senhor entra no aparelho de radioterapia

Outros estudos j� demonstraram a desigualdade no acesso a diagn�stico e tratamento oncol�gico no pa�s

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Uma m�dia de 73 mil pacientes com c�ncer n�o t�m acesso � radioterapia no SUS a cada ano. Entre 2008 e 2022, a soma chega a 1,1 milh�o, o que pode ter sido causa direta de mais de 110 mil mortes, revela documento da SBR (Sociedade Brasileira de Radioterapia) entregue ao Minist�rio da Sa�de.


Nesse per�odo, a incid�ncia acumulada de c�ncer no Brasil foi de 6,2 milh�es de casos novos. Em alguma fase da doen�a, cerca de 60% dos pacientes v�o precisar de radioterapia, que � um dos pilares do tratamento oncol�gico, ao lado das cirurgias, da quimioterapia e, mais recentemente, da imunoterapia.


O relat�rio, feito em parceria com a Funda��o Dom Cabral, mostra que, nesses 15 anos, 1,7 milh�o de pacientes receberam tratamento nos servi�os p�blicos ante uma demanda estimada de 2,8 milh�es. Cerca de 75% dos pacientes dependem exclusivamente do SUS.

Desigualdade de acesso

Outros estudos j� demonstraram a desigualdade no acesso a diagn�stico e tratamento oncol�gico no pa�s. "N�o ter acesso � radioterapia � um problema grav�ssimo, tanto para o paciente, que vai sofrer sem um tratamento adequado e a doen�a vai progredir, quanto para o pa�s, que ter� custos maiores para tratar a doen�a avan�ada", diz m�dico r�dio-oncologista Marcus Sim�es Castilho, presidente da SBR.


Os gargalos s�o v�rios, entre os quais o n�mero insuficiente de aparelhos de radioterapia no SUS, muitos dos quais j� obsoletos, e a defasagem da tabela SUS para pagamento dos tratamentos. Em �ltima inst�ncia, al�m da falta de acesso, isso resulta em terapias ultrapassadas e menos eficazes.


Em 2012, eram pagos pelo Minist�rio da Sa�de US$ 1.567 (R$ 7.960) por tratamento. Em 2022, foram US$ 831 (R$ 4.221). Em uma d�cada, houve 80% de infla��o acumulada e 150% de desvaloriza��o do c�mbio.


"Faltam recursos financeiros na quantidade adequada para que as institui��es possam se sustentar, manter atualizados os seus parques tecnol�gicos e entregar um tratamento de qualidade", refor�a Castilho.


 

O Minist�rio da Sa�de lan�ou em 2012 um plano de expans�o em radioterapia do SUS, mas, dez anos depois, s� conseguiu instalar pouco mais da metade do total de aceleradores lineares proposto no projeto.


Das 91 novas instala��es previstas, foram conclu�das 58. Dessas, 53 est�o com licen�a de opera��o e cinco aguardam a tramita��o de documentos e licen�a da CNEN (Comiss�o Nacional de Energia Nuclear).


"Al�m de a gente n�o conseguido colocar aqueles equipamentos em funcionamento, os que est�o a� j� precisam ser repostos, tanto em tecnologia quanto para substituir os velhos, que n�o t�m mais condi��o."


Redu��o no tempo de tratamento

 

Segundo o relat�rio, na �ltima d�cada, o crescimento de aceleradores nucleares foi de 17%, enquanto a alta da incid�ncia de c�ncer foi 32%, ou seja, quase o dobro. A proje��o � que, para 2030, o pa�s v� precisar de 230 novos equipamentos. Castilho defende que haja mais parcerias com a iniciativa privada.


"Uma radioterapia para [c�ncer] de mama j� pode ser feita em cinco sess�es. No passado, precis�vamos de 25 a 30 sess�es", explica r�dio-oncologista Renato Pierre Lima, do Hospital Haroldo Jua�aba, de Fortaleza (CE), ligado ao Instituto do C�ncer, uma das refer�ncias oncol�gicas no Norte-Nordeste.


