José Alberto Duarte e Jéssica Martins

Jos� Alberto Duarte e J�ssica Martins destacam que a cer�mica permite que o artes�o represente o imagin�rio brasileiro em suas obras

Arquivo pessoal

Jessica Martins tem 35 anos e � formada em artes pl�sticas (licenciatura) na Escola Guignard, em BH. Jos� Alberto Bahia Duarte tem 40 anos e � graduado em belas artes com habilita��o em pintura pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os dois se conheceram em 2012 e hoje s�o um casal. � �poca, Jessica j� trabalhava com cer�mica e transmitiu o conhecimento para o ent�o namorado. E deu frutos. Desde 2014, eles t�m a marca Saracura Tr�s Potes, que traduz a cer�mica por um vi�s muito especial.

Saracura tr�s potes, o rel�gio sertanejo, como � chamada, � uma ave encontrada em regi�es brejeiras, mangues, lagoas, onde h� a argila que se transforma em cer�mica. "Escolhemos essa ave do Sert�o brasileiro para representar nossas cer�micas, onde duetos de mem�rias soam, em nossos quintais, como m�sicas que nos conectam a essas terras", dizem. Entre 77 pe�as no cat�logo, a base s�o as representa��es das mem�rias brasileiras sobre coisas encontradas na natureza ou objetos do dia a dia.

Entre as s�ries produzidas, em Cascas do Brasil est�o refer�ncias a cascas brasileiras, como caba�a, cuit�, sapucaia. Em Rios, representa��es de cabe�as de peixe, ostras de �gua doce e pedra de rio. E em Quintais, formas do chifre esquerdo do boi ou a casca de tatu e, em M�o e Tempero, o copo lagoinha, t�o tradicional na bo�mia de BH, e a lata de sardinha. "De mem�rias tamb�m s�o feitas as nossas cer�micas. Cascas brasileiras que s�o objetos utilit�rios nas casas dos sertanejos, na vida ind�gena, as latas de sardinha que j� foram f�rmas de bolos na inf�ncia, os copos lagoinha - copo americano - t�o cheios de vida bo�mia, e tantos outros objetos da conforma��o da nossa identidade", apontam.



Jessica e Jos� Alberto t�m um ateli� em Piedade do Paraopeba, em Brumadinho, e tamb�m d�o aulas de cer�mica. Para eles, um dos aspectos de que trata a cer�mica � trazer � tona o que est� no imagin�rio brasileiro. E ainda � uma forma de express�o. "Nossos alunos n�o necessariamente querem se tornar ceramistas. Nos procuram para ter algo para fazer parte, o que importa particularmente quando tratamos do fazer manual, hoje t�o escasso." Eles contam que, por experi�ncia pr�pria, a cer�mica pode ser uma forma de terapia, de encontrar equil�brio, bem-estar e conhecimento. "Recebemos pessoas com quadros de depress�o, com problemas na fam�lia, que buscam na cer�mica uma cura. Mas n�o vai acontecer se n�o estiverem abertas para isso", afirmam.

ESPERAN�A 

Cecília Maria colhendo porções de argila para fazer sua arte

Em Dores do Indai� (MG), Cec�lia Maria colhe pequenas por��es de argila para fazer sua arte

Arquivo Pessoal
No charmoso peda�o de cerrado em Dores do Indai�, no interior mineiro, a fazenda Cerrad�o � onde Cec�lia Maria colhe pequenas por��es de argila e de esperan�a. � explorando o barro marrom de colora��o inusitada, o barro pr�prio, encontrado especificamente na propriedade do pai, que a bibliotec�ria por forma��o faz da cer�mica uma forma de reabrir as p�ginas sobre viagens, desenhos, pessoas, pesquisas, ferramentas e outras escritas por vir. Cec�lia come�ou a ter aulas com Erli Fantini em 1995, e agora a marca que criou se dedica ao estudo do manejo dessa 'terra' que familiarmente lhe pertence. Na produ��o, colares de bola em tons de laranja, marfim e marrom, porta ovos, cumbucas, jogos de brincar.

A hist�ria entre Cec�lia e a cer�mica come�ou quando ela tinha 24 anos e foi morar em Londres. Foi com o intuito de produzir utilit�rios para ter em sua casa, at� ent�o "vazia", que procurou um curso de cer�mica em uma escola local, chamada Escola Popular, que oferece cursos em diversas �reas, de computa��o a arte e literatura. Ficou na capital londrina por tr�s anos. De volta a Belo Horizonte, procurou o ateli� de Erli Fantini, onde come�ou a aprender azulejaria. Pretendia se dedicar a esse of�cio, quando engravidou, e precisou voltar a trabalhar como bibliotec�ria a fim de manter a fam�lia.

Dali para c�, um hiato na experi�ncia com a cer�mica. Um universo a que Cec�lia retorna agora, na maturidade. Retomou a produ��o aos 52 anos, ela que agora tem 55. "Guardei todo o material e as ferramentas que comprei em Londres para fazer cer�mica. Rever esse material foi algo particular", lembra. Cec�lia cita a fala de uma poetisa de Dores do Indai�, Dona Branca, que uma vez lhe disse que a "velhice a pegou super ocupada" - e conta que achou a frase genial. "Quero envelhecer ocupada, fazendo muita coisa. A cer�mica agora � uma atividade completamente diferente, que ocupa, foca. � instigante e exigente. N�o � algo t�o simples. Descobri com a cer�mica uma mina de ouro para seguir pelo resto da minha vida. Um bom trabalho para envelhecer com ele", diz.  

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O engenheiro metal�rgico aposentado Fl�vio Azevedo, de 69 anos, conheceu a cer�mica h� 20 anos por interm�dio da filha, o que se tornou um hobbie para ele que sempre gostou de mexer com as m�os. A princ�pio, foram dois anos de produ��o junto ao professor Bruno Amarante e, depois disso, acabou deixando a cer�mica de lado pelos 15 anos seguintes. 

H� quatro anos, ele est� de volta �s aulas de cer�mica com a professora Laila Kierulff, do Origem Ateli�. Para Fl�vio, a cer�mica � uma “grande paix�o”, em suas palavras. Algumas caracter�sticas desse fazer, como as quest�es de temperatura, as formula��es das tintas, o calor e os processos de fus�o t�m a ver com sua forma��o na metalurgia.

CONCENTRA��O 

Por outro lado, Fl�vio fala da paz, da calma, do tanto que a cer�mica se aproxima mesmo de momentos de medita��o. Ao movimentar a pe�a, a concentra��o � total. "S�o movimentos harm�nicos, tranquilos, delicados, gentis e coordenados. Para que o trabalho seja bem feito, em primeiro lugar voc� tem que dar adeus � pressa. Ao fazer a cer�mica, entra-se em um estado de concentra��o, desligamento e relaxamento interior que faz muito bem. � hora de sair da confus�o do dia a dia", diz.

Fl�vio diz ainda que a cer�mica � um desafio. Algumas vezes, o resultado � o que se imaginava, mas tamb�m h� que se apreciar o que n�o se conseguiu fazer. Depois de acabada a pe�a, os resultados podem ser pr�ximos do que se queria, por�m, nunca iguais.

Cada pe�a � individual, e assim se comporta. E isso � o que difere o trabalho manual da cer�mica industrializada, refor�a Fl�vio. “� um retorno que tem muito a ver com as emo��es. Pode ser um efeito que decepciona, ou ser muito mais gratificante em se perceber melhor do que era idealizado. "A pe�a te devolve tudo gratuitamente. Tem dias em que eu mando na argila e tem dias em que a argila manda em mim. E isso � muito rico", relata.