A autismo � um transtorno de neurodesenvolvimento e tem tr�s n�veis, que v�o sendo classificados de acordo com a maior ou menor necessidade de suporte
Uma das principais caracter�sticas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) � a dificuldade em processar muitos est�mulos, por causa da sensibilidade sensorial. Sejam por ru�dos, luzes ou cheiros, autistas podem se sentir sobrecarregados e, consequentemente, entrarem em uma esp�cie de colapso emocional e psicol�gico. Ambientes barulhentos, dias movimentados ou quebra de rotina podem gerar respostas de "desligamento" ou "explos�o" em pessoas diagnosticadas com TEA. Essas crises s�o nomeadas como shutdown e meltdown.
Nesses momentos, o recurso terap�utico utilizado por Ania � o Boris, um c�o de assist�ncia. "Ele � treinado para fazer terapias de press�o que acalmam o sistema nervoso central, al�m de trazer medica��o, impedir que eu me machuque e pode at� chamar ajuda", relata. "Lembro de antes do Boris chegar, eu amanhecer grudada na porta do quarto dos meus pais chorando por ter crise, n�o saber me expressar, e ao mesmo tempo n�o querer atrapalhar o sono deles", acrescenta a estudante.
'Sobrecarga discreta'
Diagnosticada aos 27 anos, a psic�loga Kmylla Borges afirma que durante um shutddown , costuma ficar com o corpo paralisado, com o "olhar vazio" e sentindo muito cansa�o. Nessas crises, as emo��es s�o internalizantes — fato que contribui para que o sofrimento passe despercebido ou at� mesmo desacreditado pelos outros. "Nesses momentos, geralmente eu preciso dormir, sinto um cansa�o extremo e muito sono. Ou apenas ficar em um ambiente silencioso, sem barulho e pouca luz. As pessoas podem auxiliar dando previsibilidade, e observando alguns sinais que podem servir alerta, como ansiedade ou desconforto", pontua.
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O psic�logo Lucas Pontes, tamb�m diagnosticado autista , lembra que cada pessoa vivencia a crise por meio de sintomas diversos. No entanto, a sensa��o de fraqueza � comumente relatada pelos indiv�duos com TEA. "Passo a ter dificuldade em me movimentar e tudo fica mais intenso, de forma negativa. Durante e pouco ap�s a crise, eu, geralmente, n�o consigo me comunicar atrav�s da fala e levo um bom tempo para me recuperar", diz.
Lucas foi diagnosticado em 2018, aos 20 anos. Segundo ele, ap�s o diagn�stico as crises foram ficando mais raras. "Entendendo melhor o meu funcionamento, respeito meus limites. Apesar dos sinais claros na minha inf�ncia, das comuns implica��es do autismo na minha adolesc�ncia e da busca constante por uma resposta para as minhas dificuldades e peculiaridades, os profissionais costumavam descartar o diagn�stico com base em preconceitos e mitos, como pelo fato de eu falar bem, ser 'inteligente', e coisas do tipo.
Depois de encontrar profissionais da neurologia e psiquiatria, atualizados e especializados na �rea, e realizar o processo de avalia��o, eu recebi o diagn�stico de depress�o, ansiedade e, posteriormente, a maior resposta, para tudo que eu me questionei durante toda vida, o autismo", lembra Lucas.
'Crise explosiva'
Diferentemente do shutdown, o meltdown � caracterizado pelas emo��es intensas e externalizantes. Para Ania Martins, meltdown � como uma press�o forte na cabe�a. "Ocorre com quebra de rotina ou sobrecarga sensorial, tenho muita rigidez cognitiva e se as coisas s�o diferentes do que eu espero, meu c�rebro n�o aguenta e explode em crise", descreve a estudante de neuropsicologia.
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Durante essas crises, os autistas podem chorar, gritar, al�m de ter movimentos bruscos e involunt�rios. "Em mim, essas deixaram de ser frequentes a partir da minha inf�ncia. Na �poca, quest�es envolvendo minha rigidez cognitiva, imprevisibilidade, dificuldades em expressar o que eu estava sentindo e impactos emocionais, eram os principais motivos. Me ajudava estar perto de algu�m em quem eu confiava, assim como me afastar das outras pessoas e est�mulos. Em alguns casos, era necess�rio que algu�m me segurasse para que eu n�o me machucasse", destaca Lucas.
Como ajudar autistas em crise?
Os psic�logos Lucas Pontes e Kmylla Borges elencam algumas dicas de como ajudar autistas em momentos de crise. Demonstrar apoio, ser compreensivo e dar espa�o s�o algumas das principais maneiras de agir durante um shutdown ou meltdown. Veja outras recomenda��es:
- Leve a pessoa autista para um lugar tranquilo;
- Entenda que algumas pessoas preferem ficar sozinhas e outras gostam da companhia e at� do contato f�sico;
- Observe sinais que podem servir de alerta, como ansiedade ou desconforto;
- Verifique se h� a possibilidade de a pessoa se machucar e retire objetos de perto para minimizar os riscos de acidentes;
- Pergunte para a pessoa como gostaria de ser acolhida e o que pode ser feito para ajud�-a;
- Fique atento a quantidade de perguntas, pois em situa��es estressantes, a pessoa pode n�o estar em condi��es de responder com clareza e isso pode deix�-la mais ansiosa;
- No lugar das muitas perguntas, d� previsibilidade e orienta��es claras para a pessoa poder se regular emocionalmente.
O que � autismo?
Segundo o DSM-5 (Manual Diagn�stico e Estat�stico de Transtornos Mentais), o autismo � um transtorno de neurodesenvolvimento e possui tr�s n�veis, que v�o sendo classificados de acordo com a maior ou menor necessidade de suporte. As causas do TEA ainda n�o s�o totalmente conhecidas, mas a explica��o mais aceita � a intera��o de fatores gen�ticos e ambientais.
Segundo dados do Centro de Controle de Preven��o e Doen�as (CDC, na sigla em ingl�s), uma em cada 36 crian�as de 8 anos s�o autistas nos Estados Unidos. No Brasil, ainda n�o h� dados consolidados sobre o transtorno, mas se as propor��es deste levantamento norte-americano forem aplicadas � popula��o brasileira, h� cerca de 6 milh�es de autistas no pa�s.
Leia: Autismo: quais s�o os sinais do TEA e a import�ncia do diagn�stico precoce.
O transtorno do espectro autista (TEA) n�o � uma doen�a — e tamb�m n�o tem cura. Portanto, o conceito da neurodiversidade, criado pela soci�loga australiana Judy Singer, e que se refere �s varia��es naturais do c�rebro de cada indiv�duo, � defendido pela comunidade autista, pois traz uma perspectiva mais inclusiva sobre o transtorno. Nesse sentido, os autistas s�o chamados de neurodivergentes e os n�o-autistas de neurot�picos (denomina��es utilizadas para n�o propagar a no��o de “normalidade” e “anormalidade”, pois s�o excludentes).
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