
A retra��o da economia em 2020, expressa pela queda de 4,1% do PIB (Produto Interno Bruto), tem v�rias facetas. De todos elas, a mais relevante � que, mesmo sem pandemia, o desempenho do PIB tendia a ser med�ocre em 2020, como foi em todos os anos desde a recess�o de 2015 e 2016. Superado o ambiente de apreens�o, gra�as ao aumento do ritmo da vacina��o, o crescimento voltar� capengante, mas voltar�.
Que crescimento? Nada impressionante nem virtuoso, j� que o melhor cen�rio projeta avan�o do PIB de 3,5% este ano, o que n�o cobre nem as perdas no ano passado. Al�m disso, teria de crescer 5% s� para a renda per capita de cada brasileiro voltar ao n�vel de 2019. O PIB per capita regrediu 4,8% em 2020 e a popula��o cresceu 0,77%.
Essas duas vari�veis explicam o nosso d�ficit social, mitigado por programas de transfer�ncia de renda como o Bolsa Fam�lia, que os ide�logos libert�rios do governo Bolsonaro gostariam de podar.
O aux�lio emergencial criado para prover renda aos informais, mas, sobretudo, permitir-lhes ficar em casa nos momentos de fechamento da atividade comercial, � mais um quebra-galho de uma economia que desaprendeu o caminho do crescimento e n�o gera empregos em n�mero suficiente para permitir a autonomia fundamental do trabalhador.
A economia cresce abaixo da din�mica demogr�fica (que governantes respons�veis elegem como prioridade zero) e do PIB global (que d� a medida de nossa competitividade no mundo) h� 40 anos. A expans�o da base produtiva, devido aos dois movimentos, n�o consegue gerar nem os empregos demandados pelo aumento vegetativo da popula��o.
� da� que vem a estagna��o do emprego formal, a precariza��o do trabalho informal, cada vez mais disfar�ado sob a roupagem id�lica do empreendedorismo sob a forma de microempresas individuais, MEI, e o �nus dos programas sociais que provem uma subsist�ncia m�nima.
A verdade � que o pa�s se enroscou na armadilha de programas ditos liberais, que visam desinflar o Estado, os programas sociais e sua coordena��o do desenvolvimento com o setor privado. N�o funcionou nem funcionar� at� por partir da premissa errada de o problema ser meramente de excesso de gasto p�blico em rela��o ao que a sociedade recolhe de impostos, 32% do PIB. Essa � a ideologia da estagna��o.
A causa do nosso buraco
As causas do buraco em que nos enfiamos s�o pol�ticas e de desenho da governan�a do Estado, n�o de gasto p�blico excessivo lato sensu, ao contr�rio da cren�a elitista da tecnocracia fiscalista.
� pol�tica porque a quest�o envolve conflitos distributivos, quem recebe o que das burras do Tesouro e quem paga. � de governan�a porque o gasto fiscal question�vel ou ocioso decorre de autonomias legais (como do Judici�rio) ou no grito (corpora��es influentes e intimidat�rias, como militares). O governante � a pe�a mais fr�gil, �s vezes descart�vel, dos embates por privil�gios.
A Rep�blica e sua governan�a modeladas pela Constitui��o de 1988 pressupunham a economia crescendo ao menos 3,5% ao ano para bancar o custo da estrutura federativa e seu aparato administrativo, al�m dos direitos do Estado de bem-estar. De algum modo, emulou os EUA, cuja federa��o tem ampla autonomia, com o bem-estar europeu.
Talvez por isso EUA e Brasil enfrentem os maiores problemas entre as grandes democracias do Ocidente para se adequarem as avan�os da tecnologia e � impressionante expans�o da China. A diferen�a � que EUA s�o pot�ncia dominante, com PIB de US$ 20,8 trilh�es; o nosso, de US$ 1,4 trilh�o, s� fala grosso com o agroneg�cio.
Eleitor chutou a pol�tica
O enigma � se vamos ou n�o conseguir desatar o enrosco, e isso na d�cada em que tudo est� em transforma��o acelerada tanto devido �s tecnologias, quanto � insatisfa��o da sociedade em toda parte com a sua situa��o, o seu futuro, os seus governantes, suas elites, e com capacidade de reverberar sua revolta gra�as �s redes sociais.
Bolsonaro (tal como Trump) se elegeu n�o pelas qualidades, mas pelos seus defeitos, como protesto do eleitor contra a corrup��o e a criminaliza��o da pol�tica pela Lava-Jato. Nos EUA, Trump captou a revolta da classe m�dia empobrecida com a perda de empregos pela migra��o de f�bricas para a China, com a percep��o de desprezo das elites intelectuais e dos gra�dos de Wall Street. Trump perdeu por n�o entregar o que prometera. Joe Biden come�a gastando pesado, US$ 1,9 trilh�o, para n�o repetir tais erros de Trump e de Obama.
E voltamos ao Brasil. Hoje est� claro que Bolsonaro, militares, o ministro Paulo Guedes, os neoaliados do Centr�o est�o desequipados para promover as transforma��es necess�rias, ainda que a percebam.
Dois estorvos estruturais
O que nos defronta, e nos desafia, s�o dois obst�culos estruturais s� super�veis com planejamento, programa de longo prazo, equipe com a sofistica��o intelectual da dupla “Larida”, de Andr� Lara Resende e P�rsio Arida, autores centrais do Plano Real, e presidente eleito com apoio de uma coaliz�o pol�tica transformadora. Coisa para 2023.
O primeiro obst�culo � a falta entre governante e parlamentares de vis�o sobre o significado do desenvolvimento e como acion�-lo. O segundo � a voca��o do presidente atual para o negacionismo irracional, sequela de sua inexperi�ncia para montar equipe, gerenciar pessoas, aprovar um plano e nomear prioridades – car�ncias que Trump nunca superou.
Qualquer programa de desenvolvimento s�rio, no qual j� nem precisa como no passado da m�o forte do Estado, teria de come�ar ligando os bot�es do crescimento sem inibi��o, com foco na cria��o de emprego, na infraestrutura de transportes, energia e comunica��es, na sa�de p�blica e educa��o profissionalizante tecnol�gica, na moderniza��o das empresas, sobretudo industriais. A quest�o fiscal implica fazer a burocracia servir os constituintes, ao contr�rio do que � hoje.