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Estado de Minas IDIOMAS

Como falar outras l�nguas mexe com nosso c�rebro

Falar um segundo ou at� um terceiro idioma pode oferecer vantagens �bvias - mas, �s vezes, palavras, gram�tica e at� sotaques podem se misturar


04/08/2022 09:01 - atualizado 04/08/2022 09:02
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escrito 'obrigado' em diferentes idiomas
Papeis coloridos escrito 'obrigado' em diferentes idiomas (foto: Getty Images)
Estou na fila da padaria que frequento em Paris, pedindo desculpas ao atendente. Ele est� totalmente confuso. Acabou de perguntar quantas baguetes eu queria e, completamente sem querer, respondi em mandarim, em vez de franc�s.

Estou igualmente perplexa: minha l�ngua principal � o ingl�s, e n�o uso o mandarim devidamente h� anos. No entanto, aqui, neste cen�rio mais parisiense imposs�vel, o mandarim resolveu se reafirmar.

Quem fala mais de uma l�ngua geralmente domina os idiomas que conhece com facilidade. Mas, �s vezes, podem ocorrer deslizes acidentais. E a ci�ncia por tr�s de por que isso acontece est� revelando perspectivas surpreendentes sobre como nossos c�rebros funcionam.

As pesquisas sobre como as pessoas multil�ngues fazem malabarismo com mais de um idioma em suas mentes s�o complexas, e �s vezes, contraintuitivas. O que acontece � que quando um indiv�duo multil�ngue quer falar, os idiomas que ele conhece podem estar ativos ao mesmo tempo, mesmo que apenas um seja usado.

Esses idiomas podem interferir uns com os outros, se intrometendo, por exemplo, na fala quando voc� n�o espera. E essas interfer�ncias podem se manifestar n�o apenas em lapsos de vocabul�rio, mas at� mesmo na gram�tica ou no sotaque.

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"Pelas pesquisas, sabemos que, sendo bil�ngue ou multil�ngue, sempre que voc� fala, todos os idiomas que voc� conhece s�o ativados", diz Mathieu Declerck, pesquisador da Universidade Livre de Bruxelas, na B�lgica.

"Por exemplo, quando voc� quer dizer 'dog' ("cachorro", em ingl�s) como um bil�ngue de franc�s-ingl�s, n�o apenas a palavra 'dog' � ativada, como tamb�m sua tradu��o equivalente, 'chien' ("cachorro", em franc�s), tamb�m � ativada."

Dessa forma, a pessoa que est� falando precisa ter algum tipo de processo de controle de linguagem. Se voc� pensar bem, a capacidade dos indiv�duos bil�ngues e multil�ngues de separar os idiomas que aprenderam � not�vel.

A forma como fazem isso � normalmente explicada por meio do conceito da inibi��o — uma supress�o das l�nguas n�o relevantes.

Quando voc� pede a um volunt�rio bil�ngue para dizer o nome de uma cor que aparece em uma tela em determinado idioma, e depois o nome da cor seguinte em outro idioma, � poss�vel medir picos de atividade el�trica em partes do c�rebro respons�veis pela linguagem e aten��o.

Mas quando esse sistema de controle falha, intrus�es e lapsos podem ocorrer. Por exemplo, a inibi��o insuficiente de um idioma pode fazer com que ele "apare�a" e se intrometa quando voc� deveria estar falando em uma l�ngua diferente.


Hombre ligando diferentes interruptores de idiomas
Em vez de ativar e desativar diferentes idiomas, eles est�o sempre ativos no nosso c�rebro, e o idioma 'indesejado' � inibido (foto: Getty Images)

O pr�prio Declerck, que � belga, est� acostumado a misturar idiomas acidentalmente. Seu repert�rio lingu�stico inclui holand�s, ingl�s, alem�o e franc�s.

Quando trabalhava na Alemanha, a viagem habitual de trem que fazia para voltar para casa na B�lgica passava por v�rias regi�es com idiomas diferentes — um verdadeiro treino para suas habilidades de altern�ncia de idioma.


