Amanda Gon�alves * - Correio Braziliense
LEITURA NA INF�NCIA
"Quando uma m�e ou um pai pega um livro e acomoda o filho em seu colo ou ao seu lado, coisas m�gicas podem acontecer nesse pequeno instante. Ler � um dos maiores presentes que podemos dar a eles", diz Renata Guimar�es, m�e de Isabela, 4 anos, e Rafael, 1. Um estudo publicado, ontem, na revista Psychological Medicine tenta destrinchar essa magia relatada pela advogada de 36 anos. Pesquisadores do Reino Unido e da China constataram que crian�as que t�m contato com a leitura por prazer no in�cio da inf�ncia tendem a ter desempenho superior em testes cognitivos e melhor sa�de mental quando entram na adolesc�ncia.
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Leia mais: Adolescentes demoram mais para transar e fazem menos sexo nos EUA, aponta estudo "Essa d�vida pareceu especialmente oportuna diante dos bloqueios pand�micos em raz�o da covid-19, quando, em muitos pa�ses, creches e escolas prim�rias foram fechadas, e pelo fato de a leitura por prazer ser uma interven��o de custo relativamente baixo", afirma a tamb�m professora do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge.
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Para o trabalho, a equipe analisou uma ampla gama de dados do C�rebro e Desenvolvimento Cognitivo do Adolescente (ABCD), um programa de pesquisa estadunidense com dados de 10.243 adolescentes. Quase metade dos jovens, 48%, teve pouca experi�ncia de leitura por prazer na primeira inf�ncia ou s� come�ou a faz�-lo mais tarde. O restante do grupo manteve o h�bito entre tr�s e 10 anos.
Foram analisados entrevistas cl�nicas, testes cognitivos, avalia��es mentais e comportamentais e varreduras cerebrais, na tentativa de comparar aqueles que come�aram a ler por prazer em uma idade relativamente precoce (entre 2 e 9 anos) com os que come�aram mais tarde ou n�o fizeram. Fatores que poderiam influenciar nos resultados, como o status socioecon�mico, tamb�m foram considerados.
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Sahakian explica o que pode ter levado ao melhor desempenho cognitivo entre os jovens que adquiriram o h�bito na primeira inf�ncia. "Durante a leitura, a crian�a est� ouvindo e assumindo a fala e, ao conversar sobre as imagens ou a hist�ria, o pensamento criativo e a imagina��o podem ser estimulados. Tudo isso traz benef�cios para futuras habilidades cognitivas mais complexas e tamb�m para habilidades sociais", afirma.
Thiago Blanco, psiquiatra da inf�ncia e adolesc�ncia e doutor em psiquiatria e psicologia m�dica pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), lembra que essa experi�ncia exercita a mem�ria e forma novas conex�es neuronais. "A leitura � uma fun��o que exige o desenvolvimento de uma s�rie de fun��es ps�quicas e fun��es cerebrais.
Para faz�-la, � preciso que v�rias dessas fun��es estejam funcionando ao mesmo tempo, o que faz com que as �reas associativas do c�rebro acabem se desenvolvendo", explica.
Raphael Moura Cardoso, professor do Departamento de Processos Psicol�gicos B�sicos da Universidade de Bras�lia (UnB), enfatiza que o envolvimento da crian�a com os elementos da leitura tamb�m influencia aspectos intelectuais e emocionais.
"A crian�a deve estar focada naquela atividade e n�o em outra, ter em mente a trama, as personagens e os acontecimentos que orientam as a��es e di�logos, avaliar as expectativas e o desfecho da trama, o sentido da hist�ria. V�rias dessas habilidades constituem aquilo que denominamos de intelig�ncia, embora aspectos emocionais tamb�m possam ser trabalhados", ressalta.
Ainda de acordo com o psic�logo, o h�bito de leitura por prazer na inf�ncia depende de v�rios fatores, desde a presen�a desse h�bito entre pais at� a disponibilidade de livros. Cardoso refor�a a necessidade da participa��o familiar neste est�mulo. "� recomend�vel que os pais participem desse momento, seja realizando leitura conjunta, seja conversando sobre a leitura de sua crian�a", indica.
Em voz alta
Essa sempre foi uma preocupa��o para Renata Guimar�es. A advogada conta que, com o nascimento da filha mais velha, ela come�ou a estudar sobre leitura em voz alta e procurar pesquisas cient�ficas que comprovassem a efic�cia da pr�tica para crian�as. "Comecei a ler por cerca de cinco a 10 minutos por dia para a minha primog�nita quando ela tinha cerca de 4 meses. Ent�o, quando o meu ca�ula nasceu, ele j� estava habituado com a leitura, pois j� me ouvia desde a barriga", relata.
A Isabela come�a a reconhecer as letras, orgulha-se a m�e, e os avan�os n�o param por a�. Renata conta que � poss�vel perceber, no dia a dia, como a pr�tica de leitura amplia o desenvolvimento dos filhos, que est�o cada vez mais criativos e curiosos.
