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Estado de Minas GEST�O P�BLICA

Viol�ncia em n�meros: o perigo mora ao lado

Relatos e situa��es de viol�ncia exp�em o pior que o ser humano pode demonstrar da falta do humano que habita em si


11/05/2021 06:00 - atualizado 11/05/2021 14:11

Moradores do Jacarezinho, no Rio, protestaram contra a violência policial na comunidade(foto: MAURO PIMENTEL / AFP)
Moradores do Jacarezinho, no Rio, protestaram contra a viol�ncia policial na comunidade (foto: MAURO PIMENTEL / AFP)


A autobiografia de Ishmael Beah encontra-se entre os livros mais impactantes  que j� li. Muito longe de casa – Mem�rias de um menino-soldado narra a trajet�ria de Ishmael Beah, a partir dos 13 anos de idade, quando seu vilarejo em Serra Leoa foi tomado pelos rebeldes e o autor se viu for�ado a ingressar no ex�rcito e se tornar um misto de viol�ncia e autodestrui��o. 

Com conte�do correlato, o livro As �ltimas testemunhas, da Nobel de literatura Svetlana Aleksi�vitch, narra a viol�ncia da segunda guerra mundial atrav�s de relatos de adultos que, � �poca, eram crian�as bielorrussas expostas a toda sorte de desamparo e viol�ncia. Em ambos os livros, viol�ncia, desamparo, desumanidade, contrapostos � luta pela sobreviv�ncia e capacidade inimagin�vel de supera��o s�o os denominadores comuns. 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) divulgou, na �ltima sexta, sua Pesquisa Nacional de Sa�de. Vou me ater exclusivamente aos resultados relacionados � viol�ncia, os quais se dividem em tr�s abordagens: psicol�gica, f�sica e sexual. A pesquisa refere-se ao ano de 2019, portanto, pr�-pandemia, e infelizmente n�o poderemos captar os efeitos dessas tr�s dimens�es da viol�ncia decorrentes de situa��es de confinamento, perda de emprego, aus�ncia de socializa��o e escolariza��o para jovens e crian�as, dentre outras. 

Do total da popula��o brasileira com mais de 18 anos de idade, 29,1 milh�es sofreram algum tipo de viol�ncia nos 12 meses que antecederam � pesquisa. � como se toda a popula��o dos estados de Minas Gerais, Goi�s e Roraima tivesse sofrido algum tipo de viol�ncia que afetasse sua sa�de. Desse total, as mulheres foram as maiores v�timas e responderam por 16,4 milh�es, valor bem superior ao verificado para os homens - 12,7 milh�es. 

Dentre as 13,2 milh�es de pessoas violentadas psicologicamente, 48% disseram ter sofrido sequelas � sa�de, tais como medo, tristeza, des�nimo, dificuldade para dormir, ansiedade e depress�o; 78% das pessoas violentadas fisicamente apresentarem esses tipos de sequelas e 60% dentre as que sofreram algum tipo de viol�ncia sexual. Outras sequelas como hematomas, cortes etc. foram relatadas por 34% das pessoas que sofreram viol�ncia f�sica e por 19% das v�timas de viol�ncia sexual.

A viol�ncia psicol�gica, caracterizada pela pesquisa como humilha��o, xingamento, amea�a verbal, destrui��o etc. teve maior incid�ncia entre c�njuges, companheiros(as) e namorados(as): 32% das mulheres eram v�timas de seus parceiros, ante 14% dos homens em rela��o �s suas parceiras. Viol�ncia promovida por pai, m�e e correlatos acometia duas vezes mais mulheres que homens e, na maioria dos casos contra as mulheres, ocorria dentro de suas pr�prias resid�ncias, ao passo que contra os homens, em ambientes externos - vias p�blicas ou no trabalho. 

A viol�ncia f�sica foi bem menos evidenciada que a psicol�gica, incidindo sobre cerca de 11,7 milh�es de pessoas, sendo que em 36% desse total, o agressor(a) era o(a) parceiro(a). A viol�ncia f�sica contra as mulheres, vinda do parceiro, foi quase quatro vezes superior ao mesmo tipo de viol�ncia contra o homem no sentido contr�rio. 

A viol�ncia sexual atingiu 6,6 milh�es de pessoas com 18 anos ou mais de idade e mais da metade ocorria dentro de casa, com incid�ncia maior entre c�njuges e parceiros(as) em geral.  O recorte da pesquisa exclui todo universo de crian�as e adolescentes expostos a esse tipo de experi�ncia.  

Tr�s �ltimos resultados nos levam a refletir ainda mais sobre a condi��o das rela��es humanas na nossa sociedade: primeiro, que a viol�ncia se concentra nas faixas et�rias mais novas – at� 39 anos de idade prevalecem 57% dos casos; segundo, que n�o se distingue entre os n�veis de escolaridade, mostrando que mais educa��o n�o se traduz em maior ou melhor n�vel de respeito; e, terceiro, incide pouco mais entre as pessoas de cor preta e parda comparativamente �s brancas – as diferen�as raciais n�o s�o t�o marcantes. 

Ao mesmo tempo que a viol�ncia, de um lado, � capaz de despertar dor, indigna��o, compaix�o e empatia, de outro, pode se auto-alimentar em sequ�ncias intermin�veis de a��es e condutas que parecem n�o ter fim. As estat�sticas ainda s�o imprecisas, mas h� ind�cios de que, em toda parte do mundo, a viol�ncia dom�stica e o adoecimento mental fizeram-se mais presentes na pandemia do COVID-19. A bem da verdade, por detr�s da viol�ncia reside, em alguma medida, a falta de amor ao pr�ximo. 

chacina do Jacarezinho, defendida por seus executores como a��o policial planejada, seguramente deixar� marcas em crian�as, jovens e adultos que se viram expostos ao “combate ao crime” por vias sangrentas e desumanas. Os relatos dos(as) bielorrussos(as) que viveram parte de sua inf�ncia e/ou adolesc�ncia em meio � guerra mostram marcas indel�veis em suas vidas. Ishmael Beah precisou de apoio psicol�gico cont�nuo para conseguir escrever sobre os dois anos de pura viol�ncia em sua vida como menino-soldado. Relatos e situa��es de viol�ncia exp�em o pior que o ser humano pode demonstrar da falta do humano que habita em si. E nem todos s�o capazes de super�-los. 

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