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"A primeira parte era em alem�o, e eu entrava em um trem belga em que a segunda parte era em franc�s", diz ele. "E depois, quando voc� passa por Bruxelas, eles mudam o idioma para holand�s, que � minha l�ngua nativa. Ent�o, neste per�odo de tr�s horas, toda vez que o cobrador vinha, eu tinha que trocar de idioma." "Eu sempre respondia no idioma errado, de alguma forma. Era simplesmente imposs�vel acompanhar."

Na verdade, cen�rios de troca de idiomas — como esse do trem, mas em laborat�rio — s�o frequentemente usados %u200B%u200Bpor pesquisadores para aprender mais sobre como pessoas multil�ngues dominam os idiomas.

E os erros podem ser uma �tima maneira de compreender melhor como usamos e dominamos os idiomas que sabemos.

Tamar Gollan, professora de psiquiatria da Universidade da Calif�rnia em San Diego, nos EUA, estuda h� anos o dom�nio da linguagem em indiv�duos bil�ngues. E sua pesquisa muitas vezes levou a descobertas contraintuitivas.

"Acho que talvez uma das coisas mais singulares que vimos em indiv�duos bil�ngues quando eles misturam idiomas � que, �s vezes, parece que inibem tanto a l�ngua dominante que, na verdade, acabam sendo mais lentos para falar em certos contextos", diz ela.

Em outras palavras, a l�ngua dominante de uma pessoa multil�ngue pode sofrer um impacto maior em certos cen�rios. Por exemplo, na tarefa de nomear as cores, descrita anteriormente, pode levar mais tempo para um participante lembrar o nome de uma cor no seu primeiro idioma quando estava sintonizado no segundo idioma antes, em compara��o com a situa��o inversa.

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Em um de seus experimentos, Gollan analisou as habilidades de altern�ncia de idioma de pessoas bil�ngues em espanhol-ingl�s, fazendo-as ler em voz alta par�grafos que estavam apenas em ingl�s, apenas em espanhol, e par�grafos que misturavam aleatoriamente ingl�s e espanhol.

Os resultados foram surpreendentes. Mesmo que estivessem com os textos bem ali na frente deles, os participantes ainda cometeriam "erros de intrus�o" ao ler em voz alta — dizendo acidentalmente, por exemplo, a palavra espanhola "pero" (que significa "mas"), em vez da palavra correspondente em ingl�s "but".

Esse tipo de erro acontecia quase exclusivamente quando estavam lendo em voz alta os par�grafos mistos, o que exigia alternar entre os idiomas.

O mais surpreendente foi que uma grande propor��o desses erros de intrus�o n�o eram palavras que os participantes haviam "pulado".

Por meio do uso da tecnologia de rastreamento ocular, Gollan e sua equipe descobriram que esses erros eram cometidos mesmo quando os participantes olhavam diretamente para a palavra em quest�o.


E embora o ingl�s fosse a l�ngua principal da maioria dos participantes, eles cometeram mais erros de intrus�o com palavras em ingl�s do que com as palavras que deviam dizer em espanhol, idioma que n�o dominavam tanto — algo que, segundo Gollan, � quase como uma invers�o do dom�nio do idioma.

"Acho que a melhor analogia � imaginar que h� uma condi��o na qual voc� de repente se torna melhor em escrever com sua m�o n�o dominante", diz ela. "Chamamos isso de domin�ncia invertida, e estamos dando grande import�ncia a isso, porque quanto mais penso sobre isso, mais percebo o qu�o �nico e louco isso �."

Isso pode acontecer, inclusive, quando estamos aprendendo uma segunda l�ngua — quando os adultos est�o imersos no novo idioma, podem achar mais dif�cil acessar as palavras na sua l�ngua nativa.

De acordo com Gollan, os efeitos da domin�ncia invertida podem ser particularmente evidentes quando os bil�ngues alternam entre os idiomas em uma mesma conversa.

Ela explica que, ao misturar idiomas, os multil�ngues fazem uma esp�cie de malabarismo, inibindo o idioma mais forte para equilibrar as coisas — e, �s vezes, v�o longe demais na dire��o errada.