"O est�mulo aqui em casa come�ou cedo, e a cada dia colho os benef�cios. Sabendo escolher livros adequados a cada faixa et�ria, os benef�cios s�o in�meros", garante. "Meu sonho � que todos os pais saibam a import�ncia e os benef�cios a curto e a longo prazo quando o h�bito da leitura em voz alta vira uma pr�tica rotineira em casas. Ler para os nossos filhos � um ato de amor".
Depress�o
A pesquisa publicada na Psychological Medicine tamb�m demonstra que crian�as que leem por prazer na inf�ncia tendem a ter uma melhor sa�de mental durante a adolesc�ncia. Os cientistas observaram melhor bem-estar mental, menos sinais de estresse e depress�o, melhor aten��o e menos problemas comportamentais, como agressividade e quebra de regras, nos jovens com esse perfil.
Segundo Isabel Santos, psic�loga infantil e mestre em ci�ncias do comportamento pela Universidade de Bras�lia (UnB), manter o h�bito na adolesc�ncia pode gerar benef�cios para a vida adulta, como o favorecimento de intera��es sociais mais saud�veis e a redu��o dos riscos de desenvolvimento de transtornos emocionais.
"A leitura se faz um rico instrumento na medida em que amplia a compreens�o emp�tica, auxilia no processo de autoconhecimento, estimula fun��es cognitivas de aten��o, racioc�nio e compreens�o verbal e fortalece habilidades criativas. Esses s�o aspectos importantes para o desenvolvimento do adolescente", detalha.
Menos tempo nas telas
Outro benef�cio relacionado ao h�bito da leitura na primeira inf�ncia � a tend�ncia de, na adolesc�ncia, passar menos tempo na tela de dispositivos eletr�nicos — como celulares ou tablets. Jovens que tiveram essa experi�ncia tamb�m tendem a ter um per�odo de sono maior, mostra o estudo divulgado na revista Psychological Medicine.
"Como estudamos a leitura por prazer na primeira inf�ncia, ela pode ser estabelecida antes que as crian�as comecem a usar computadores e telefones celulares. Como inicialmente essas crian�as estar�o aprendendo a ler, h� o gozo social de uma atividade conjunta, bem como os benef�cios derivados da leitura por prazer. Uma vez estabelecida, � uma atividade agrad�vel que, provavelmente, continuar� ao longo da vida", afirma Barbara Sahakian, uma das respons�veis pela pesquisa.
Segundo a psic�loga infantil Isabel Santos, a tecnologia n�o necessariamente precisa ser um inimigo das crian�as. O cuidado, segundo ela, est� em priorizar um uso moderado. "Nos dias atuais, proibir o total acesso aos eletr�nicos n�o � a solu��o. Por�m, o uso da tecnologia deve ser feito com modera��o e supervis�o. Nessa din�mica, o h�bito da leitura pode ser inserido como alternativa ao uso de telas", sugere.
Raphael Moura Cardoso, professor do Departamento de Processos Psicol�gicos B�sicos da Universidade de Bras�lia (UnB), refor�a que o uso de smartphones, tablets e computadores antes de dormir afeta negativamente a qualidade do sono, e que esse tempo de tela pode ser substitu�do pelo h�bito de leitura. "O sono � fundamental para uma vida saud�vel porque, al�m de descansar o corpo, ajuda na forma��o e no refinamento das conex�es das c�lulas no c�rebro, assim como na consolida��o da mem�ria e aprendizagem."
Limite
A pesquisa tamb�m indica que h� limites para a leitura: ultrapassar as 12 horas semanais parece n�o resultar em benef�cios adicionais. Na verdade, houve uma diminui��o gradual na cogni��o, o que, segundo os cientistas, sugere que os jovens podem estar dedicando menos tempo a outras atividades que tamb�m podem enriquecer cognitivamente, incluindo esportes e atividades sociais.
"� fundamental que crian�as tamb�m brinquem com outras crian�as, que elas brinquem com seus pais. A leitura acima de 12 horas por semana poderia implicar em uma crian�a que fica mais sedent�ria, e, portanto, que n�o est� dedicada a outras atividades, o que pode causar preju�zos para o seu desenvolvimento", afirma Thiago Blanco, psiquiatra da inf�ncia e adolesc�ncia.
Palavra de especialista: � preciso ter exemplos
"� medida que uma crian�a consegue acessar esses recursos, ela vai ter a oportunidade de amplificar a leitura como uma escolha. Outro ponto fundamental � a incorpora��o do h�bito de leitura pela fam�lia. A crian�a reproduz muito o comportamento dos pais ou da figura de refer�ncia que ela convive. Ent�o, se os pais usam o seu momento de lazer para se dedicar � leitura, de forma muito autom�tica a crian�a poder� reproduzir esse comportamento. As crian�as tendem a apresentar um tipo de aprendizado de modela��o. Outro ponto � o refor�o positivo. A medida que a crian�a l�, ela recebe incentivo em raz�o desse comportamento e tende a fazer cada vez mais. Quanto mais elogiada, quanto se celebra isso, mais se demonstra admira��o por esse comportamento, maior � a chance de que a crian�a gaste mais tempo com essa atividade tamb�m."Thiago Blanco, psiquiatra da inf�ncia e adolesc�ncia e doutor em psiquiatria e psicologia m�dica pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp)
*Estagi�ria sob a supervis�o de Carmen Souza
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