
Ano passado, no in�cio da pandemia de COVID-19, v�rios especialistas previram um aumento consider�vel no n�mero de diagn�sticos de transtornos psiqui�tricos, especialmente depress�o e ansiedade.
Entretanto, um artigo publicado no peri�dico Psychological Medicine em janeiro de 2021, analisando 25 estudos com aproximadamente 72 mil pessoas, revelou que o impacto psicol�gico da pandemia foi relativamente baixo e heterog�neo. O estudo apontou ainda que a maioria das pessoas tem se revelado bastante resiliente aos efeitos da pandemia.
Entretanto, um artigo publicado no peri�dico Psychological Medicine em janeiro de 2021, analisando 25 estudos com aproximadamente 72 mil pessoas, revelou que o impacto psicol�gico da pandemia foi relativamente baixo e heterog�neo. O estudo apontou ainda que a maioria das pessoas tem se revelado bastante resiliente aos efeitos da pandemia.
No entanto, pelo menos no Brasil, iniciamos o segundo ano de pandemia sem sinais de melhora. Pelo contr�rio. O n�mero de mortes di�rias atingiu recordes por dias seguidos, chegando a mais de 4 mil mortos por COVID-19 em um �nico dia. O sistema de sa�de de todo o pa�s demonstra sinais de colapso, com filas de espera para ocupar leitos de UTI e falta de sedativos para intubar pacientes.
E o governo federal? Bem, segue sua estrat�gia de imobilismo negacionista e demag�gico. Diante de uma crise sanit�ria e humanit�ria sem precedentes, o presidente da rep�blica anunciou mas um ministro da sa�de, o quarto desde que assumiu a presid�ncia, n�o se programou para a compra antecipada de vacinas e parece estar mais interessado em contemporizar com advers�rios pol�ticos que efetivamente governar e buscar mecanismos para solucionar, ou ao menos mitigar, o caos que vivemos.
Diante desse cen�rio, ser� mesmo que o impacto psicol�gico da pandemia � apenas residual? Ser� que n�o h� um limite para a nossa resili�ncia diante de situa��es graves e, aparentemente, sem previs�o para terminar? A pandemia nos jogou em situa��es-limite, em que situa��es como o medo da morte, nossa ou de entes queridos, a perda dos espa�os de socializa��o e a aus�ncia de v�lvulas de escape, associados � instabilidade econ�mica e pol�tica se tornaram a regra, e n�o a exce��o. Por isso acredito que os efeitos da pandemia sobre nossa sa�de mental podem ser maiores e mais prolongados que esses estudos iniciais nos levam a crer.
Ademais, a crise sanit�ria acentuou desigualdades e vulnerabilidades sociais, deixando alguns de n�s ainda mais expostos ao adoecimento, f�sico e ps�quico. Mulheres foram sobejamente afetadas pela pandemia. Coube a elas a tarefa de cuidar da educa��o dos filhos e da casa, na maioria dos casos. Al�m disso, os setores de com�rcio e servi�o foram os mais fortemente atingidos pela diminui��o das atividades econ�micas e pelo lockdown. Trata-se dos setores que mais empregam mulheres e que ter�o mais dificuldade de se reestabelecer completamente p�s-pandemia. Por essa raz�o, muitas mulheres deixar�o permanentemente o mercado de trabalho, pois a associa��o entre a demora no retorno das atividades de cuidado, como escolas, creches, e a lentid�o da retomada econ�mica pode ser fatal para elas.
Pessoas negras tamb�m foram severamente afetadas pela pandemia. Homens negros foram os que mais morreram pela COVID-19 no pa�s, mulheres negras, que s�o maioria das trabalhadoras nas �reas de conserva��o e limpeza, contra�ram COVID em uma propor��o muito maior do que outros grupos populacionais, Al�m disso, como j� � de conhecimento geral, h� uma alta correla��o entre cor da pele e classe social no Brasil, o que faz com que pessoas negras tenham menos acesso a redes sociais de prote��o, estejam envolvidas em atividades profissionais consideradas essenciais, tenham que se deslocar pela cidade utilizando transporte p�blico lotado e, finalmente, tenham acesso prec�rio ao sistema de sa�de. At� na hora da vacina��o negros est�o em desvantagem, j� que at� agora brancos est�o sendo vacinados em uma propor��o maior que negros.
Ressalto ainda o quanto a trabalho invadiu as nossas casas, fazendo com que a distin��o entre espa�o de lazer/descanso e espa�o profissional fosse completamente borrada. Profissionais em home office trabalham longas horas, encontram-se em estado permanente de exaust�o, drenados por longas reuni�es via zoom, tarefas que se avolumam e um sentimento de frustra��o por n�o produzirem o suficiente, al�m do receio de perderem seus empregos em decorr�ncia da crise econ�mica.
Por conta disso, n�o acho exagero afirmar que a pandemia est� diretamente relacionada ao decl�nio da sa�de mental de parcela significativa da popula��o. A extens�o, por tempo indeterminado de uma crise sanit�ria que deveria ser tempor�ria, a aus�ncia de um plano de vacina��o r�pida e um cen�rio de crise pol�tica acentuado e permanente torna nosso sofrimento constante. O conv�vio prolongado com a pandemia, e o inevit�vel olhar comparativo para com pa�ses que est�o voltando aos poucos � normalidade, tem grande potencial para debilitar nossa sa�de mental.
Mas, o que fazer diante de tal diagn�stico? Do ponto de vista individual e interpessoal acredito que seja necess�rio maior empatia uns com os outros, maior cuidado no trato pessoal e entendimento de que essa circunst�ncia at�pica pode nos afetar de maneiras imprevis�veis. Faz-se importante tamb�m fomentar redes de apoio m�tuo com amigos, colegas, buscar atividades de lazer que tragam satisfa��o, realizar atividades f�sicas, mesmo em casa, procurar descansar e praticar o �cio sem culpa. Evitar o consumo excessivo de �lcool e outras drogas, que podem ter o efeito de potencializar o sofrimento, tamb�m � importante.
Em rela��o ao �mbito pol�tico � essencial organizar um planejamento de aten��o � sa�de mental, pois at� recentemente essa dimens�o de cuidado com a sa�de foi relegada ou � uma dimens�o de escolha individual ou de ou foi estigmatizada. Os equipamentos de aten��o psicossocial p�blicos trabalham normalmente acima da sua capacidade e com n�mero reduzido de profissionais, al�m de terem foco mais direcionado a situa��es de crise. Se n�o houver uma reformula��o desses formatos de atendimento � sa�de mental, com sua amplia��o, diversifica��o profissional e cuidado continuo para a popula��o p�s-pandemia, corremos o risco de, outra vez, acentuar desigualdades e vulnerabilidades diante de todo o sofrimento e incertezas causadas durante a crise sanit�ria.