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Estado de Minas COMPORTAMENTO

Como usar a ansiedade a seu favor

Embora seja sufocante, a ansiedade pode ser um instrumento para nos ajudar a enfrentar os desafios da vida, argumenta a neurocientista Tracy Dennis-Tiwary


02/12/2022 09:23 - atualizado 02/12/2022 09:25

Mulher a ponto de se afogar
Aprender a gerenciar a ansiedade, trabalhando com ela e afastando-a quando necess�rio, pode nos preparar melhor para desafios futuros (foto: Getty Images)
Da "ansiedade clim�tica" � s�ndrome de Fomo (o medo de n�o conseguir acompanhar os acontecimentos), a vida moderna parece ser muito estressante — o que tamb�m pode trazer benef�cios.

Quando meu filho nasceu com uma condi��o card�aca cong�nita, eu me senti perdida, como qualquer pai ou m�e ficaria.

Ele precisava de uma cirurgia do cora��o e eu fiquei totalmente incerta sobre o futuro. Eu sabia que o resultado da opera��o poderia n�o ser bom, mas que tamb�m poderia ser positivo se eu conseguisse oferecer os melhores cuidados poss�veis.

Em uma �poca como aquela, era dif�cil concentrar-me no lado positivo, mas aprendi que poderia usar minha ansiedade para me manter energizada. Sabendo que o futuro era incerto, mas que minhas a��es podiam influenciar o resultado, minha ansiedade me ajudou a permanecer ativa em uma situa��o que poderia levar outras pessoas a sentir que n�o havia esperan�a.

Acredito que a ansiedade pode ser um instrumento para nos ajudar a enfrentar os desafios que a vida nos apresenta. Mas, para muitas pessoas, ela pode ser sufocante e virou sin�nimo de sensa��o de mal-estar.

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Quando eu era crian�a nos anos 1980, estresse era sin�nimo de desconforto emocional. Como est�o os planos do seu casamento? Oh, est�o �timos, mas estou estressada. Como est� saindo sua quimioterapia? Muito estressante. Hoje, parece que estamos vivendo na era da ansiedade. A ferramenta Google Trends mostra que as buscas pela palavra "ansiedade" aumentaram em mais de 300% desde 2004.

A ansiedade est� na nossa mente por bons motivos. At� 31% da popula��o norte-americana sentir� um transtorno de ansiedade em algum momento das suas vidas, que pode variar desde o transtorno de ansiedade generalizada at� o transtorno do p�nico e o transtorno de ansiedade social, que � um dos mais comuns.

Essa palavra tamb�m parece ter sa�do dos diagn�sticos m�dicos e se infiltrado no nosso vocabul�rio comum. Ela substituiu o estresse como sin�nimo de sensa��o desconfort�vel - ficamos ansiosos com uma apresenta��o, um encontro �s escuras, o in�cio de um novo trabalho.

A palavra "ansiedade" agora � onipresente e absorve significados, como uma ameba, englobando tudo, desde o pavor at� uma antecipa��o agrad�vel. Muitas vezes, seu simples uso coloca essas experi�ncias em um foco negativo, transformando-as em amea�as com um toque de inquieta��o.

E existem os transtornos de ansiedade. Eles s�o os diagn�sticos mais comuns de sa�de mental - mais que a depress�o e a depend�ncia. Centenas de milh�es de pessoas em todo o mundo ser�o diagnosticadas com algum transtorno de ansiedade ao longo da vida.

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As taxas de incid�ncia desses transtornos, especialmente entre os jovens, continuam a aumentar h� pelo menos duas d�cadas. Existem ainda dezenas de terapias validadas, 30 medica��es diferentes de combate � ansiedade, centenas de excelentes livros de autoajuda e milhares de estudos cient�ficos rigorosos.

� claro que essas solu��es podem ajudar as pessoas, mas claramente elas n�o conseguiram reduzir a escala do problema. Por qu�?

Para que serve a ansiedade?

No meu livro Future Tense ("Tempo futuro", em tradu��o livre), uma raz�o desse fracasso � o fato de que n�s, os profissionais de sa�de mental (e aqui me incluo), inadvertidamente informamos as pessoas erroneamente no passado - e esse mal-entendido nos prejudicou.

Proponho agora uma abordagem mais �til e promissora para compreender e viver com a ansiedade no s�culo 21, fazendo uso dela em nosso benef�cio.

Emo��es negativas como a ansiedade t�m m� reputa��o h� muito tempo. Ela � irracional, na melhor das hip�teses, destrutiva no pior dos casos.


