
"N�o se nasce mulher, torna-se mulher" � uma frase famosa da feminista e fil�sofa Simone de Beauvoir. Por meio desta cita��o, trouxe uma outra vers�o do pensamento: n�o nasce sem amar as mulheres, aprende-se a n�o amar as mulheres.
� o caso dos homens* e, por isso, este artigo tem exatamente seus destinat�rios.
*Se voc� pensou "nem todo homem", eu sei. Nem todo homem, mas sempre um homem.
Uma defini��o de amor
Assim como existe uma constru��o do papel que se espera ser desempenhado pelas mulheres ao longo da vida, existe tamb�m o papel ensinado aos homens. Enquanto as primeiras destinam-se � fun��o do amor e do cuidado, os homens v�o na dire��o oposta: o abuso e a neglig�ncia.
Importante destacar que estou pensando no amor no sentido mais amplo, que est� al�m das rela��es afetivo-sexuais. Cabe aqui o amor dentro das rela��es rom�nticas, familiares, profissionais, de amizade e religiosas.
Em "Tudo sobre o amor: novas perspectivas", a escritora bell hooks traz uma reflex�o profunda sobre o amor. Este livro � a minha B�blia, ent�o recomendo a leitura para qualquer pessoa. No entanto, para que o artigo n�o vire uma resenha sobre a obra, vou me ater a dois pontos de partida: a defini��o de amor e suas dimens�es. A partir disso ficar� mais f�cil perceber o quanto os homens aprenderam a n�o amar as mulheres.
Baseada em seus estudos, bell hooks tomou para si e compartilhou com seus leitores que "o amor � o que o amor faz", defini��o dada pelo psiquiatra M. Scoot Peck. Ou seja, n�o � um sentimento passivo, e sim uma a��o. Al�m desta defini��o, hooks tamb�m traz em sua obra quais seriam as dimens�es do amor. S�o elas: cuidado, compromisso, confian�a, responsabilidade, respeito e conhecimento.
Agora que j� nomeamos os sentimentos, podemos voltar � minha afirma��o: homens s�o os seres que aprenderam a n�o amar as mulheres. Afinal, toda e qualquer rela��o entre homens e mulheres nesta sociedade est� permeada pelo abuso ou pela neglig�ncia. E, como sabiamente aponta bell hooks, onde h� abuso ou neglig�ncia, n�o pode haver amor.
Aliados, mas nem tanto
Para ilustrar melhor meus argumentos, vou descrever uma de nossas personas na sociedade contempor�neas e exemplos factuais.
Existem, por exemplo, homens que se sentem muito desconstru�dos e apoiadores da causa feminista. Provavelmente, voc� conhece algum; e se n�o conhece, talvez seja voc�.
Estes homens fazem textos nas redes sociais, comprometem-se a consumir mais artistas femininas e elogiar publicamente mais empreendedoras por a�. E ent�o, ap�s esse esfor�o inestim�vel em construir uma personalidade que baseia-se em "sim, eu sou homem e preciso melhorar", os mesmos homens v�o para suas casas ou trabalhos e desvalorizam as mulheres � sua volta de infinitas maneiras.
No outro dia, eles saem de novo pelas ruas e redes sociais, levantando bandeiras - ou melhor, palavras de suporte - enquanto continuam tranquilamente a praticar suas a��es mais violentas, dando a si mesmo o al�vio de ter constru�do publicamente a narrativa de tentar ser um homem melhor.
Minam nossa autoestima e confian�a, questionam nossa sanidade. Em resumo, nos abusam de forma f�sica, moral, emocional, psicol�gica e patrimonial.
Ah, vale lembrar que mais recentemente, est�o vindo � tona grupos que se organizam politicamente em comunidades masculinistas para destilar o �dio contra as mulheres e serem coaches para ensinarem outros homens a fazerem o mesmo - como se fosse preciso ensinar.
De homem para homem
De uns tempos para c�, gra�as �s mulheres, alguns homens abriram espa�o para pensar a masculinidade t�xica. Um movimento leg�timo, que beneficia todos os g�neros.
Obviamente, alguns homens dedicaram-se mais a essas conversas, por tamb�m ocuparem lugares de opress�o. Por exemplo, homens negros e homens trans. Por outro lado, tamb�m existem os homens que fizeram do hot topic masculinidade t�xica uma forma de se autopromover e promover ainda mais misoginia.
Vez ou outra, esbarro por a� com caras que se orgulham em dizer "eu te amo" para os amigos. Ou sentem-se profundamente tocados por m�sicas e filmes (produzidos por homens, claro) a ponto de chorar e apresentar certa vulnerabilidade.
Essas a��es t�m import�ncia? Certamente. Contudo, � no m�nimo interessante - e bastante confort�vel - que, ao come�ar a agir em prol de uma desconstru��o da masculinidade t�xica, os homens mais uma vez dediquem esses esfor�os � sua pr�pria comunidade.
Ao que me parece, para os homens, � mais simples falar "eu te amo" para um amigo do que tornar-se respons�vel pelo cuidado da pr�pria m�e ou esposa em casos de doen�a.
� mais f�cil doer-se com a perda de um Hexa da Sele��o Brasileira, do que com um caso que se desdobra cada vez mais horripilante quando um jogador desta mesma sele��o � acusado de estupro e cria mais de 3 vers�es com intuito de culpabilizar v�timas.
� mais corajoso reconhecer, inclusive com promo��es, projetos de trabalho realizados por um colega homem, do que agir da mesma forma em rela��o �s iniciativas coordenadas por mulheres.
Mostrar o amor em todas as dimens�es (cuidado, compromisso, confian�a, responsabilidade, respeito e conhecimento) de homem para homem � quase um exerc�cio de amor pr�prio - afinal, ao contr�rio de n�s, autoestima nunca foi um problema para a maioria dos caras.
Dif�cil mesmo � ter a coragem para cuidar, se comprometer, confiar, se responsabilizar, respeitar e conhecer as mulheres. Todas elas, independente da rela��o que se tem.
Intencionalidade em pr�tica
Antes que digam "isso � um problema estrutural", sim, de fato �. A condi��o de desigualdade da mulher na sociedade � totalmente estrutural. E que estrutura bem feita! Ainda me surpreendo com o quanto podem nos aprisionar nela.
Por�m, ficar parado apenas observando a estrutura enquanto solta meia d�zia de palavras sobre o que deveria ser feito n�o resolver� o problema. Discursos e narrativas n�o se firmam ao vento, � necess�rio construir alicerces.
Longe de mim, logo no M�s da Mulher, me dar ao trabalho de colocar os holofotes no lugar errado. Por isso mesmo, neste oito de mar�o de 2023, desejo aos homens que pratiquem a intencionalidade em suas a��es. � urgente comprometer-se e agir pela mudan�a, e que comecem pelas mulheres ao redor.
Palavras n�o praticadas j� n�o s�o mais suficientes para ser um homem aliado, um bom pai, um bom chefe, um bom amigo, um bom namorado, um bom mentor espiritual. Aos que ainda tem qualquer resqu�cio de bom senso e f� na humanidade, organizem-se para apoiar a luta de mulheres no front. Pois h� muitos homens, em todos os lugares, posicionando-se para nos aniquilar.
Aos seres que aprenderam a n�o amar as mulheres, deixo o aviso: ainda d� tempo, s� que precisa ser agora.