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Estado de Minas GELEIA URBANA

Belo Horizonte: s� decola se fechar o aeroporto

"Nenhuma metr�pole decente no primeiro mundo admitiria um aer�dromo como o Carlos Prates (...) temos os acidentes dos �ltimos anos, amparando a minha opini�o"


04/09/2023 06:00 - atualizado 04/09/2023 07:44
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Aeroporto Carlos Prates
Aeroporto Carlos Prates: 'sou a favor do fechamento' (foto: Amir Martins/Drone)

N�o gosto muito de temas quentes e "assuntos do dia" por uma raz�o at� meio prosaica: os debates s�o, quase sempre, emocionais em excesso e pobres em l�gica, sem vis�o de futuro e, raramente, amparados por argumentos t�cnicos.

Para mim, literatura e poesia s�o uma coisa, discuss�o e debate t�cnico, outra completamente diferente; discuss�o que contraria a l�gica n�o tem serventia, porque n�o produz nada positivo e, normalmente, n�o chega a lugar algum (ou, pelo menos, nenhum lugar onde valha a pena chegar).

S� de estar na pauta e ser um desses "assuntos do dia", j� era motivo para n�o pisar nesse campo minado, mas como o aeroporto do Carlos Prates ï¿½, muito al�m de um equipamento urbano, uma pe�a fundamental num tabuleiro de xadrez que vive imobilizado em xeque mate a d�cadas, vou me arriscar.

Eu, pessoalmente, sou favor�vel ao fechamento, e explico: o risco para a vizinhan�a ï¿½ grande demais. Nenhuma metr�pole decente no primeiro mundo admitiria um aer�dromo como o Carlos Prates. N�o bastasse a minha opini�o, temos os acidentes dos �ltimos anos, amparando a minha opini�o. Como eu disse, l�gica.
H� quem diga, n�o sem raz�o, que a regi�o era t�o pouco habitada nos idos de 1944, e que o Anel Rodovi�rio ainda demoraria d�cadas para existir, que a localiza��o fazia todo o sentido. Eu discordo, at� porque a �rea j� integrava a mancha urbana l� atr�s, em 1935, bem antes de sua constru��o.

Dif�cil saber o que leva um gestor a escolher como s�tio aeroportu�rio uma �rea na zona urbana, j� inserida num vetor de crescimento, e cujo adensamento � n�o apenas inevit�vel, mas estimulado e desejado (pelos loteamentos aprovados, pela infraestrutura que j� existia e que foi sendo melhorada, e pelos novos loteamentos que vieram sendo aprovados desde ent�o).

Falta de exemplo n�o foi, considerando que o aeroporto da Pampulha havia sido inaugurado pouco mais de 10 anos antes, fora da mancha urbana e numa dist�ncia adequada da zona central da cidade (15 quil�metros). 

Na Pampulha, o aeroporto veio antes do bairro e da lagoa. No Carlos Prates, o bairro veio antes. Fosse o s�tio escolhido um pouco mais � frente, pertinho da CEASA, esse debate n�o viria antes de 2040.

Mas foi o terreno escolhido e, sendo essa a realidade pelos �ltimos 79 anos, essa pe�a prejudicou o desenvolvimento do vetor noroeste de Belo Horizonte, obrigada a limitar a altimetria por conta do aeroporto funcionando e, por consequ�ncia, a densidade de uma das regi�es mais tradicionais e bem servidas em infraestrutura na cidade. 

Mas eu n�o falaria do aeroporto, at� porque n�o seria nada mal construir um novo aeroporto, substituindo n�o apenas o Carlos Prates, mas tamb�m a Pampulha, por algo mais moderno e seguro. Ribeir�o das Neves re�ne disponibilidade de �rea e a proximidade ideal de Belo Horizonte, sem o risco do adensamento no entorno. Al�m disso, c� entre n�s, o munic�pio teria a chance de se "re-vocacionar" e ganhar relev�ncia econ�mica na regi�o metropolitana.

N�o fosse o seu fechamento um acontecimento crucial para o adensamento dos bairros Padre Eust�quio, Carlos Prates, Cai�ara e v�rio outros afetados pelas limita��es que a exist�ncia de um aeroporto na vizinhan�a obriga a ter, n�o teria nem tocado no assunto, espinhoso.

Falei de meu apre�o pela l�gica e, em nome da l�gica, afirmo que nenhuma administra��o pode tolerar tanto investimento e tanta infraestrutura dispon�vel numa densidade t�o baixa. Isso seria, certamente, uso indevido dos recursos p�blicos ou, pior, um desperd�cio pura e simplesmente.

Agora, com o aeroporto efetivamente desativado, o leque de alternativas se abre, e medidas bastante simples como aumento do potencial construtivo (coeficiente de aproveitamento) e da altimetria permitida (coisa que dependia, exclusivamente, da desativa��o do aeroporto), esses bairros podem se tornar centrais e - novamente - atrativos para o mercado imobili�rio, viabilizando a constru��o de novas moradias, e em grande quantidade. 

Vou deixar os c�lculos para os especialistas, mas me arriscar a dizer que essas mudan�as poderiam viabilizar, facilmente, outras 100 mil pessoas em im�veis de todos os padr�es, populares e acess�veis inclusive. E tudo isso a 15 minutos do Centro, com uma infraestrutura de fazer inveja aos bairros "zona sul" da cidade.

