
A aprova��o da PEC da Transi��o em primeiro turno na C�mara dos Deputados, na ter�a-feira (20/12), representou a vit�ria de um primeiro "round" no duelo pol�tico entre o presidente eleito Luiz In�cio Lula da Silva (PT) e o presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). A avalia��o � de especialistas ouvidos pela BBC News Brasil. Apesar da vit�ria do petista, os especialistas afirmam que Lira "segue poderoso" e poder� revidar a derrota caso seja reeleito em fevereiro para o comando da C�mara.
A PEC da Transi��o � o apelido dado a uma proposta de emenda constitucional desenhada por aliados de Lula. Para entrar em vigor, ela ainda precisa ser aprovada em segundo turno na C�mara dos Deputados e ser novamente votada no Senado. Isso ocorre porque o texto aprovado na C�mara foi diferente do que foi aprovado no Senado na semana passada. Como se trata de uma PEC, n�o h� necessidade de san��o presidencial.A proposta prev� a amplia��o do teto de gastos em at� R$ 145 bilh�es pelo prazo de um ano, o que, em tese, permitir� que o novo governo cumpra uma de suas principais promessas de campanha: pagar o Aux�lio Brasil de R$ 600 em 2023. O texto tamb�m permite que pelo menos R$ 23 bilh�es resultado de arrecada��o extraordin�ria possa ser destinado a investimentos.
O duelo
A PEC da Transi��o tem sido vista como o primeiro "round" do embate entre Lula e Lira porque os dois tinham interesses conflitantes em rela��o � medida.
De um lado, Lula era o principal interessado na aprova��o da mat�ria porque ela abre espa�o or�ament�rio para que ele cumpra algumas das suas promessas de campanha sem correr o risco de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia dar margens para um pedido de impeachment.
Do outro, Lira, segundo especialistas, teria usado a tramita��o da PEC para pressionar o novo governo por cargos e o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter as chamadas emendas de relator-geral do Or�amento.
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Essas emendas ganharam o apelido de "or�amento secreto" por serem emendas que n�o cont�m todas as informa��es sobre seus verdadeiros autores nem eram suficientemente claras em rela��o � aplica��o dos recursos. Seus cr�ticos afirmam que elas abriam brechas para corrup��o e v�m sendo vistas como uma das fontes de poder de Lira sobre o Parlamento.
Para Lula, ceder cargos a Lira poderia trazer problemas dentro de sua alian�a. Al�m disso, manter o or�amento secreto intacto tamb�m colocaria o petista em uma situa��o inc�moda porque, durante a campanha, ele se posicionou contra o esquema e porque ele manteria o poder de Lira sobre os parlamentares.
Nesta semana, por�m, duas decis�es do STF deram f�lego a Lula no embate com Lira.
A primeira foi uma decis�o em car�ter liminar do ministro Gilmar Mendes que permitiu que os gastos com o Aux�lio Brasil pudessem ser feitos extrapolando o teto de gastos. A decis�o, na pr�tica, de uma esp�cie de "salvo-conduto" para o novo governo caso a PEC n�o fosse aprovada.
A segunda foi o julgamento que declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator-geral, mecanismo defendido por Lira e diversos aliados do chamado Centr�o.
Para o professor de Ci�ncia Pol�tica da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) Claudio Couto, a aprova��o PEC � uma vit�ria "imensa" de Lula sobre Lira.
"A import�ncia crucial disso est� no fato de que a balan�a de poder entre executivo e legislativo volta a ficar mais favor�vel ao presidente, desempoderando em alguma medida os presidentes das duas casas, principalmente o da C�mara", disse Couto.
Para a professora de Ci�ncia Pol�tica da PUC de S�o Paulo Deysi Cioccari, as decis�es do STF sobre o Aux�lio Brasil e o "or�amento secreto" ajudaram Lula a sair na frente de Lira nesse primeiro embate.
"Lula sai na frente pelos dois reveses que Lira tomou nesta semana [...] A redu��o da vig�ncia da PEC (de dois para um ano) � uma mini-vit�ria de Lira, mas a verdade � que o jogo foi redesenhado. Lira j� n�o � absoluto, n�o enquanto n�o se articular novamente pra garantir a recondu��o � presid�ncia da C�mara", diz a professora.