Mulher sentada escondendo rosto com os braços
Para funcionar, a ansiedade precisa causar mal-estar. Seu nome vem das palavras em latim e grego para engasgado, dolorosamente restrito e desconfort�vel (foto: Getty Images)

O poeta da Roma antiga Hor�cio escreveu, h� mais de 2 mil anos, que a "raiva � uma pequena loucura". Mas, ao longo dos �ltimos 150 anos, a partir do livro A Express�o das Emo��es no Homem e nos Animais, de Charles Darwin, passamos a realmente compreender que emo��es como a raiva, o medo e a ansiedade s�o mais convenientes do que perigosas.

Como o polegar opositor e a linguagem, as emo��es s�o ferramentas para nossa sobreviv�ncia, forjadas e refinadas ao longo de centenas de milhares de anos de evolu��o para proteger os seres humanos e garantir o seu progresso. Elas agem fornecendo duas coisas: informa��es e prepara��o.

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A ansiedade � a informa��o sobre a incerteza do futuro: algo de ruim pode acontecer, mas algo de bom, tamb�m. A ansiedade espera se o seu teste de covid tem resultado positivo ou negativo ou antecipa aquela conversa dif�cil com seu chefe, que pode sair bem ou desviar-se completamente do esperado.

Mas a ansiedade n�o informa sobre certas amea�as presentes - quem faz isso � o medo. Quando voc� v� uma barbatana de tubar�o erguendo-se da �gua a poucos metros de dist�ncia, enquanto est� nadando, por exemplo. O medo primeiramente nos prepara para lutar, fugir ou congelar.

J� a ansiedade constr�i a civiliza��o. Ela nos prepara para persistir, permanecer vigilantes e agir de forma a evitar desastres futuros, podendo tamb�m transformar possibilidades positivas em realidade.

Quando estamos ansiosos, n�o somos apenas criativos e inovadores. Nossos c�rebros reagem com maior concentra��o e efici�ncia quando enfrentamos o imprevis�vel.

A ansiedade, por isso, � mais do que o "circuito el�trico do medo" no c�rebro. A ansiedade tamb�m ativa nossa necessidade de recompensa e conex�es sociais, impelindo-nos a trabalhar por aquilo de que cuidamos, a conectar-nos com os demais e a ser mais produtivos.

Por isso, do ponto de vista da teoria da evolu��o, a ansiedade n�o � destrutiva. A ansiedade incorpora a l�gica da sobreviv�ncia.

Mas a teoria da evolu��o e as pesquisas n�o atingiram a consci�ncia p�blica, nem a maioria dos profissionais m�dicos. Longe de tratar a ansiedade como uma poss�vel aliada, n�s a tratamos como um inimigo fazendo barulho no port�o.

Os transtornos da ansiedade podem ser paralisantes, mas o uso disseminado do termo "ansiedade" para indicar um mal-estar em geral � problem�tico. Ele significa que n�s aceitamos duas fal�cias fundamentais: (a) a experi�ncia da ansiedade � perigosa e destrutiva; e (b) a solu��o para a sua dor � evit�-la ou erradic�-la.

Esta forma de pensar nos levou a perceber nossas ansiedades di�rias como dist�rbios a serem reparados. Mas somente os transtornos da ansiedade - quando a ansiedade extrema e nossas tentativas de lidar com ela interferem no nosso dia a dia - s�o reconhecidos como condi��es de sa�de mental. J� a emo��o da ansiedade deve ser considerada normal, saud�vel e at� ben�fica.

A l�gica inexor�vel dessa met�fora da doen�a nos convoca a lev�-la ainda mais um passo adiante: como em outras enfermidades, desde doen�as infecciosas at� o c�ncer, enquanto n�o suprimirmos a ansiedade, n�o podemos ter sa�de mental, da mesma forma que a simples presen�a de uma c�lula cancerosa significa que estamos doentes.

E essa met�fora da doen�a nos aprisiona, em vez de nos animar. Ela nos faz confundir a ansiedade normal com uma doen�a. Passamos a temer, evitar e suprimir qualquer sensa��o ansiosa assim que ela surge.

Ao contr�rio das doen�as infecciosas ou do c�ncer, evitar e suprimir a ansiedade certamente a amplificar�, trazendo simultaneamente um custo de oportunidade, evitando que procuremos formas produtivas de enfrentar e estabelecer t�cnicas de resili�ncia emocional.

