O que � puberdade precoce? Condi��o afeta crian�as antes dos 8 anos
Heran�as materna e paterna s�o igualmente relevantes em tipo do dist�rbio gen�tico que leva ao in�cio precoce de mudan�as no corpo de crian�as
O in�cio da puberdade fora do tempo comum, para mais ou para menos, traz consequ�ncias mentais e f�sicas para a crian�a
L�o Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP
� comum os pais se preocuparem com o momento em que seus filhos entrar�o na puberdade, um per�odo que envolve mudan�as importantes nas caracter�sticas f�sicas e psicol�gicas das crian�as. Preocupa��o maior causa a puberdade precoce, uma condi��o m�dica rara que afeta menos de 0,5% da popula��o. O diagn�stico depende do aparecimento de caracter�sticas sexuais secund�rias, como mamas e pelos axilares e pubianos, al�m de avan�o no desenvolvimento �sseo da crian�a. Quando a puberdade se instala antes dos 8 anos de idade (em meninas) ou dos 9 anos (em meninos), � pr�tica comum a recomenda��o de tratamento de bloqueio hormonal, que pode ser feito pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS).
Um dos enfoques para abordar essa quest�o por meio da pesquisa cient�fica � entender os fatores heredit�rios por tr�s desse problema, e � o que vem fazendo o grupo da endocrinologista Ana Claudia Latronico, do Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (FM-USP).
H� dois tipos de puberdade precoce: central ou perif�rica. A puberdade precoce central (PPC) se diferencia da perif�rica (PPP) por sua origem no sistema nervoso central do organismo e � a causa mais comum de puberdade precoce. Ela faz com que o eixo entre o hipot�lamo (que coordena a maior parte das fun��es end�crinas), a hip�fise e as g�nadas seja acionado antes do tempo, despertando a a��o dos horm�nios sexuais, enquanto na PPP o aumento dos mesmos horm�nios independe do hipot�lamo.
A comunidade cient�fica buscava as causas da PPC, como tumores e les�es no sistema nervoso central, al�m de s�ndromes mais complexas j� identificadas. A ideia de causas gen�ticas era em grande parte deixada de lado, at� que, em 2013, o grupo liderado por Latronico encontrou defeitos em um gene frequentemente associado � condi��o, o MKRN3, situado no cromossomo 15. Agora, o grupo verificou que � t�o comum herdar a puberdade precoce central da m�e quanto do pai, conforme indica artigo publicado em janeiro na revista Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism.
Os casos de puberdade precoce nas fam�lias que Latronico avaliou pulavam gera��es: a condi��o n�o aparecia em filhos e filhas de mulheres portadoras, mas voltava a surgir na gera��o seguinte. “A falta de um padr�o claro de transmiss�o nas fam�lias dificultou o entendimento da puberdade precoce central”, comenta ela sobre a descoberta da influ�ncia do MKRN3. Seu grupo verificou que esse � um caso de imprinting, que acontece quando a express�o de um gene � silenciada em determinadas circunst�ncias. Isso significa que, mesmo presente no DNA, o gene pode n�o dar origem � caracter�stica sob o seu comando.
Para a PPC causada pelo MKRN3, o que importa � quem transmitiu o gene. Se veio do pai, os descendentes apresentar�o a doen�a. Se a m�e transmitiu, o gene � silenciado por mecanismos qu�micos que alteram a a��o do DNA e a crian�a entra na puberdade em idade normal, depois dos 8 ou 9 anos.
O in�cio da puberdade fora do tempo comum, para mais ou para menos, traz consequ�ncias mentais e f�sicas para a crian�a. Tanto a do tipo central quanto a perif�rica levam a uma preocupa��o m�dica com o crescimento. Isso porque a circula��o antecipada dos horm�nios sexuais provoca um surto inicial e acelerado de desenvolvimento na estatura (o famoso estir�o). Com isso, as extremidades dos ossos longos do corpo se fecham antes da hora e a crian�a logo para de crescer. Sem tratamento, a puberdade precoce resulta em um adulto com baixa estatura. Os casos de PPC s�o cerca de 20 vezes mais comuns em meninas do que em meninos. Al�m do preju�zo na altura, Latronico cita consequ�ncias m�dicas como obesidade, hipertens�o arterial e doen�as cardiovasculares.
