Maria Fernanda Ziegler - Ag�ncia FAPESP

jovem de máscara e cercado pelo vírus da covid

A ideia do cons�rcio internacional � fazer uma discuss�o sobre os jovens urbanos e identificar quais experi�ncias foram relevantes para esse contexto pand�mico

Tumisu/Pixabay


Uma equipe internacional de pesquisadores est� investigando os impactos duradouros da pandemia na vida de crian�as e jovens entre 10 e 24 anos em West Midlands (Birmingham, no Reino Unido), Mangaung e Moqhaka (�frica do Sul) e nos bairros de Parais�polis e Heli�polis (S�o Paulo, Brasil).

No trabalho, dividido em quatro etapas, os pesquisadores v�o esmiu�ar como a combina��o entre as respostas econ�mica e pol�tica � crise sanit�ria e a capacidade adaptativa de jovens perif�ricos (e suas fam�lias) modularam quest�es do cotidiano – como o acesso � educa��o, lazer e alimenta��o – e os sonhos desses indiv�duos.

"Existe uma vida antes e uma depois da pandemia. Quase ningu�m passou inc�lume. Para os jovens, que inicialmente eram considerados os menos afetados pelos danos � sa�de decorrentes da COVID-19, os impactos da pandemia j� est�o impostos em suas vidas e ser�o duradouros", explica Leandro Giatti, professor da Faculdade de Sa�de P�blica da Universidade de S�o Paulo (FSP-USP) e coordenador da pesquisa no Brasil.

Al�m da USP, integram o cons�rcio global cientistas da University College London, University of Birmingham (ambas no Reino Unido) e University of Free State (�frica do Sul). O grupo recebe financiamento do Economic and Social Research Council (ESR), da National Research Foundation (NRF) e da Funda��o de Amparo � Pesquisa do Estado de S�o Paulo (FAPESP).

Exemplos de mudan�as bruscas no curso da vida de indiv�duos dessa faixa et�ria n�o faltam. � o caso do menino perif�rico que ia bem na escola e sonhava em ser m�dico um dia, por exemplo, mas que precisou abandonar os estudos e ajudar os pais a manter a casa. Ou ainda da jovem que era pouco afeita a quest�es comunit�rias e, durante a pandemia, se tornou uma das presidentes de rua de Parais�polis – sistema comunit�rio criado no bairro paulistano para o monitoramento e cuidado de moradores durante a pandemia – e nova lideran�a pol�tica.

"Essas rupturas e mudan�as provocadas durante a pandemia n�o ser�o repostas, nem recuperadas. A quest�o da alimenta��o � o d�ficit mais evidente, mas na educa��o e no lazer as perdas tamb�m foram significativas e v�o impactar na forma como esses indiv�duos v�o se relacionar na aprendizagem, na vida social e nas oportunidades vindouras. Ent�o �, de fato, algo muito preocupante e que precisa ser mais bem entendido n�o s� para a forma��o de pol�ticas p�blicas como tamb�m para o enfrentamento de poss�veis novas crises", afirma Giatti.

Capacidade adaptativa de crian�as e jovens

O professor ressalta que, al�m de ampliar o entendimento sobre como crian�as e jovens foram afetados pela pandemia, a pesquisa tamb�m vai investigar a capacidade adaptativa desse grupo social no contexto urbano, que se transformou completamente. Ele conta que em Parais�polis, por exemplo, al�m da forma��o de todo um sistema comunit�rio de apoio, como � o caso dos presidentes de rua, a principal escola da regi�o virou um alojamento para pacientes com sintomas de COVID-19 que precisavam ficar isolados.

Ele explica que, para entender as estrat�gias de adapta��o dos jovens, o estudo prop�e o uso da metodologia de pesquisa-a��o, com entrevistas qualitativas e oficinas participativas: Com isso, j� conseguimos estabelecer que quase todos os entrevistados entenderam muito bem a necessidade de cuidados especiais para n�o propagar o v�rus e de uma resposta coletiva � crise. No entanto, a maioria deles precisou buscar sustento, ajudar os pais, ignorar o isolamento nas fases mais agudas da pandemia".

Outro achado preliminar do estudo feito em Parais�polis e Heli�polis est� relacionado � evas�o escolar: "De modo diferente do que acredit�vamos inicialmente, percebemos, por exemplo, que o maior problema para manter os estudos n�o foi a falta de equipamento ou de internet. Alguns deles tiveram acesso a Ipads e banda larga. O problema foi a falta de um suporte no lar e de condi��es para estudar. Isso porque s�o casas pequenas, com c�modos compartilhados, o que dificultava o estudo. Outro fator era a necessidade de trabalhar para auxiliar os pais".

Quatro etapas

Na primeira parte do projeto, os pesquisadores lan�aram o relat�rio The Impact of COVID-19 on Education, Food & Play-Leisure and Related Adaptations for Children and Young People: International and National Overviews, com base em pesquisas j� publicadas e que abordavam os efeitos da pandemia sobre o acesso � educa��o, alimenta��o e ao lazer.

Em rela��o � educa��o, os pesquisadores ressaltam no relat�rio que a m�dia global foi de 142 dias de escolas fechadas (e 151 de dias parcialmente fechados). Uganda foi o pa�s em que as escolas permaneceram mais tempo fechadas: 83 semanas.

No Brasil, de acordo com o relat�rio, foram mais de 40 semanas de aulas perdidas, o que afetou o acesso de alunos vulner�veis aos programas de alimenta��o escolar e aumentou a evas�o escolar. O Fundo das Na��es Unidas para a Inf�ncia (Unicef) estima que as crian�as sul-africanas perderam cerca de 46% do tempo escolar nesses dois anos de pandemia.

Em rela��o � alimenta��o, tanto no Reino Unido, quanto na �frica do Sul e no Brasil houve aumento de fome ou da necessidade de aux�lios e de distribui��o de alimentos. Em 2022, 125,2 milh�es de brasileiros viviam em domic�lios com algum grau de inseguran�a alimentar e mais de 33 milh�es estavam em situa��o de fome (14 milh�es de pessoas a mais do que na �poca da mesma pesquisa em 2020). A inseguran�a alimentar grave dobrou em domic�lios com crian�as de at� 10 anos, passando de 9,4% para 18,1%.

Os pesquisadores ressaltaram ainda que a import�ncia do acesso ao lazer foi praticamente ignorada durante a pandemia e o confinamento. Na Espanha, as crian�as ficaram completamente encarceradas em suas casas por seis semanas. O mesmo ocorreu em muitos outros pa�ses, embora n�o tenham dados precisos.

Na segunda etapa do estudo, que j� est� sendo conclu�da, os pesquisadores entrevistaram agentes (institui��es, ONGs, poder p�blico) que trabalham com jovens em comunidades urbanas perif�ricas ou em vulnerabilidade.

J� na terceira fase, os pesquisadores far�o uma pesquisa qualitativa com jovens. E, na quarta fase, haver� oficinas participativas de di�logos entre jovens proeminentes e institui��es, para discutir o que poderia ter sido melhor e quais as principais experi�ncias vividas. Nessa fase, os pesquisadores v�o interagir com jovens de West Midlands, Mangaung e Moqhaka, Parais�polis e Heli�polis.

"A ideia � fazer uma discuss�o internacional sobre os jovens urbanos e identificar quais experi�ncias foram relevantes para esse contexto pand�mico. Foram mudan�as muito bruscas e com efeitos permanentes. Acredito que, com a abordagem de pesquisa participativa que estamos adotando nesse projeto, vamos conseguir identificar muitas quest�es que pesquisas com n�meros objetivos n�o conseguem apresentar", afirma.