
Em plena Primeira Guerra Mundial, mais especificamente em fevereiro de 1917, ainda na era mon�rquica do �ltimo czar russo Nicolau II, cerca de 90 mil oper�rias manifestaram-se contra a fome, as prec�rias condi��es de trabalho e a participa��o da R�ssia na guerra, em movimento conhecido como "P�o e paz". Foi a partir da�, por�m oficializado apenas quatro anos depois, em 08 de mar�o de 1921, que ficou marcado o in�cio do Dia Internacional da Mulher.
Declara��o Universal dos Direitos Humanos trata de liberdade.
Ap�s a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Na��es Unidas proclamou a Declara��o Universal dos Direitos Humanos. O que chama aten��o nessa Declara��o � o quanto o conceito de liberdade � invocado, seja diretamente, em oito de seus trinta artigos, ou de forma subjacente, em mais outros nove. Ao todo, quase 60% da Uma semana antes do Dia da Mulher, chegou �s minhas m�os, como forma de presente que muito me tocou, um processo jur�dico iniciado em 1872, na vila de Curvelo, comarca de Paraopeba, intitulado "Cauza de liberdade". O processo era todo escrito em letra cursiva, com caneta bico de pena, e suas folhas, unidas por uma linha grosssa de tecer, exigiram grande zelo ao serem manuseadas. Tratava-se do pedido de liberdade da "crioula" - termo usado para descrever descendentes de negros africanos nascidos no Brasil - Umbelina Maria D'Oliveira.

A crioula Umbelina Maria D'Oliveira precisou pagar todas as suas custas e d�vidas de esp�lio para requerer o direito que tinha em favor de sua liberdade, tudo sendo poss�vel em decorr�ncia do falecimento de sua Senhora. Com pouco menos de um ano do in�cio da "cauza", Umbelina conseguiu que o Juiz (Doutor Jos� Ferreira Brant) assinasse uma licen�a requerida de liberdade em que a r� "crioula suplica que a quota para garantir sua liberdade havia sido paga em servi�os prestados na conformidade da lei".
Os dois herdeiros da senhora de Umbelina n�o aceitavam sua liberdade e exigiam que o pagamento fosse realizado em reis. Nessa discuss�o judicial, Umbelina levou praticamente quatro anos para receber sua senten�a de liberdade, em desfecho final poss�vel quando o processo foi encaminhado para o Tribunal da Rela��o, em Ouro Preto, o que equivaleria, nos dias de hoje, ao Tribunal de Justi�a.
Dois dias antes de sua senten�a final, um Juiz escreve em seu parecer: "(...) a quest�o � sobre a liberdade que tem valor inestim�vel". For�a, coragem, amor pr�prio, elevada autoestima, reconhecimento de seu lugar, determina��o e persist�ncia foram as palavras que me acompanharam ao longo da compreens�o dessa "Cauza de liberdade".
Passados 41 anos da liberdade de Umbelina, cerca de 90 mil mulheres, na R�ssia, protestaram por direitos � vida digna. Somados �queles 41 anos, o mundo precisou de mais outros 31 - e nesse �nterim ainda experimentou a Segunda Guerra mundial - para que fosse redigida a Declara��o Universal dos Direitos Humanos. Como j� ditto, nessa Carta, o tema mais invocado � a liberdade.
Umbelina sabia qual poderia ser seu lugar no mundo, assim como as mulheres russas, que foram as precursoras de movimento feminimo que tomou propor��es mundiais. De Umbelina aos dias de hoje, as mulheres ainda precisam seguir em bravos e destemidos gritos de liberdade para poderem ocupar espa�os que, at� ent�o, s� lhes s�o permitidos em discursos e pap�is.
Na pr�tica, especificamente no caso brasileiro - n�o t�o diferente da grande maioria dos pa�ses do mundo -, os espa�os ocupados pelas mulheres ainda s�o absurdamente desproporcionais aos dos homens. Nosso legislativo federal � composto por 77 mulheres deputadas e 436 deputados; 12 senadoras e 69 senadores. Em suma, as mulheres representam apenas 15% das parlamentares da C�mara e do Senado, muito embora sejam 51% da popula��o brasileira. Se no parlamento a representa��o � t�o baixa, o que esperar de cargos estrat�gicos?
No espa�o destinado �s boas pr�ticas empresariais, sejam no setor p�blico, sejam no privado, as mulheres ocupam 15,8% dos assentos nos conselhos de administra��o e 18,2% nos conselhos fiscais das maiores empresas privadas do pa�s; nas empresas do setor p�blico ou de capital misto, esses percentuais sobem quase que inexpressivamente, passando para 17,8% dos assentos nos conselhos de administra��o e 28,6% nos conselhos fiscais.
�s mulheres t�m sido secularmente negado espa�os de decis�o e de poder. Para al�m de sermos mulheres, � preciso n�o abrirmos m�o daquilo que nossos corpos, por desenho da natureza, evidenciam em curvas cujos movimentos nem sempre s�o diretos e objetivos, assim como nossas a��es, nossa compreens�o do mundo e capacidade de decis�o. Somos complexas e temos o feminino que nos permite enxergar o mundo com demandas de liberdade, p�o e paz! Somos maternas!
O que Umbelina com sua "cauza de liberdade" e as mulheres russas do movimento "P�o e paz" parecem carregar em comum: importante consci�ncia de dignidade e valor, de pertencimento e pot�ncia, de for�a e de feminino. Quando as mulheres lutam por liberdade, p�o e paz, est�o abra�ando causas verdadeiramente humanit�rias.
Svetlana Aleksi�vitch, ucraniana vencedora do Nobel de literatura, relata, de forma impactante, em seu livro "A guerra n�o tem rosto de mulher", a import�ncia que tiveram as mulheres russas ao lutarem no front na Segunda Guerra Mundial. Ao final, n�o foram reconhecidas com as mesmas honrarias que outros homens que fizeram, muitas vezes, at� menos do que elas.
Neste 8 de mar�o de 2022, praticamente um s�culo depois do movimento P�o e paz, a R�ssia envolve-se em novo processo b�lico, sem que tenhamos clareza de suas consequ�ncias, mas que podemos antever que os direitos � liberdade, ao p�o e � paz certamente est�o cerceados.
�s mulheres-irm�s russas e ucranianas e a todas aquelas que lutam por um mundo melhor, ouso afirmar que o sentimento pleno de liberdade precisa fazer morada, primeiro, no nosso interior; somente, a partir da�, teremos a possibilidade de sermos o que desejarmos ser. Afinal, h� causa mais nobre do que o desejo �ntimo de liberdade, aquele que brota de dentro e n�o h� como segur�-lo?!
Essa coluna foi inspirada no presente que recebi de um querido amigo que pediu que mantivesse seu anonimato, e teve a colabora��o de duas estimadas colegas de trabalho, N�cia e Marilene.