O m�dico se refere � radioterapia hipofracionada, que reduz muito o tempo do tratamento. De acordo com o relat�rio, ela est� presente em 67% dos servi�os radioter�picos que atendem exclusivamente pacientes do SUS e em 88% daqueles exclusivos da sa�de suplementar.


Segundo Lima, seus pacientes do SUS s� t�m acesso a essa tecnologia porque o hospital investe recursos pr�prios na atualiza��o das m�quinas. Muitos dos doentes v�m de longe. � o caso do aposentado Francisco Nascimento Silva, 73, de Ibicuitinga (CE), cidade que fica a tr�s horas da capital cearense.


Silva est� em tratamento de um tumor de pr�stata e passou por cinco sess�es seguidas de radioterapia. "Ajuda muito o tratamento ser mais curto. Essas viagens s�o muito cansativas para o meu pai, que j� est� debilitado pela doen�a", diz a filha Almerinda, 37.


"N�o precisa ser muito inteligente para perceber quanto isso impacta na redu��o de custos e tamb�m na acessibilidade aos servi�os. Radioterapia com alta tecnologia est� relacionada a tratamentos com menor toxicidade e, em algumas vezes, com melhores desfechos cl�nicos", diz Gustavo Nader Mata, r�dio-oncologista do Hospital S�rio-Liban�s (SP).


A radioterapia de intensidade modulada (IMRT), que gera maiores doses de radia��o no tumor e menores nos tecidos sadios, est� em 21% dos servi�os do SUS e em 77% dos que atendem s� planos de sa�de.

T�cnica de maior precis�o

Outra t�cnica que permite mais precis�o do feixe, com menor irradia��o dos tecidos sadios, a radioterapia guiada por imagem (IGRT) � oferecida em 14% dos servi�os do SUS e em 57% dos da rede suplementar.


Outro problema, segundo Mata, � que os tratamentos do SUS s�o pagos em pacotes preestabelecidos, sem levar em conta se uma institui��o oferece ou n�o uma t�cnica mais adequada que a outra.


"Em vez de empacotar, o governo deveria hierarquizar os procedimentos, reconhecendo as diferentes tecnologias. Paga-se exatamente igual aos servi�os que t�m as tecnologias mais rudimentares e os que tentam oferecer uma radioterapia de qualidade." Na sa�de suplementar, existe essa hierarquiza��o.


No relat�rio, a SBR sugere mudan�as nesse modelo, iniciado em 2019, al�m de reajuste do financiamento do setor, congelado desde 2010.


Segundo Castilho, o documento j� foi apresentado e discutido em v�rias reuni�es no conselho do Inca (Instituto Nacional do C�ncer) em 2022, e o relat�rio final foi apresentado no fim do ano ao minist�rio.


Helv�cio Magalh�es J�nior, secret�rio da Aten��o Especializada do Minist�rio da Sa�de, diz que a atual gest�o est� discutindo v�rios pontos que constam no relat�rio da SBR.

 

Um dos autores do plano de expans�o da radioterapia, em 2012, ele diz que n�o houve avan�o porque a �rea oncol�gica n�o foi prioridade do governo federal nos �ltimos anos. "Ningu�m tomou conta."


O secret�rio afirma que sua equipe tem analisado cada um dos contratos dos cerca de 460 prestadores na �rea oncol�gica e que haver� um "grande investimento" (n�o especificou valores) para atualizar os aparelhos de radioterapia, uma vez que na �ltima d�cada a tecnologia foi muito aprimorada.


Sobre a desatualiza��o da tabela SUS, ele diz que essa � uma queixa � hist�rica, mas que n�o h� previs�o de rever esses valores por enquanto. "Vamos sim colocar recursos federais para equilibrar os contratos com os prestadores, especialmente os filantr�picos."


Outra proposta � individualizar dentro das Apacs (autoriza��o de procedimentos ambulatoriais) e das AIHs (autoriza��o de interna��es hospitalares) os valores dos produtos que ser�o utilizados, remunerando de forma diferenciada a institui��o que trabalha com tecnologias mais atualizadas.