Este � o c�rculo vicioso da ansiedade, que cresce at� sair de controle: sentir que a ansiedade � perigosa, ter medo dela e, por fim, fugir dela, suprimindo-a e evitando-a. E os danos causados para a ansiedade pela met�fora da doen�a n�o param por aqui. Eles tamb�m nos impedem de observar que a ansiedade n�o � simplesmente algo para se reduzir e controlar.

Por que ela incomoda tanto?

A ansiedade serve para potencializar e alavancar. Ela evoluiu para nos ajudar a persistir, inovar, aumentar nossas conex�es sociais e manter nossa esperan�a face �s incertezas, para podermos criar um futuro melhor. Mas, se a ansiedade � algo t�o bom, por que a sensa��o que ela traz � t�o ruim?


mulher roendo a unha
A ansiedade pode ajudar a nos preparar para uma experi�ncia iminente (foto: Getty Images)

A ansiedade precisa causar mal-estar para fazer o seu trabalho. A pr�pria origem da palavra, derivada das palavras em latim e grego para engasgado, dolorosamente restrito e desconfort�vel, reflete essa sensa��o desagrad�vel, que � essencial.

Somente algo t�o desagrad�vel pode nos compelir de forma consistente a parar e prestar aten��o, exigindo efetivamente que trabalhemos mais para evitar perigos futuros e tra�ar um curso mais positivo. E, ainda assim, a maioria de n�s aprendeu a evitar e ignorar essa emo��o t�o �til, para nosso preju�zo.

Pense na ansiedade como um alarme contra inc�ndios, avisando que a casa est� pegando fogo e alertando para que voc� tome alguma provid�ncia. O que aconteceria se, em vez de sair de casa e chamar os bombeiros, voc� simplesmente ignorasse o alarme, retirasse a bateria do aparelho ou evitasse lugares da casa onde o alarme soa mais alto?

Em vez de se beneficiar do alarme, apagando o fogo e evitando inc�ndios futuros, voc� iria simplesmente esperar, rezando para que a casa n�o fosse destru�da.


N�o podemos ignorar o papel desempenhado pelas adversidades e pelo estresse implac�vel. �s vezes, a vida simplesmente n�o d� folga e qualquer pessoa nessa situa��o sentiria ansiedade, que poderia ser intensa e esmagadora.


Mas, independentemente da causa, ouvir a nossa ansiedade - acreditando que exista sabedoria inerente no que ela tem a nos dizer e que podemos us�-la em nosso benef�cio - � a primeira etapa para aprendermos a ser ansiosos da forma correta. E esta mudan�a de mentalidade traz um impacto positivo poderoso.

A ansiedade como ferramenta

Um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, demonstrou que, quando pedimos a pessoas socialmente ansiosas uma tarefa realmente estressante - dar uma palestra p�blica em frente a um quadro de ju�zes sem tempo de prepara��o - mas tamb�m ensinamos a elas a pensar nas suas rea��es ansiosas como sinal de que estamos prontos para enfrentar um desafio (em vez de um sinal de ang�stia), elas apresentam melhor desempenho sob press�o.

As pessoas foram mais confiantes, menos ansiosas e apresentaram batimentos card�acos mais est�veis e press�o sangu�nea mais baixa quando estavam envolvidas e concentradas.

Interagir com a ansiedade, muitas vezes, � a chave da cura.

Existem pesquisas com veteranos de guerra que reduzem seu risco de desenvolver estresse p�s-traum�tico quando prestam mais aten��o �s informa��es que provocam ansiedade, em vez de distrair-se delas.

Por outro lado, existem tamb�m pacientes de transplante de cora��o que precisaram de menos dias de hospitaliza��o enquanto esperavam pelo transplante e, portanto, apresentavam mais probabilidade de qualificar-se para a cirurgia enquanto estavam ansiosos.

Aprender a ser ansioso da forma certa significa encontrar formas de trabalhar a ansiedade, em vez de contorn�-la - alavancar e canalizar a ansiedade para atingir objetivos e discernir quando a ansiedade n�o � �til e deixar que ela passe. Pense neste c�rculo virtuoso da ansiedade como dividido em tr�s partes: ouvir, alavancar e deixar que ela passe.

Ouvir

A ansiedade ajuda a ampliar a nossa concentra��o e motiva��o enquanto nos aproximamos do ponto onde queremos estar. � por isso que a ansiedade traz esperan�a. Podemos observar amea�as futuras, mas tamb�m temos os olhos voltados para o pr�mio � nossa frente, acreditando que podemos trabalhar para transformar as boas perspectivas em realidade.

