
Vai devagar, malandro. Essa frase percorreu minha inf�ncia e adolesc�ncia. Inevitavelmente, essas coisas grudam no corpo da gente. Suprassumo da filosofia perif�rica, mesmo sem um contato direto com os autores cl�ssicos, sei que era a transmiss�o de uma sabedoria antiga, a arte da prud�ncia.
O “vai devagar” dando sentido ao termo “malandro” j� indicava o tipo de rela��o que dever�amos manter com a vida. Tenho d�vidas se em nosso dicion�rio-politicamente-correto-desconstru�do caberia o termo “malandragem”. Logo apareceria algu�m com a necessidade de “descolonizar” o conceito, que supostamente remeteria ao patriarcado iniciado por Ad�o na tentativa de culpar Eva pelo fruto proibido. Nada a ver.
Tentaram vincular a figura do malandro com o corrupto ou bandido. S�o tipos antropol�gicos completamente distintos. O malandro possui uma est�tica existencial e uma moral avessa a qualquer tipo de explora��o. Por isso ele leva a vida com sabedoria, flexibilidade, pois aprendeu a dan�ar diante do abismo.
E que falta faz o malandro e sua forma de encarar a vida. Profetizou, certa vez, Nelson Rodrigues: sentiremos falta do canalha honesto, um adepto da filosofia da malandragem. Choramos sua perda em todas as institui��es sociais: bancos, reda��es de jornal, hospitais, escolas, igrejas e peladas de final de semana. Ele � aquele sujeito de moral acess�vel, disposto a rir das rela��es humanas, expondo as mazelas �s quais estamos todos sujeitos.
A milit�ncia contempor�nea se vestiu com seu mais belo traje f�nebre e gostou do modelito. Espalhando uma tristeza misturada com raiva, afastou qualquer possibilidade do efeito rebelde que se esconde no riso malandro. Poucos sabem que o verdadeiro inimigo do fascismo n�o � a conscientiza��o pol�tica, mas a malandragem alegre.
Foucault alerta que “o pessimismo de direita consiste em dizer: veja como os homens s�o filhos-da-puta. O pessimismo de esquerda diz: veja como o poder � nojento!”. No fundo, s�o duas receitas de um mesmo veneno: uma forma pol�tica de dizer que a vida n�o vale a pena.
A filosofia da malandragem � pot�ncia de criatividade diante de um mundo chato, metrificado e limitador. Seu oposto � a desertifica��o da vida, o peso da tristeza que tenta militar em todas as dimens�es da exist�ncia, na linguagem, nos olhares, nos gestos, nas bebidas e nas roupas. Parece que nada escapa � politiza��o paranoica das rela��es sociais. � justamente a� que o malandrado se destaca, pois a paranoia da sociedade contempor�nea n�o o alcan�a.
Triste, mas os malandros est�o partindo. Em seu lugar, est�o sobrando s� os man�s.