"Os bil�ngues tentam tornar as duas l�nguas igualmente acess�veis, inibindo a l�ngua dominante para facilitar a altern�ncia", diz ela. "Mas, �s vezes, eles 'excedem' nessa inibi��o, e acabam falando mais devagar do que na l�ngua que n�o � dominante."


Imagem dos Beatles com cartazes em diferentes idiomas
Na hora que precisamos alternar rapidamente entre os idiomas, � quando a maioria das 'interfer�ncias lingu�sticas' pode ocorrer, afetando n�o apenas as palavras, mas a pron�ncia e a gram�tica (foto: Getty Images)

Os experimentos conduzidos por Gollan tamb�m se depararam com a domin�ncia invertida em outra �rea surpreendente: a pron�ncia.

Os participantes, �s vezes, liam uma palavra no idioma certo, mas com o sotaque equivocado. E, novamente, isso acontecia mais com as palavras em ingl�s (idioma dominante) do que em espanhol.

"�s vezes, os bil�ngues falam a palavra certa, mas com o sotaque errado, o que � uma dissocia��o realmente interessante que indica que o controle da linguagem est� sendo aplicado em diferentes n�veis de processamento", diz Gollan.


"E h� uma separa��o entre a especifica��o do sotaque e a especifica��o de qual l�xico voc� vai extrair as palavras."

At� mesmo o uso da gram�tica na nossa l�ngua nativa pode ser afetado de maneiras surpreendentes, especialmente se voc� estiver muito imerso em um ambiente lingu�stico diferente.

"O c�rebro � male�vel e adapt�vel", explica Kristina Kasparian, escritora, tradutora e consultora que estudou neurolingu�stica na Universidade McGill de Montreal, no Canad�. "Quando voc� est� imerso em um segundo idioma, isso afeta a maneira como voc� percebe e processa seu idioma nativo."

Como parte de um projeto mais amplo feito para sua pesquisa de doutorado, Kasparian e seus colegas realizaram testes com pessoas cujo italiano era a l�ngua nativa e que haviam migrado para o Canad� e aprendido ingl�s quando adultos. Todos haviam declarado que seu italiano estava ficando enferrujado e que n�o o usavam muito no dia a dia.

Os pesquisadores mostraram aos participantes uma s�rie de frases em italiano e pediram a eles para avaliar o qu�o aceit�vel eram gramaticalmente.


Ao mesmo tempo, a atividade cerebral deles tamb�m foi medida por meio de um m�todo de eletroencefalografia (EEG). As respostas deles foram comparadas �s de um grupo de italianos monol�ngues que vivia na It�lia.


imagem de um cérebro
Imagem de computador de um c�rebro (foto: Getty Images)

"Havia quatro tipos diferentes de frases, e duas delas eram aceit�veis %u200B%u200Btanto em italiano quanto em ingl�s, e duas delas eram aceit�veis %u200B%u200Bapenas em italiano", diz Kasparian.

Os migrantes italianos eram mais propensos a rejeitar frases corretas em italiano como n�o gramaticais, se n�o correspondessem � gram�tica correta do ingl�s.

E quanto maior a profici�ncia em ingl�s, quanto mais tempo moravam no Canad�, e quanto menos usavam o italiano, maior a probabilidade de acharem que as frases corretas em italiano estavam incorretas gramaticalmente. Eles tamb�m apresentaram padr�es diferentes de atividade cerebral em compara��o com os italianos que viviam na It�lia.

E os pesquisadores descobriram que, quando apresentados a frases que eram gramaticalmente aceit�veis %u200B%u200Bapenas em italiano (mas n�o em ingl�s), os italianos que moravam no Canad� apresentavam padr�es de atividade cerebral diferentes dos que viviam na It�lia.

Na verdade, sua atividade cerebral era mais consistente com o que seria esperado de falantes de ingl�s, diz Kasparian, sugerindo que seus c�rebros estavam processando as frases de maneira diferente de seus hom�logos monol�ngues na It�lia.

