
Cada medicamento registrado no Brasil recebe a aprova��o da ANVISA, para uma ou mais indica��es. E estas v�o para a bula dos medicamentos. Para serem registrados, os medicamentos precisam ter comprovada sua qualidade, efic�cia e seguran�a, que s�o medidas atrav�s de testes.
At� ent�o, a Lei Org�nica da Sa�de proibia ao SUS o pagamento, ressarcimento e reembolso de medicamentos sem registro na ANVISA. A nova lei acrescenta duas exce��es, que anulam a barreira imposta pela ANVISA. Mas por que isso ocorreu?
O problema � que a ANVISA n�o vinha cumprindo com sua fun��o, travando o processo de incorpora��o. Existem centenas de medicamentos que possuem aplica��o terap�utica comprovada para utiliza��o fora da bula, o que � feito pelos m�dicos em todo o pa�s na sa�de privada, sem maiores problemas (mas por sua conta e risco). Esta utiliza��o � chamada de “off-label” e � muito comum em todo o mundo.
Mas no SUS, a realidade era outra. E os m�dicos precisavam lidar diariamente com este obst�culo ao cuidado e sa�de dos pacientes da rede p�blica. O Minist�rio da Sa�de j� vinha solicitando a amplia��o do uso de diversas medica��es junto � ANVISA, mas prevaleciam as diverg�ncias burocr�ticas e jur�dicas (al�m de diversos interesses envolvidos).
Ap�s a publica��o da nova lei no Di�rio Oficial da Uni�o, a Anvisa se manifestou imediatamente de forma contr�ria, afirmando que “o uso off-label de medicamentos pode aumentar os eventos adversos”. Mas seu argumento n�o poderia ser mais fr�gil.
Segundo a lei, para aprova��o no SUS � necess�ria a recomenda��o da Comiss�o Nacional de Incorpora��o de tecnologias no SUS, a CONITEC. E para a recomenda��o, o medicamento deve ter sua efic�cia, efici�ncia e seguran�a comprovados. Exatamente como na Anvisa.
A l�gica sustentada pela Anvisa seria c�mica, se n�o fosse tr�gica: Com acesso a mais medicamentos e tratamentos, teremos mais riscos de eventos adversos. Sim, mas teremos menos doentes morrendo sem acesso aos tratamentos! Ora, todo tratamento implica em risco, mas em regra, este � menor do que o risco de nenhum tratamento! Em caso de d�vidas, pergunte aos doentes e seus familiares, que morrem sem ter sequer a chance de se tratar, por conta de quest�es burocr�ticas e jur�dicas.
Esta � exatamente a realidade vivida pelas pessoas com doen�as raras. Enquanto os �rg�os reguladores dos EUA e Europa liberam um produto novo com a agilidade demandada pelos doentes, a bur(r)ocracia da Anvisa atrasa o processo ou o inviabiliza, causando sofrimento e morte a milhares de brasileiros.
Tal realidade tamb�m � vivida pelos quase 75% dos brasileiros que dependem do SUS, contudo ainda mais absurda: A dificuldade � com medicamentos comuns, de baixo custo e j� existentes no Brasil, com ampla utiliza��o off-label na sa�de privada. Cen�rio que pode mudar com a nova lei, que facilita as alternativas aos doentes, e lhes d� uma chance de tratamentos inovadores.
Mais um ponto favor�vel da lei, � observar que a mesma desagradou � ind�stria farmac�utica, que em nota, criticou a novidade afirmando que trar� riscos � sa�de p�blica, como se esta fosse o foco dos fabricantes de medicamentos (caso fosse, n�o viver�amos o drama dos medicamentos �rf�os). Ademais, s�o estas mesmas empresas n�o se interessam em solicitar a altera��o das bulas na Anvisa, impedindo a incorpora��o dos medicamentos ao SUS, por interesses escusos.
Cabe ressaltar que a lei descreve detalhadamente o processo para a incorpora��o de medicamentos ou procedimentos pelo SUS, indicando por exemplo que na CONITEC, a relatoria do processo deve ser distribu�da conforme a especializa��o e a compet�ncia t�cnica de um dos 13 membros, ante a mat�ria em quest�o. Importante salientar que a ado��o dos medicamentos depende ainda de avalia��o econ�mica, sendo preciso demonstrar benef�cios e custos economicamente equipar�veis �s tecnologias j� usadas na sa�de p�blica, caso existam.
A articula��o pol�tica para barrar a nova lei e assegurar o poder da Anvisa j� � intensa nos corredores de Bras�lia. Movimento que inclui al�m da pr�pria ag�ncia reguladora, a ind�stria farmac�utica e parte da classe pol�tica. O que nos diz muito acerca das inten��es envolvidas.
A nova lei � um avan�o, ou um retrocesso? Depende do ponto de vista, e dos interesses do observador. A �nica certeza � que a medida � uma mudan�a em um sistema que absolutamente, n�o funciona. O que sem d�vidas, � positivo.
Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 15 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador e CEO do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.