A ressalva feita pela professora se deve por conta da diferen�a entre o que foi sugerido pela equipe de Lula e o que foi aprovado.
Inicialmente, o time do petista sugeriu que as despesas do Aux�lio Brasil de R$ 600 e mais um b�nus de R$ 150 por fam�lia com crian�as de at� seis anos de idade ficassem fora do teto de gastos por per�odo indeterminado.
Depois, o prazo caiu para quatro anos. No Senado, o prazo aprovado para a medida foi de dois anos. Na C�mara, por�m, a vig�ncia caiu para um ano.

"Lula sai forte no sentido de mostrar pra Lira que n�o � tolo como (o presidente Jair) Bolsonaro que n�o sabia articular, mas, ao mesmo tempo, ele sabe que um embate muito direto pode desgastar seu futuro governo a ponto de inviabilizar o primeiro ano. Lira flutua e vai ter que mover a pr�xima pe�a do jogo e demonstrar ast�cia. Lula 1 x 0 Lira", afirma Deysi Cioccari.
Para Claudio Couto, o fato de o texto aprovado ser diferente do proposto e liberar o estouro do teto de gastos por um per�odo significativamente menor do que o desejado pelo governo n�o diminuem o peso da vit�ria de Lula sobre Lira.
"D� para dizer que � uma vit�ria imensa se desde o come�o (das negocia��es) o novo governo tinha isso (a mudan�a no texto) como vi�vel. Como em muitas negocia��es, come�a-se pedindo muito para finalmente chegar naquilo que se precisa", avalia o professor.

Lira segue poderoso
Mesmo concordando que a prov�vel aprova��o da PEC representaria uma vit�ria para Lula, Claudio Couto e Deysi Cioccari avaliam que Arthur Lira ainda continua poderoso e poder� revidar a derrota desta semana. Esse cen�rio seria ainda mais fact�vel se ele se reeleger como presidente da C�mara em fevereiro de 2023.
O cargo � um dos mais cobi�ados no universo pol�tico porque ele concentra uma s�rie de atribui��es consideradas estrat�gicas para o sucesso de um governo. Cabe ao presidente da C�mara, por exemplo, decidir pela abertura ou n�o de processos de impeachment e montar a pauta do que ser� votado pelo Plen�rio da C�mara.
Em parte por isso e para manter um bom relacionamento com Lira � que o presidente Lula conseguiu fazer com que o PT declarasse apoio � candidatura do deputado � reelei��o para o comando da C�mara. Em entrevistas, Lula vem repetindo que seria um equ�voco pol�tico atuar contra o presidente.
Ele relembrou o epis�dio ocorrido em 2005 quando o PT tentou emplacar o nome do ent�o deputado petista Luis Eduardo Greenhalgh para a presid�ncia da C�mara, mas acabou perdendo a disputa para o ent�o deputado Severino Cavalcanti, ent�o no PP de Pernambuco e considerado um parlamentar do chamado "baixo clero". O termo � usado para designar pol�ticos pouco expressivos.
"O segundo round vai ser a defini��o da presid�ncia da C�mara. Se Lira chegar com f�lego, � bom se preparar porque ele n�o se acomoda bem com manifesta��es simplistas de poder. Vir� um jogo duro e ele dever� exigir minist�rios, estatais, etc", afirmou Deysi Cioccari.
Claudio Couto tamb�m acredita que, apesar da derrota nesta semana, Lira continua influente.
"O Lira deixou de ser o 'imperador do Jap�o', para usar a imagem usada por Lula durante a campanha para se referir ao presidente da C�mara. Lira segue muito poderoso ainda, como todo presidente da C�mara bem articulado e h�bil, mas bem menos poderoso do que era at� aqui", avalia.
Couto avalia, no entanto, que a vit�ria de Lula sobre Lira pode ser relativizada por conta de uma altera��o no texto da PEC que destina R$ 9,85 bilh�es para que o relator-geral do Or�amento possa fazer indica��o de emendas parlamentares.
Segundo Claudio Couto, se essa manobra se concretizar, ela representaria uma tentativa de "drible" � decis�o do STF que julgou o or�amento secreto inconstitucional.
"Ao que parece, � sim uma tentativa de drible. Precisa ver se o STF vai engolir essa manobra [...] Vamos ver se o drible se concretiza. Caso se concretize, a vit�ria (de Lula) diminui de tamanho", afirmou.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64046976