Para a psic�loga Marlene In�cio, que atende principalmente crian�as com idades entre 5 e 12 anos com puberdade precoce no ambulat�rio do Hospital das Cl�nicas, as altera��es de comportamento que acompanham o diagn�stico v�m tanto das mudan�as hormonais quanto de aspectos psicossociais. In�cio explica que as crian�as com PPC lidam com a mudan�a de imagem e com a sensa��o de isolamento e vergonha em rela��o �s outras da mesma idade. “As crian�as chegam aqui j� com quadros de estresse, ansiedade e at� depress�o”, conta a psic�loga.
“A falta de um padr�o claro de transmiss�o dificultou o entendimento da puberdade precoce central”
GEN�TICA
O grupo de Latronico se tornou refer�ncia mundial no assunto quando, em 2017, identificou um segundo gene causador da puberdade precoce, o DLK1, localizado no cromossomo 14. Durante um estudo em parceria com universidades dos Estados Unidos e da Espanha, envolvendo crian�as com puberdade precoce que buscaram o ambulat�rio da USP, o DLK1 apareceu como mais um causador da forma familial da PPC.
Bem mais rara que a do MKRN3, a muta��o no DLK1 est� associada a um quadro metab�lico de obesidade na fase adulta e tem transmiss�o exclusivamente paterna. “Isso nos faz perceber que o papel da epigen�tica � essencial no desenvolvimento e nos comandos de in�cio da puberdade”, afirma Latronico, sobre o efeito das condi��es ambientais na ativa��o ou inativa��o de genes, que pode ser transmitido de uma gera��o a outra.
Entre os casos de PPC familial, cerca de 40% das crian�as t�m muta��o no MKRN3, o que � uma participa��o significativa, enquanto cerca de 4% s�o devidos ao DLK1 – falta identificar a origem dos outros 56%. As propor��es s�o semelhantes nos pa�ses e etnias j� estudados. Os achados sugerem que genes paternos e sujeitos a imprinting t�m um papel importante no controle da puberdade. Faltava ainda ao grupo da USP encontrar a participa��o dos genes maternos na condi��o.
O mist�rio dos casos de heran�a materna
Quando a endocrinologista Fl�via Tinano procurou o laborat�rio de Latronico para cursar o doutorado, em 2018, encontrou a l�der de pesquisa intrigada com observa��es de que, al�m das fam�lias afetadas pelo MKRN3 transmitido pela linhagem paterna, havia tamb�m crian�as que herdaram a doen�a diretamente da m�e. Tinano foi encarregada de fazer uma revis�o dos dados e das amostras j� coletadas, totalizando 276 crian�as com puberdade precoce central do tipo familial. Entre os genes apontados como poss�veis candidatos para o padr�o encontrado, as pesquisadoras n�o chegaram a uma defini��o, mas verificaram que herdar a puberdade precoce central da m�e n�o � exce��o.
“Eu via no ambulat�rio casos em que av�, m�e e filha apresentavam os sintomas, ent�o sabia que n�o eram relacionadas ao MKRN3”, conta Latronico. “N�o vou negar, eu tinha grandes expectativas de encontrar a causa gen�tica da heran�a materna da PPC, como aconteceu com o MKRN3 e o DLK1.” Ao mesmo tempo, ela explica que o estudo de Tinano estabeleceu de forma contundente a rela��o parit�ria entre as heran�as paterna e materna e abriu novas possibilidades de investiga��o.
A resposta pode estar nas regi�es regulat�rias do genoma, e n�o em genes espec�ficos em si. “Ou talvez sejam genes mitocondriais, que n�o est�o no DNA do n�cleo”, especula Latronico. “Seja como for, vemos a continuidade desse estudo como um futuro pr�ximo.”
Conhecer as causas gen�ticas pode trazer benef�cios cruciais para a vigil�ncia da condi��o e o in�cio do tratamento o quanto antes. “Explicamos o modo de transmiss�o �s fam�lias que planejam ter filhos, tentando evitar o mais comum, que � as crian�as chegarem ao ambulat�rio quando j� � praticamente certeza de terem preju�zo de estatura por causa do avan�o da idade �ssea”, relata Tinano. O tratamento � baseado em um an�logo do horm�nio sexual produzido pelo hipot�lamo, o GnRH, que na puberdade normal n�o deveria ser produzido.
Marlene In�cio tamb�m relata melhoras nas condi��es psicol�gicas p�s-tratamento nas crian�as que acompanha. Ela as descreve como “menos ansiosas e menos estressadas” e aponta os cuidados at� os 12 anos, quando o f�rmaco deixa de ser administrado, como fundamentais para a qualidade de vida e maior sociabilidade.
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