ILUSTRAÇÃO CÉREBRO

As conex�es identificadas est�o em �reas mais profundas do c�rebro, como o cerebelo

AFP

A epilepsia � comumente causada por les�es cerebrais, como as geradas por um acidente vascular cerebral (AVC). Todavia, ainda n�o � claro para a comunidade cient�fica o motivo de alguns danos desencadearem a doen�a e outros, n�o. Pesquisadores do Brigham and Women's Hospital, nos Estados Unidos, identificaram um mecanismo que pode responder a essa quest�o. Segundo o grupo, o causador da doen�a neurol�gica pode n�o ser a localiza��o da les�o, mas as interrup��es nas conex�es neurais geradas por ela.

O trabalho, publicado na edi��o desta segunda-feira (02/07), da revista Jama Neurology, pode abrir caminho para uma nova forma de diagnosticar essa complica��o neurol�gica e melhorar as formas de interven��o, avalia a equipe. "Usando um diagrama de conex�es do c�rebro humano, o mapeamento de rede de les�es nos permite ir al�m da localiza��o individual da les�o e mapear o circuito cerebral conectado a ela", afirma, em nota, Frederic Schaper, autor principal do trabalho.

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Para o ensaio, foram avaliadas informa��es de mais de 1.500 pacientes com les�es no c�rebro e atendidos em hospitais dos Estados Unidos e da Europa. Tamb�m foram inclu�dos dados de veteranos de combate do Vietnam Head Injury Study, pesquisa realizada na d�cada de 1960. Isso porque danos cerebrais resultantes de ferimentos por estilha�os de combate resultam em um aumento significativo na ocorr�ncia de epilepsia. A equipe estudou diversos tipos de les�es, como AVC, traumatismo e tumores, o que permitiu procurar conex�es associadas � epilepsia em diferentes regi�es e tipos de danos cerebrais.

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Conforme Jordan Grafman, cientista do Shirley Ryan AbilityLab e integrante da equipe, os resultados mostraram que cerca de 50% dos veteranos sofreram pelo menos uma convuls�o ap�s les�o — �s vezes, muitos anos ap�s o ocorrido. "No entanto, permaneceu incerto por que les�es em algumas localiza��es causam epilepsia e outras, n�o", relata, em nota.

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Em uma segunda etapa, usando a amostra geral, os estudiosos compararam as localiza��es das les�es cerebrais em pacientes e pessoas sem a doen�a. Descobriram que os danos associados � enfermidade estavam distribu�dos por todo o c�rebro e que as localiza��es de les�es estavam conectadas a uma rede cerebral comum, o que sugere que as as conex�es interrompidas pelas les�es, e n�o a localiza��o delas, podem ser a chave do problema.

Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa L�cia, em Bras�lia, considera que esse e outros estudos de conectividade cerebral s�o de grande import�ncia para a compreens�o da epilepsia. "Ela � uma condi��o caracterizada por uma atividade el�trica anormal e sincronizada no c�rebro, e a conectividade cerebral desempenha um papel crucial nesse processo", justifica. "A conectividade refere-se �s conex�es funcionais e estruturais entre diferentes regi�es cerebrais, e sua an�lise pode fornecer insights valiosos sobre os mecanismos subjacentes � epilepsia."

Os autores consideram que os achados poder�o ajudar na previs�o do risco de epilepsia ap�s danos cerebrais. "Se pudermos mapear uma les�o na rede cerebral que identificamos, talvez possamos estimar qu�o prov�vel algu�m desenvolva epilepsia ap�s um AVC", ilustra Schaper. "Isso ainda n�o � uma ferramenta cl�nica, mas estamos estabelecendo as bases para estudos futuros que investigar�o o uso de redes cerebrais humanas para prever o risco de epilepsia."

Estimula��o profunda

Segundo o artigo, as conex�es cerebrais identificadas n�o estavam na superf�cie do c�rebro, mas localizadas profundamente em regi�es chamadas g�nglios da base e cerebelo. Em estudos com animais, essas estruturas t�m mostrado modular e controlar crises de epil�pticas, sendo hipotetizadas como uma esp�cie de freio cerebral. A equipe americana conduziu um teste para avaliar como isso se desdobraria em humanos.

Para isso, avaliaram informa��es de 30 pacientes com epilepsia resistente a medicamentos submetidos � estimula��o cerebral profunda (DBS, em ingl�s) no tratamento de convuls�es. Eles descobriram que o resultado era muito melhor quando o local estimulado estava conectado � rede cerebral identificada por meio das les�es."Ao programar um eletrodo de DBS para melhorar as convuls�es, � dif�cil saber qual local estimular. Isso pode levar meses at� que as convuls�es do paciente melhorem", explica, em nota, Michael Fox, coautor do estudo e professor- associado de neurologia na Harvard Medical School.

Na avalia��o de Lobo, ensaios como esse podem ser �teis em outros �mbitos. "O estudo das les�es epileptog�nicas tamb�m pode fornecer informa��es progn�sticas importantes. Alguns tipos de les�es cerebrais, como malforma��es cong�nitas, tumores ou les�es focais, podem ter melhores progn�sticos em rela��o � resposta ao tratamento e � taxa de remiss�o das crises epil�pticas", indica o neurologista. "O conhecimento sobre a natureza e a localiza��o da les�o pode ajudar a prever o curso da epilepsia e orientar as expectativas de tratamento para os pacientes e suas fam�lias."

A equipe espera que, com pr�ximos estudos, seja poss�vel utilizar o diagrama de conex�es dos pacientes e test�-lo como ferramenta cl�nica para diagn�stico. "Agora que sabemos mais sobre quais circuitos cerebrais podem desempenhar um papel tanto na causa quanto no controle da epilepsia, isso abre oportunidades promissoras para orientar nossas terapias. S�o necess�rios futuros ensaios cl�nicos para determinar se esse circuito pode guiar efetivamente o tratamento por estimula��o cerebral para epilepsia e beneficiar os pacientes", afirma Schaper.

Palavra de especialista: Ajuda tamb�m no progn�stico

"Estudar as les�es cerebrais ajuda na quest�o do diagn�stico e tamb�m no que chamamos de progn�stico — nesse caso, a capacidade de prevermos as chances de melhora da epilepsia. � poss�vel tamb�m entender se vai ser uma epilepsia de f�cil ou de dif�cil controle. Estudos assim auxiliam no �mbito da terap�utica porque, em alguns casos, a doen�a � desencadeada por les�es cerebrais, e existe a possibilidade de realiza��o de cirurgia. Com o avan�o da tecnologia e da ci�ncia, conseguimos estudar e mapear as les�es cerebrais de uma forma mais aprofundada. � poss�vel tra�ar algumas rotas, algumas conex�es cerebrais que s�o chamadas de conectomas. Essas s�o redes neurais que est�o em conex�o e relacionadas a algumas doen�as neurol�gicas, principalmente a epilepsia."

Lucas Cruz, neurologista do Hospital Anchieta