Sendo ambicioso e propositivo (mais propositivo do que ambicioso, considerando o quanto Belo Horizonte parou no tempo), criaria um VLT ligando o Centro � Pampulha, servindo Cai�ara, Padre Eust�quio, Castelo e Al�pio de Melo (e muitos outros), passando pela Pedro II, Jo�o XXIII e Her�clito Mour�o, num trajeto essencialmente plano. Muito, muito melhor do que dezenas de milhares de carros misturados e disputando espa�o com centenas de �nibus, e melhor que o BRT (a despeito de meu respeito pelo saudoso Jaime Lerner, uma solu��o de apoio e capilariza��o �s redes de metr� mas jamais uma solu��o central de mobilidade urbana).

Ainda por cima, (o VLT �) el�trico, resgatando a hist�ria - e a gl�ria - dos bondes de Belo Horizonte, que chegaram a ter 73 km de trilhos, posteriormente arrancados.
Se a �rea do aeroporto ter�, pelo PL 636/23 em discuss�o na C�mara dos Veradores, seu zoneamento alterado para �rea de Grandes Equipamentos Econ�micos (Agees), um uso mais do que adequado seria o de criar um hub (uma grande central) de conex�o para o transporte p�blico, integrando linhas de �nibus, esse VLT proposto e a nova rodovi�ria, agora bem localizada, moderna e �s margens do Anel Rodovi�rio, com os acessos corretos e condi��es para funcionar adequadamente.

Imagine chegar a Belo Horizonte meia hora antes, e tomar um VLT (para quem n�o existe engarrafamento) at� o Centro e outros bairros? Imagine o volume de polui��o que jamais ser� produzido?

Avan�ando na proposi��o e sendo ainda mais ambicioso, um hub de transportes em meio a um bel�ssimo parque, com espa�o para realiza��o de shows e eventos de grande porte (com as devidas aten��es ao inc�modo da vizinhan�a), integrado a diversos equipamentos esportivos, quadras cobertas, trilhas para caminhada e, cereja do bolo, uma pista de skate gigante, j� pronta para campeonatos e exibi��es.

Se � para pensar, precisamos pensar grande, sempre olhando para o futuro. E apenas para o futuro, porque os problemas atuais s�o os problemas que n�o foram enfrentados no passado (apenas postergados, ou com solu��es parciais, pequenas, de curto prazo).

Ideias e projetos de impacto, mas pensadas para obras de baixo impacto e grande benef�cio. Projetos ambiciosos, quando bem concebidas e bem projetadas, geram obras com etapas e fases t�o bem definidas que acabam definindo pol�ticas "de estado" (e n�o "de governo"), j� que se estendem por v�rias administra��es, mas com entregas e operacionalidade a cada uma.

Escrevendo sobre o aeroporto, sobre o futuro poss�vel para o vetor noroeste e sobre os erros cometidos e - insistentemente - repetidos pelas gest�es municipais, me vem � mente uma m�sica, talvez a que melhor traduziu o abismo entre o que � certo, o que deveria ser feito, e o que � - realmente - feito. 

"Pindorama, pa�s do futuro"

A m�sica � "geleia geral", express�o genial criada por D�cio Pignatari, mas imortalizada por Gil e Torquato Neto na Tropic�lia, para mim uma das m�sicas que melhor exp�em as contradi��es brasileiras.


Assim como Gil e Torquato, pe�o agora licen�a ao poeta (in memorian) para adaptar - e utilizar - sua cria��o para falar de cidades, de urbanismo, mobilidade, legisla��o urbana, arquitetura e design.

Afinal, as contradi��es cantadas por Gil nos anos da Tropic�lia continuam a� mas, por alguma raz�o, incomodando menos, a ponto de mal merecer indigna��o e protestos.

Come�o hoje essa coluna, pretensiosamente chamada de Geleia Urbana. A ideia � trazer uma vis�o cr�tica de problemas urbanos que poderiam ser melhor endere�ados (e, quem sabe, superados) por boas ideias, bom senso e muita l�gica.

Mais (muito mais) do que a minha vis�o pessoal, os textos trar�o chamados � l�gica e refer�ncias hist�ricas, lembrando casos de sucesso no tratamento de quest�es urbanas, e algumas ideias de interven��o e melhoria para a nossa cidade.

O foco n�o �, por �bvio, criticar administra��es e pol�ticas p�blicas. Ainda assim, as cr�ticas s�o muitas vezes inevit�veis, e estar�o aqui sempre que se fizerem necess�rias, at� porque as cidades s�o organismos vivos, e as administra��es municipais, suas "tutoras", encarregadas pela sociedade para gerir, propor e fiscalizar de forma delegada.

Uma administra��o dificilmente cria um problema ou "desencaminha" a cidade; normalmente, mant�m pol�ticas erradas ou anacr�nicas que j� existiam, mais mantendo o que j� n�o funciona do que "inovando" em problemas novos. E mant�m ideias ruins, muito provavelmente, por n�o arejar, n�o oxigenar e n�o ouvir novas ideias. 

Raul dizia que "eu vim para confundir, n�o para explicar"; j� eu sou o oposto: quero s� explicar. 

E propor.

Fechamento do aeroporto, adensamento, vetor noroeste, projetos de impacto, infraestrutura, parque, VLT, pista de skate: acho que, agora, voc� entendeu o porqu� da Geleia Urbana. Semana que vem tem mais.

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