O ingl�s depende mais da ordem das palavras do que o italiano, explica Kasparian. E os migrantes confiavam mais nas pistas gramaticais do ingl�s, diz ela, embora estivessem lendo em italiano.

"At� o primeiro idioma pode mudar, mesmo que seja um idioma que voc� usou todos os dias durante a maior parte de sua vida", afirma.

� claro que a maioria das pessoas multil�ngues � capaz de manter a gram�tica de sua l�ngua nativa sem problema.

Mas o estudo de Kasparian, assim como outros feitos como parte de seu projeto de pesquisa mais amplo, mostram que nossas l�nguas n�o s�o est�ticas ao longo da vida, mas mut�veis, competindo ativamente e interferindo umas com as outras.


Imagem do livro 'O Avarento', de Molière
Ser multil�ngue tamb�m pode ter vantagens, como ser capaz de realizar multitarefas melhor, de acordo com alguns estudos (foto: Getty Images)

Navegar por essas interfer�ncias talvez seja parte do que torna dif�cil para um adulto aprender um novo idioma, especialmente se ele cresceu monol�ngue.

"Toda vez que voc� fala esse novo idioma, � como se o outro idioma dissesse: 'Ei, estou aqui, pronto'", explica Matt Goldrick, professor de lingu�stica da Universidade Northwestern, em Illinois, nos EUA.

"Ent�o o desafio � que voc� tem que suprimir essa coisa que � t�o autom�tica e t�o f�cil de fazer, em favor dessa coisa que � incrivelmente dif�cil de fazer quando voc� est� aprendendo (um idioma) pela primeira vez."

"Voc� est� tendo que aprender a puxar as r�deas de algo que voc� normalmente nunca tem que inibir, que apenas sai naturalmente, certo? N�o h� raz�o para conter. E acho que essa � uma habilidade muito dif�cil que algu�m tem que desenvolver, e � parte do motivo pelo qual � t�o dif�cil."

Uma coisa que pode ajudar? Ficar imerso no ambiente da l�ngua estrangeira. "Voc� est� criando um contexto no qual est� retendo fortemente essa outra l�ngua e est� praticando bastante, retendo essa outra coisa, de modo que d� espa�o para a outra (nova) l�ngua se tornar mais forte", diz Goldrick.

"E depois, quando voc� voltar dessa experi�ncia de imers�o, provavelmente estar� em uma posi��o na qual ser� capaz de gerir melhor essa competi��o", acrescenta. "Isso nunca vai acabar, essa competi��o nunca vai acabar, voc� s� fica melhor em domin�-la."

Esse dom�nio � certamente algo em que os multil�ngues tendem a ter muita pr�tica.

Muitos pesquisadores argumentam que isso oferece a eles certas vantagens cognitivas — mas � importante observar que ainda n�o existe um consenso, j� que outros afirmam que suas pr�prias pesquisas n�o mostram evid�ncias confi�veis de uma vantagem cognitiva bil�ngue.

Seja l� como for, o uso das l�nguas � sem d�vida uma das atividades mais complexas que os seres humanos aprendem a fazer. E ter que dominar v�rios idiomas tem sido associado a benef�cios cognitivos em muitos estudos, dependendo da tarefa e da idade.

Alguns estudos mostraram que pessoas bil�ngues apresentam um desempenho melhor em tarefas de controle executivo — por exemplo, em atividades em que os participantes precisam se concentrar em informa��es contraintuitivas.

Falar v�rios idiomas tamb�m tem sido associado a um retardo no aparecimento dos sintomas de dem�ncia. E, claro, o multilinguismo oferece muitos benef�cios �bvios que v�o al�m do c�rebro, inclusive o benef�cio social de poder falar com muita gente.

Mas, embora meu multilinguismo possa ter me oferecido algumas vantagens, n�o poupou meus rubores. Um tanto envergonhada, ainda n�o voltei �quela padaria desde meu incidente lingu�stico. Talvez mais idas � padaria sejam necess�rias ent�o — tudo em nome da pr�tica do dom�nio do idioma, � claro.

 

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62290636

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