pista de corrida com um cronômetro

O mundo moderno desafia a capacidade de manter o foco

Michal Jarmoluk/Pixabay


Voc� se orgulha de ser multitarefa? � bem poss�vel que voc� tenha respondido “n�o” para essa pergunta. Afinal, nesta altura do campeonato, muito j� foi dito a respeito dos impactos negativos de executar tarefas simult�neas em nossa rotina, principalmente no trabalho: "Salvo raras exce��es, hoje sabemos que o trabalho focado � capaz de trazer resultados superiores, reduzindo erros e perda de performance. Mesmo assim, posso apostar que voc� ainda divide sua aten��o muito mais vezes do que deveria ao longo do dia. Estou errada?", questiona Ana Carolina Souza, neurocientista e s�cia da N�mesis.

Para a neurocientista, as pessoas vivem anos � sombra de uma mentalidade problem�tica: a ideia de que o comportamento multitarefa � mais vantajoso para as pessoas. E como se j� n�o bastasse, vivem diariamente uma verdadeira avalanche de est�mulos: "Das mensagens instant�neas �s in�meras ofertas de conte�dos, passando pelas notifica��es das redes sociais e essa constante sensa��o de urg�ncia que tanto nos aflige, o que n�o falta s�o empecilhos para mantermos a concentra��o em uma �nica atividade. Nossa mente sofre com constantes interrup��es e, pouco a pouco, parece que estamos perdendo a capacidade de simplesmente prestar aten��o".

Ana Carolina Souza destaca que, assim como a emo��o e a mem�ria, a aten��o tamb�m � vista como um fen�meno altamente complexo, cheio de nuances e peculiaridades: "Muitos pesquisadores defendem que seria imposs�vel para o c�rebro processar da mesma maneira tudo o que ocorre ao nosso redor. Por isso, o foco atencional � considerado um recurso fundamental, pois nos permite selecionar aquilo que � mais importante no ambiente, privilegiando seu processamento cerebral em detrimento dos demais est�mulos. Em outras palavras, quando prestamos aten��o em algo, nossa atividade cerebral ï¿½ maior em resposta ao que estamos observando. E, claro, isso impacta diretamente a qualidade do que estamos fazendo".

Leia:  Medita��o mindfulness: como o foco presente pode lidar com o estresse.

Falta de foco 

Outro problema da falta de foco atencional est� no impacto causado em nossa capacidade de entrega. Basicamente, o excesso de interrup��es uma hora acaba gerando ac�mulo de trabalho: "E isso gera sobrecarga, que por sua vez gera frustra��o, que naturalmente acaba em… estresse. Quem nunca viveu essa hist�ria alguma vez na vida? N�o � � toa que um dos ant�dotos para o languishing (um estado de perda de bem-estar) est� justamente em desenvolver atividades de maneira focada", destaca a neurocientista.
 
Para Ana Carolina Souza, vale mencionar tamb�m os desastres que podem ser causados dividindo a aten��o enquanto tenta se comunicar com algu�m: "Uma das demandas de consultoria que mais recebo das empresas s�o justamente as relacionadas � comunica��o. Como o comportamento multitarefas e o vi�s da urg�ncia infelizmente ainda est�o muito presentes nas rotinas de trabalho, � comum vermos problemas causados pela simples falta de aten��o (de qualidade) durante as conversas".
 
A neurocientista afirma que a grande quest�o � que o foco atencional � �nico e n�o pode ser dividido. E isso vale para qualquer pessoa: "Uma boa forma de entender o funcionamento desse fen�meno � usando a analogia da lanterna. Sempre que precisamos enxergar algo no escuro, direcionamos a luz principal da lanterna para aquilo que queremos ver. O mesmo ocorre com o foco atencional. A cada momento, direcionamos nossa aten��o voluntariamente ou automaticamente para o que � mais relevante no ambiente. E, sim, cada um de n�s possui apenas uma lanterna dispon�vel". 

Vigil�ncia 

Ana Carolina diz que quando se fala especificamente da import�ncia de desenvolver atividades focadas, est� se falando de um tipo espec�fico de aten��o chamado vigil�ncia: " A vigil�ncia diz respeito � capacidade de sustentar o foco atencional em rela��o a um est�mulo por per�odos maiores, evitando que este seja deslocado para outros est�mulos do ambiente. Desafiador, eu sei, mas essa � justamente a habilidade que precisamos exercitar. Como forma de privilegiar o trabalho focado, empresas apostam cada vez mais em t�cnicas de medita��o, pr�ticas de autogest�o e na constru��o de ambientes e rotinas que favorecem o estado de Flow. A ideia � justamente desenvolver essa habilidade e, assim, aumentar a performance e o bem-estar das equipes".

E o que ocorre quando a pessoa tenta ser multitarefa e desenvolver duas ou mais atividades ao mesmo tempo? Nesse caso, em vez de dividir o foco, o que se est� fazendo � o chamado switch atencional, movimento que consiste basicamente em deslocar o foco entre est�mulos em fra��es de segundos: "O problema � que, mesmo que n�o percebamos conscientemente, tentar ser multitarefa pode ter um custo mais alto ao longo do tempo, gerando comprometimentos na qualidade do que estamos fazendo".

No entanto, a neurocientista lembra que h� um motivo para as pessoa terem desenvolvido essa habilidade: "� que, em certas situa��es, rastrear est�mulos e monitorar o ambiente tamb�m � algo muito importante. Nessas horas, a capacidade de trocar rapidamente o foco atencional entre diferentes est�mulos ou atividades � uma grande vantagem. A chamada seletividade � um recurso atencional particularmente relevante para profissionais que monitoram diferentes circuitos e ambientes, como acontece em alguns tipos de opera��o, por exemplo".
"N�s dispomos de diferentes recursos atencionais, com diferentes caracter�sticas, e por isso � importante compreender as vantagens de cada um, como desenvolv�-los e quando utiliz�-los. J� parou para pensar sobre quais das suas atividades deveriam ser realizadas de maneira focada? Por outro lado, em que momentos do seu dia o exerc�cio da seletividade pode ser vantajoso? O contexto, a natureza do trabalho e a forma como voc� organiza sua rotina ser�o determinantes para aproveitar o melhor de cada recurso", lembra a neurocientista.

Ana Carolina reconhece que o mundo moderno desafia a capacidade de manter o foco: "Por outro lado, certamente haver� momentos em que o uso de uma aten��o mais difusa ser� estrat�gico. Assim, � importante aprender a distinguir entre ambos. Isso nos ajuda a navegar mais plenamente na complexidade do mundo atual. O objetivo � obter uma boa performance, mas sem descuidar da sa�de".