vírus da covid e o globo mundial com máscara

No atual est�gio da pandemia, a ordem � focar na vacina��o e nas doses de refor�o

12222786/Pixabay
O que define uma pandemia � a dissemina��o descontrolada de uma doen�a em todos os continentes, causando epidemias em todas as partes do mundo, ao mesmo tempo. Para pesquisadores ouvidos pela Ag�ncia Brasil, a COVID-19 j� n�o se comporta mais de maneira fora de controle na maior parte do mundo, mas a decis�o de rebaixar o status de pandemia passa tamb�m pela possibilidade de manter recursos mobilizados para ajudar os pa�ses mais pobres.

O acesso �s vacinas est� entre os indicadores mais evidentes de que a resposta � pandemia ocorreu de forma desigual. Enquanto pa�ses como Chile, Cuba e Jap�o aplicaram mais de tr�s doses por pessoa, mais de 70 pa�ses no mundo aplicaram menos que uma. Em todo o mundo, mais de 13,2 bilh�es de doses foram aplicadas, sendo menos de 1 bilh�o no continente africano.

Na �ltima reuni�o do Comit� de Emerg�ncia do Regulamento Sanit�rio Internacional (RSI - 2005) sobre a Pandemia de Coronavirus de 2019 (COVID-19) na Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), as recomenda��es do grupo foram, entre outras, focar na vacina��o e nas doses de refor�o, melhorar a notifica��o de dados � OMS e aumentar a disponibilidade, a longo prazo, de vacinas, diagn�sticos e terapias – medidas que requerem apoio a pa�ses com or�amentos menos robustos.
 

O comit� reconheceu que a pandemia de COVID-19 pode estar se aproximando de um ponto de inflex�o, em que os impactos da doen�a na mortalidade se manter�o limitados pelo grande n�mero de pessoas previamente infectadas e imunizadas. “Embora a erradica��o desse v�rus de hospedeiros humanos e animais seja altamente improv�vel, a mitiga��o de seu impacto devastador na morbidade e mortalidade � alcan��vel e deve continuar a ser uma meta priorit�ria”, afirmou o grupo.

O que falta para a pandemia de COVID-19 acabar?

Marilda Siqueira

Marilda Siqueira, do Laborat�rio de V�rus Respirat�rios do IOC da Fiocruz, est� otimista em rela��o ao atual cen�rio da pandemia no Brasil

Josu� Damacena/Fiocruz/Divulga��o


A chefe do Laborat�rio de V�rus Respirat�rios, Exantem�ticos, Enterov�rus e Emerg�ncias Virais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Marilda Siqueira, acredita que o mundo vive um cen�rio favor�vel, e o Brasil, um quadro ainda mais favor�vel, com coberturas vacinais elevadas. Soma-se a isso a disponibilidade de antivirais desenvolvidos para o tratamento da COVID-19 e que s�o capazes de reduzir a gravidade das infec��es, permitindo que mais pacientes sejam curados.

“Mas esse cen�rio n�o � homog�neo em todos os pa�ses. Muitos pa�ses t�m um cen�rio mais favor�veis que outros no que diz respeito � capacidade de leitos hospitalares, profissionais de sa�de, e �s vacinas. Quando a OMS ainda n�o declarou o fim da pandemia, ela tem nas m�os diferentes cen�rios. E para isso existem normas e crit�rios do regulamento internacional que discutem todos os cen�rios”, afirma.
 
O epidemiologista e professor da Universidade de Illinois Urbana-Champaign Pedro Hallal conta que, a cada nova reuni�o geral da Organiza��o Mundial da Sa�de, h� uma expectativa de que a decis�o de p�r fim � pandemia ser� tomada. O pesquisador afirma acreditar que a emerg�ncia sanit�ria deve terminar em breve, mas que a COVID-19 vai continuar a ser uma doen�a com a qual vamos conviver.

“Estamos nos aproximando do final da pandemia. E, para quem entende o que o termo pandemia quer dizer, isso � mais n�tido ainda. A gente n�o quer dizer que a covid vai acabar, a gente est� dizendo que a gente vai chegar em um ponto em que o n�mero de mortes di�rias vai ser praticamente est�vel, e, assim, ela perde o requisito de estar fora de controle, que � o que caracteriza um surto epid�mico. A pandemia est� pr�xima do fim, mas a COVID, n�o”.
 
