A observa��o detalhada e precisa por parte de especialistas ajudou a lan�ar as bases para a compreens�o posterior da gen�tica por tr�s dessa doen�a
No interior do Nordeste, h� muito tempo, as pessoas costumavam usar a express�o "nervosinha" para descrever algu�m que apresentava sintomas incomuns, como movimentos descoordenados e mudan�as s�bitas de humor. Sem saber, essa descri��o estava relacionada � doen�a de Huntington (DH), uma condi��o neurodegenerativa rara que afeta pessoas de todo o mundo.
Os primeiros sintomas e o diagn�stico, geralmente, ocorrem na idade adulta, entre 30 e 50 anos, por�m podem acometer crian�as e adolescentes (DH infantil). Gradualmente, a doen�a afeta a autonomia, tornando as atividades di�rias b�sicas, como se alimentar e andar, mais desafiadoras. A pessoa pode sofrer impacto nas atividades rotineiras antes mesmo do surgimento dos movimentos anormais (coreia) devido ao aparecimento de sintomas cognitivos e comportamentais.
A depress�o atinge at� 50% das pessoas com a patologia. A qualidade de vida de fam�lias com DH pode ser gravemente afetada — por se tratar de doen�a gen�tica e heredit�ria, � muito comum existir mais de uma pessoa com a doen�a na fam�lia.
Localizado em Porto Alegre, o Centro de Atendimento Integral e Treinamento em Doen�as Raras (Casa dos Raros) � uma iniciativa in�dita na Am�rica Latina. Trata-se de uma parceria entre o Instituto Gen�tica para Todos e a Casa Hunter, duas organiza��es da sociedade civil, que tem como objetivo estabelecer uma rede interligada de atendimento integral para pessoas com doen�as raras .
Isso envolve diagn�stico r�pido e preciso, tratamentos avan�ados, pesquisas cl�nicas, bem como o treinamento e a capacita��o de profissionais de sa�de para atuar na �rea.
Uma conquista importante foi a cria��o do Dia Nacional da Conscientiza��o da DH, em 27 de setembro, estabelecido pela Lei nº 14.607/23, sancionada pelo presidente Luiz In�cio Lula da Silva em 21 de junho deste ano, com o objetivo de aumentar o conhecimento sobre a doen�a de Huntington.
Causa
De acordo com o neurologista especializado em dist�rbios de movimento Gustavo Franklin, a DH � causada por uma muta��o no gene que codifica a prote�na huntingtina (HTT), o que resulta em uma forma anormal da prote�na e, consequentemente, leva � morte de c�lulas nervosas em �reas espec�ficas do c�rebro e causa o comprometimento em diversas funcionalidades do paciente.
Sintomas
Apatia, irritabilidade, depress�o e impulsividade, decl�nio cognitivo, com queda na capacidade de planejamento, da fala e, com o avan�o da doen�a, levando a um quadro de dem�ncia . “Muitas vezes, � confundida com doen�a de Parkinson, doen�a de Alzheimer, esquizofrenia, v�cios em subst�ncias e outras doen�as psiqui�tricas”, explica Franklin.
Diagn�stico
De acordo com Gustavo Franklin, o diagn�stico � baseado em sintomas e sinais cl�nicos, bem como hist�rico familiar comprovado, al�m da confirma��o por teste gen�tico. O diagn�stico antes da manifesta��o dos sintomas � desaconselhado e s� deve ser realizado, com acompanhamento especializado, em indiv�duos adultos saud�veis em risco que queiram saber se s�o portadores ou n�o da muta��o.
“N�o � recomendado em casos suspeitos de DH realizar testes antes do aparecimento dos primeiros sintomas, uma vez que, at� o momento, n�o h� medicamentos que alterem o curso natural da doen�a. Devido ao impacto emocional, s� � aconselh�vel � pessoa orienta��o familiar e acompanhamento psicol�gico, caso seja de expressa vontade do indiv�duo maior de idade”, afirma o especialista.
Tratamento
Franklin explica que ainda n�o h� cura para a doen�a de Huntington. Por�m, existem tratamentos farmacol�gicos e multidisciplinares que ajudam a controlar os sintomas e melhoram a qualidade de vida. “Al�m do tratamento medicamentoso para auxiliar nos sintomas motores e comportamentais, � fundamental que a pessoa com DH tenha acompanhamento multidisciplinar, com fisioterapeuta, nutricionista, fonoaudi�logo e psic�logo”, afirma.
Impactos para o cuidador
Cuidar de um paciente com DH � uma responsabilidade desafiadora e desgastante. Os que assumem esse papel enfrentam desafios emocionais, mentais e f�sicos, e precisam contar com apoio, assist�ncia e informa��es.
