Com rela��o � obra como um todo, Alues-Bezerra sentencia: “‘Era o c�u’, enfim, fala de tradi��es anacr�nicas – o duelo, a vingan�a – e da impossibilidade de o homem contempor�neo lidar com elas. Mas, ao mesmo tempo, exp�e a chaga da atualidade, a outra face da mesma heran�a: a viol�ncia contra a mulher, praticada por homens igualmente t�o bem-sucedidos quanto o protagonista e t�o terrivelmente fracassados como ele”. 

Filme

A adapta��o para o cinema de “Era o c�u” traz diferen�as em rela��o ao livro. O sentimento de vingan�a nutrido pelo homem, de querer fazer justi�a com as pr�prias m�os, sob a atmosfera de um thriller, dita grande parte da narrativa; o relacionamento do protagonista com Vera � praticamente reduzido a uma cena; mais para o fim da obra cinematogr�fica, a esposa assume o papel de narra- dor; o casal tem dois filhos; e o filme � cen- trado no estupro e no per�odo posterior a ele. 

A produ��o � chilena e brasileira, com o espanhol sendo o idioma predominante. O portugu�s � utilizado nas cenas em que Diana (Carolina Dieckmann) e Elisa (Paula Cohen) conversam a s�s e quando Diana narra os fatos mais para o fim. Em pouco mais de uma hora e quarenta minutos, o filme possui in�cio e fim t�o arrebatadores quanto o livro, mas com recheios diferentes. Nem melhor nem pior: visceral de formas distintas. 

Sobre o autor

Sergio Bizzio nasceu em Villa Ramallo, prov�ncia de Buenos Aires, na Argentina, em 1956. Escritor, dramaturgo, roteirista, diretor de cinema, produtor de TV e vocalista, guitarrista e tecladista da banda de rock S�per Siempre, teve outras obras, al�m de “Era o c�u”, publicadas no Brasil. Entre elas, o conto “Cinismo”, na antologia “Os outros – narrativa argentina contempor�nea” (2010, Iluminuras), e o romance “Raiva” (2011, Editora Record). 

“ERA O C�U” 

De Sergio Bizzio 
Tradu��o de Wilson Alves-Bezerra
Editora Iluminuras 
216 p�ginas 
R$ 72


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)