O virologista da Fiocruz Amaz�nia Felipe Naveca e o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alberto Chebabo, veem o fim da pandemia como uma decis�o pol�tica que tamb�m vai levar em conta a necessidade de corrigir desigualdades no acesso �s vacinas e aos instrumentos de vigil�ncia epidemiol�gica, ainda muito escassos nos pa�ses mais pobres.

“A gente caminha para isso [fim da pandemia], mas n�o � uma decis�o f�cil de ser tomada”, argumenta Naveca. “A gente tem um mundo muito desequilibrado. H� pa�ses em que a situa��o est� muito mais controlada, em que o sistema de sa�de � mais forte e consegue atender a popula��o. E tem outros pa�ses mais pobres, com pouco avan�o da vacina��o e sistemas de sa�de mais fr�geis. Como a OMS pensa no todo, � nesse sentido que ainda est� se debatendo bastante o fim da pandemia, porque quando se decreta esse fim, se tem uma diminui��o nesses esfor�os”.

“A OMS n�o declara o fim da pandemia muito mais por uma quest�o de organiza��o de atividades de controle da doen�a”, acredita Chebabo. “A gente entrou em uma fase em que, na maior parte dos pa�ses do mundo, a doen�a est� sob controle. Mas a gente ainda tem uma inequidade muito grande no mundo inteiro, e principalmente na �frica e em pa�ses menores da Am�rica Latina. As coberturas est�o muito d�spares, e, talvez por isso, por uma quest�o estrat�gica, para ampliar a possibilidade de vacinar e mobiliar recursos, a OMS ainda n�o tenha declarado o fim da emerg�ncia de sa�de p�blica. Mas eu acredito que nas pr�ximas semanas a gente tenha uma declara��o de fim desse est�gio pand�mico".

Alberto Chebabo

Presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alberto Chebabo, v� o fim da pandemia como uma decis�o pol�tica que vai levar em conta a necessidade de corrigir desigualdades no acesso �s vacinas

SBI/Divulga��o


O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es, Renato Kfouri, considera que, apesar de depender de dados epidemiol�gicos, o fim da pandemia � muito mais um decreto administrativo e n�o representa uma mudan�a imediata na vida das pessoas.

“� uma quest�o muito mais de manejo administrativo das quest�es. � claro que vai depender do momento epidemiol�gico, sim, mas s� na hora que quest�es de transmiss�o nos cinco continentes estiverem controladas, quando houver vacinas disponibilizadas e recursos de vigil�ncia estruturados, a Organiza��o Mundial da Sa�de vai determinar o fim”, diz ele, que ressalta que a covid-19 ainda tem provocado picos epid�micos e regionais no Brasil, mas que um comportamento end�mico � “o caminho natural”.

Quais s�o as amea�as de novas pandemias?

Em um mundo cada vez mais conectado por viagens internacionais e transa��es comerciais entre pa�ses, a capacidade de dissemina��o r�pida de v�rus respirat�rios como o SARS-CoV-2 se mant�m como um desafio para autoridades sanit�rias e cientistas.

Felipe Naveca destaca que os coronav�rus j� demonstraram que s�o uma amea�a que veio para ficar, ap�s terem causado tr�s emerg�ncias de sa�de p�blica relevantes em menos de 20 anos. Em 2002 e 2012, os coronav�rus SARS e MERS provocaram epidemias que atingiram diversos pa�ses do Leste Asi�tico e Oriente M�dio, o que j� havia despertado a aten��o da comunidade cient�fica para a necessidade de se preparar para o surto seguinte, que come�ou em 2019, com o SARS-CoV-2.

"Em uma lista das poss�veis amea�as de uma nova pandemia, os coronav�rus certamente estariam entre elas, assim como o Influenza. N�o tem como a gente achar que n�o vai acontecer, porque a hist�ria nos mostra que j� aconteceu algumas vezes", afirma Naveca.

"Esse foi o terceiro evento de emerg�ncia de um coronav�rus de grande import�ncia m�dica em menos de 20 anos. A chance de acontecer outro � grande. Ningu�m acredita que seja em um futuro muito pr�ximo, mas, imposs�vel, n�o �."

Renato Kfouri

Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es Renato Kfouri considera que o fim da pandemia � mais um decreto administrativo e n�o representa uma mudan�a imediata na vida das pessoas

Sarah Daltri/SBIm/Divulga��o


Naveca acredita que os avan�os tecnol�gicos propiciados pelos investimentos em sequenciamento gen�tico e novas tecnologias de vacina na pandemia de covid-19 ter�o um papel importante na resposta da humanidade a poss�veis novas emerg�ncias sanit�rias.