Para se tornar um cuidador com fortaleza tanto f�sica quanto mental, � fundamental manter atividades de lazer, pr�tica de atividades f�sicas e contato social, al�m de compartilhar suas pr�prias emo��es. Al�m disso, por se tratar de uma doen�a gen�tica e heredit�ria, este cuidador pode ser tanto impactado por mais familiares com DH, quanto tamb�m ele(a) mesmo(a) estar em risco de desenvolver a doen�a.
Preval�ncia
A preval�ncia estimada da doen�a de Huntington � de 1/10.000, principalmente em pessoas caucasianas de origem europeia. No Brasil, n�o h� dados oficiais, entretanto, de acordo com levantamento da Associa��o Brasil Huntington (ABH), o n�mero de pessoas portadoras do gene da doen�a � de 13 mil a 19 mil, sendo mais recorrente nos munic�pios de Erv�lia, em Minas Gerais, regi�o de Senador S�, no Cear�, e Feira Grande, em Alagoas.
Desafio Global
De acordo com Roberto Giugliani, professor da UFRGS, coordenador o Instituto Nacional de Ci�ncia e Tecnologia de Gen�tica M�dica Populacional (INAGEMP), fundador e presidente do conselho de administra��o da Casa dos Raros, as doen�as raras s�o condi��es m�dicas que afetam um n�mero limitado de pessoas em todo o mundo, variando de acordo com a regi�o geogr�fica.
“A odisseia diagn�stica � um aspecto crucial nessa jornada. Surpreendentemente, cerca de 40% das doen�as raras s�o diagnosticadas erroneamente em algum momento, atrasando a obten��o de tratamento adequado. Complicando ainda mais o cen�rio, terapias espec�ficas est�o dispon�veis para apenas 5% a 10% das doen�as raras”, evidencia o Giugliani.
No Brasil, o Minist�rio da Sa�de implementou pol�ticas e diretrizes para atender pessoas com doen�as raras pela Portaria nº 199, de 30 de Janeiro de 2014, incluindo servi�os de refer�ncia no SUS e a institui��o de incentivos financeiros. No entanto, muitos pacientes ainda aguardam atendimento adequado.
De acordo com o gerente da empresa farmac�utica global Teva, Roberto Rocha, o compromisso com a sa�de mundial � fundamental nessa luta contra as doen�as raras. “A Teva � quem desempenha um papel crucial nesse esfor�o, com uma estrat�gia s�lida de Responsabilidade Social Empresarial (ESG) fornecendo medicamentos em todo o mundo, incluindo em regi�es com necessidades significativas, como a �frica e o Oeste da �sia.”
Palavra do especialista
Quais s�o os principais exames utilizados no diagn�stico da doen�a de Huntington?
Os testes gen�ticos s�o comuns para detectar essa doen�a degenerativa, utilizando uma prote�na reativa para analisar o DNA e verificar sua manifesta��o. Al�m disso, exames cerebrais, como resson�ncia magn�tica, doppler transcraniano e cintilografia do c�rebro, s�o �teis para identificar �reas problem�ticas, como o g�nglio da base, que afeta a coordena��o motora e tamb�m influencia emo��es e mem�ria. Investigar as regi�es subcorticais do c�rebro � desafiador, ent�o faz sentido usar v�rios marcadores em vez de apenas um para monitorar e formar uma opini�o sobre essa doen�a cerebral.
Al�m dos testes gen�ticos, quais abordagens m�dicas podem ser usadas para confirmar o diagn�stico?
Alguns pacientes t�m genes ligados a dist�rbios como depress�o e TDAH, e a ci�ncia est� progredindo na capacidade de alterar a express�o desses genes. Doen�as raras enfrentam desafios de pesquisa devido � falta de investimento, dificultando a cria��o de protocolos de tratamento. Para condi��es mais comuns, como depress�o e TDAH, aplicamos conceitos semelhantes de modificar a express�o gen�tica, mas sua efic�cia pode variar, como vimos com o caso da s�ndrome de Guillain-Barr�. Em alguns casos, interven��es podem levar � revers�o dos sintomas, como controle da inflama��o e neuromodula��o, resultando em pacientes assintom�ticos a longo prazo.
De que forma fam�lias com casos da doen�a podem se mobilizar para fomentar a dissemina��o de informa��es sobre a doen�a?
Quando uma doen�a � menos conhecida ou rara, � importante que as pessoas afetadas se associem e se mobilizem para impulsionar a pesquisa, a coleta de dados e o desenvolvimento de protocolos de reabilita��o e, idealmente, melhorias na qualidade de vida. Essa � uma boa sugest�o para quem enfrenta doen�as menos convencionais, j� que muitas vezes essas pessoas desconhecem outras com a mesma condi��o. Isso resulta em protocolos de tratamento e diagn�stico limitados devido � falta de informa��o e de pesquisa.
Ricardo Caiado � psic�logo, neurocientista em psiconeuroimunoendocrinologia e atua na Cl�nica Heartbrain
*Estagi�ria sob a supervis�o de Sibele Negromonte

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