Mas, para que a ansiedade nos leve at� l�, ela precisa ser desconfort�vel para podermos nos levantar, prestar aten��o e ouvir o que ela est� dizendo. Sentimentos terr�veis, que n�o podem ser ignorados, tamb�m nos fazem querer nos afastar deles. � por isso que, quando o assunto � ouvir a ansiedade, a curiosidade � a nossa melhor amiga.


Ilustração de mulher
Ilustra��o de mulher espreitando algo em fundo cor de rosa (foto: Getty Images)

Alavancar

Encontrar informa��es �teis na ansiedade nos prepara para canalizar e dirigir nossas energias para os objetivos e buscar prop�sitos. Dedicar tempo para pensar no nosso prop�sito melhora o �nimo e aumenta a concentra��o e o aprendizado. Esses benef�cios podem durar meses ou at� anos.


Quando canalizamos nossa ansiedade para buscar e priorizar nossos prop�sitos, ela se transforma em coragem. A ansiedade alimenta nossos impulsos e libera nossas for�as.

Deixar passar

Mas a ansiedade nem sempre � �til ou direta. �s vezes, ela demora para revelar sua mensagem. Em outras ocasi�es, ela n�o tem sentido. A vida � mesmo desafiadora e existem muitas emo��es, mas nenhuma informa��o �til. A ansiedade nos lan�a em um rodopio para o tempo futuro, preocupados e oprimidos. Qual a melhor forma de faz�-la passar?

Procure atividades relaxantes e que causem sua imers�o no presente. Leia um poema favorito ou busque consolo na m�sica. Ou�a aquele novo podcast. Exercite-se ou fa�a uma caminhada tortuosa.


Ligue para o terapeuta ou para aquele amigo que sempre traz um ponto de vista �til. � nesses momentos que tamb�m constru�mos a consci�ncia emocional e as t�cnicas para lidar com nossas emo��es dif�ceis, sem nos afastarmos delas, e buscar apoio quando precisamos.

Ansiosos da forma certa

Nestes tempos de pandemia, polariza��o pol�tica e mudan�as clim�ticas, muitos de n�s certamente nos sentimos sobrecarregados pela ansiedade com o nosso futuro. Para lidar com isso, aprendemos a lidar com a ansiedade como fazemos com qualquer doen�a - queremos preveni-la, evit�-la e elimin�-la a todo custo.


Mas o fato � que, com isso, estamos andando para tr�s. O problema n�o � a ansiedade. A ansiedade � o mensageiro que nos conta que estamos enfrentando incertezas e precisamos lidar com as dificuldades; ou que nos mostra que a nossa vida precisa mudar ou estamos precisando de ajuda.


Na verdade, um dos principais problemas � que as nossas cren�as sobre a ansiedade nos impedem de acreditar que podemos lidar com ela; que podemos ter acesso a estrat�gias de sobreviv�ncia, aos tratamentos existentes e nos beneficiar deles; e que podemos aprender a us�-la em nosso benef�cio.


E, quando nossas cren�as aumentam a ansiedade, temos maior risco de caminhar rumo � ansiedade debilitadora e seus transtornos.

O principal problema para algu�m diagnosticado com um transtorno de ansiedade n�o � a intensa ansiedade que ele est� sentindo, mas que as ferramentas � sua disposi��o para desligar esses sentimentos est�o causando impedimento funcional. Elas impedem o autocuidado, o trabalho, a conex�o com os demais e uma vida de realiza��es.

Mudar nossa abordagem sobre a ansiedade pode ajudar, independentemente da nossa posi��o no espectro da ansiedade. E todos n�s estamos em algum ponto desse espectro.

Mais de 180 anos atr�s, o fil�sofo dinamarqu�s Soren Kierkegaard escreveu: "Qualquer pessoa que aprender a ficar ansiosa da forma correta aprendeu o que h� de mais elevado".

Todos n�s nascemos ansiosos. A tarefa do ser humano � aprender que a ansiedade pode ser dif�cil e, �s vezes, at� aterrorizante. Mas podemos aprender a transform�-la em um aliado, um benef�cio e uma fonte de criatividade. Quando resgatarmos a ansiedade, resgataremos a n�s mesmos.

*Tracy Dennis-Tiwary � autora do livro "Future Tense: Why Anxiety is Good for You (Even Though it Feels Bad" ("Tempo futuro: por que a ansiedade � boa para voc� (mesmo causando mal-estar)", em tradu��o livre), professora de psicologia e neuroci�ncias e diretora do Laborat�rio de Regula��o das Emo��es da Faculdade Hunter em Nova York, nos Estados Unidos.

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63815685


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