"A gente vai viver outra pandemia. Se vai ser nessa mesma escala, eu espero que n�o. Mas novos desafios v�o surgir", acredita o pesquisador.

"Essas novas estrat�gias vacinais s�o estruturas mais facilmente adaptadas para novas linhagens e novos coronav�rus. Se surgir uma nova variante de preocupa��o que mude o cen�rio, n�o seria da noite para o dia, mas todo o arcabou�o de informa��es que j� existe vai ser utilizado e vai se conseguir fazer uma vacina de emerg�ncia muito mais r�pido. Todo esse avan�o conta a nosso favor".

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia concorda que os coronav�rus s�o uma amea�a que precisa estar sob constante vigil�ncia, assim como o Influenza, que provocou pandemias em 1918 e 2009 e voltou a causar preocupa��o pela dissemina��o da cepa H5N1, causadora da gripe avi�ria.

"S�o v�rus que vieram para ficar e podem causar novas pandemias. Mesmo esse, SARS-CoV-2, com novas variantes, pode causar novos aumentos de casos e novas manifesta��es cl�nicas ainda desconhecidas da gente", diz Chebabo.

"Tanto o Influenza quanto os coronav�rus infectam outras esp�cies, e por isso n�o podem ser eliminados como os v�rus que s� infectam humanos, como sarampo ou poliov�rus. Eles est�o espalhados na natureza, e s� essa quest�o j� os torna importantes, mas, al�m disso, s�o v�rus respirat�rios, o que faz com que tenham a transmiss�o facilitada, sem precisar de um vetor. N�o � necess�rio nem um contato �ntimo, apenas contato pr�ximo".

O epidemiologista Pedro Hallal lembra que a hist�ria da sa�de p�blica registra que eventos com a dimens�o da pandemia de covid-19 s�o raros e acontecem apenas uma vez por gera��o. Mas surtos epid�micos menores podem ser mais frequentes.

"Acho que a gente vai ter surtos epid�micos, talvez mais frequentes do que a gente tinha normalmente, e talvez causados pelos pr�prios coronav�rus."

Apesar do otimismo, ele v� que as a��es humanas que causam o desequil�brio de ecossistemas e as mudan�as clim�ticas contribuem para que a humanidade corra mais riscos de viver novas emerg�ncias globais de sa�de p�blica. V�rus zoon�ticos como o coronav�rus, que podem saltar para seres humanos, ganham mais oportunidades quando esses animais s�o deslocados de seus habitats naturais.

"Se a gente continuar errando tanto na pauta ambiental, talvez a gente aumente o risco de ter uma nova pandemia na nossa gera��o. Mas, em geral, acho que a probabilidade n�o � muito alta."

Marilda Siqueira tamb�m v� as mudan�as clim�ticas como parte dos problemas que potencializam as amea�as de novas pandemias. Mas ela acrescenta que toda a intera��o homem-ambiente precisa ser inclu�da nessa discuss�o.

“H� tamb�m a nossa intera��o com as outras esp�cies por meio do desmatamento, e daquilo que preparamos para comer e sobreviver, e a forma como preparamos”, afirma ela, que defende o incentivo a mais pesquisas de vigil�ncia com uma perspectiva de sa�de �nica, que leve em considera��o tamb�m a sa�de animal.

“Na natureza, temos reservat�rios animais que t�m v�rus circulando de forma cont�nua, inclusive coronav�rus. E tamb�m o v�rus Influenza, presente em v�rias esp�cies de aves migrat�rias, que cruzam continentes, e alguns mam�feros. Se a gente n�o tiver, dentro de um conceito de sa�de �nica, investimento nessa intera��o animal-humano, n�s vamos ter mais problemas."

A virologista acredita que os avan�os nos diversos campos da ci�ncia envolvidos no combate � pandemia, assim como a forma��o de redes internacionais de pesquisadores, fortalecem a capacidade de a humanidade responder �s pr�ximas emerg�ncias sanit�rias. Para isso, por�m, tamb�m � preciso que governos e sociedades discutam o que funcionou e o que deu errado ao longo da crise da covid-19, para que as li��es sejam aprendidas.

“N�s sabemos que vamos ter novas pandemias. A gente n�o sabe se ser� amanh�, daqui a dez anos ou daqui a 100 anos. As li��es aprendidas s�o muito importantes para a prepara��o para novas pandemias ou epidemias, como a de dengue com que vivemos h� d�cadas, ou a de chikungunya, que est� em pa�ses vizinhos ao Brasil e pode voltar”.