
Foi uma conversa interessante, pois quanto mais a m�dica se queixava da injusta den�ncia (de fato, motivada por algo irrelevante) e do quanto aquele fato a abalou, eu n�o podia deixar de pensar no quanto aquele problema era “pequeno”, comparado aos que muitos outros m�dicos vivenciam diariamente.
N�o digo isso com a inten��o de diminuir o aborrecimento da m�dica, ou a import�ncia das sindic�ncias e processos �ticos. Mas nos �ltimos anos, as queixas e insatisfa��es dos pacientes (sejam justas ou n�o) t�m sido externadas por outro meio: as redes sociais. E neste ambiente, os efeitos tem sido devastadores.
As sindic�ncias e os processos �ticos que correm no �mbito dos CRMs tramitam de forma sigilosa, protegendo a identidade das partes. Nos �ltimos anos, mais de 50% dos processos �ticos em MG terminaram isentando o m�dico de qualquer responsabilidade. Mas caso tramitassem de forma p�blica, haveria um grande preju�zo � imagem do profissional, independente de culpa (por isso s�o sigilosos).
E esta � exatamente a t�nica das crises que diariamente ocorrem nas redes sociais, espa�o que se tornou “a pra�a p�blica da era moderna”. Neste ambiente, vivemos algo bem pr�ximo dos julgamentos p�blicos da idade m�dia. Pois diante de qualquer acusa��o, mesmo sem provas ou at� mesmo l�gica que a sustente, os “apedrejamentos virtuais” s�o violentos e cru�is.
Por este motivo, uma sindic�ncia ou processo �tico � a menor das injusti�as que pode ser cometida contra um m�dico, cirurgi�o dentista ou qualquer outro profissional que n�o errou. Pois embora traga in�meros inconvenientes e riscos ao profissional, seu bem mais valioso � preservado: a sua imagem e reputa��o.
Mas por que os pacientes tem se queixado pelas redes sociais, e n�o mais os meios tradicionais? A resposta � �bvia. O paciente que procura o conselho profissional, procura a valida��o t�cnica de suas queixas, e a puni��o do m�dico. Mas a decis�o s� ocorre ap�s a ampla defesa do profissional. O mesmo ocorre quando a demanda � levada � justi�a, onde at� uma per�cia m�dica ocorre, com a diferen�a de que naquele ambiente, o paciente pode ainda ser indenizado. Mas por ambos os meios, somente com a certeza de culpa.
Contudo, nas redes sociais o m�dico sequer possui a possibilidade de defesa. Pois as cr�ticas feitas pelo paciente, verdadeiras ou n�o, encontram nas redes sociais uma verdadeira legi�o de desocupados, praticantes da “cultura do cancelamento”. � espreita de uma oportunidade para destilar o “�dio do bem”, destruindo a imagem e reputa��o da v�tima, sem qualquer oportunidade de defesa. Protegidos pelas falsas sensa��es de anonimato e impunidade, os abutres virtuais descontam todas as suas frustra��es na v�tima da vez, assassinando em minutos reputa��es que foram constru�das em d�cadas de trabalho.
Em regra, os pacientes que levam suas queixas �s redes sociais s�o movidos pelo sentimento de vingan�a. Desejam causar preju�zo, atrav�s de um meio muito eficiente. Nestes casos, independente de terem raz�o em suas queixas, cometem uma s�rie de atos il�citos e crimes contra a honra, como cal�nia, inj�ria e difama��o (art. 138 a 140 do C�digo Penal). Isso sem falar no crime de persegui��o (art. 147-A). Em casos mais graves, o paciente busca tornar o m�dico seu “ref�m”, prometendo cessar a pr�tica il�cita caso receba a vantagem desejada. Situa��o na qual temos os crimes de denuncia��o caluniosa (art. 339) e at� extors�o (art. 158).
Ao contr�rio do que muitos pensam, a internet n�o � uma “terra sem lei”. Contudo, os anos de experi�ncia gerenciando crises me provaram que a maioria das pessoas n�o sabe disso, acreditando poderem publicar o que desejar sem responder pelos crimes cometidos, ou terem que indenizar pelos preju�zos causados.
Vivemos uma �poca de pessoas emocionalmente fr�geis, que sentem necessidade de se posicionar sobre qualquer assunto, independente de terem ou n�o algum conhecimento, ou dos impactos que podem causar. E atrav�s de perfis reais ou falsos, passam os dias destruindo a imagem e reputa��o alheia por mero prazer, alimentando o vazio que lhes consome a alma em suas frustra��es di�rias. Muitos internautas at� sabem da ilegalidade de seus atos e das responsabilidades envolvidas, mas creem estarem protegidos pelo anonimato (uma ilus�o, pois no ambiente digital todos s�o facilmente identific�veis).
Contudo, isso n�o diminui o dano causado � imagem e � reputa��o do profissional da sa�de. Pois � uma quest�o de horas para que a avalanche de cr�ticas nas redes sociais afete a agenda de consultas e cirurgias da v�tima, assim como toda a sua vida profissional e pessoal, agravando at� mesmo sua sa�de e conviv�ncia familiar. Danos irrepar�veis, independente da identifica��o e responsabiliza��o dos autores, e de qualquer indeniza��o futuramente imposta pela justi�a.
Um dos principais problemas � que a maioria dos profissionais da sa�de n�o trata estes casos adequadamente, e no momento certo. A tend�ncia de muitos � ceder � press�o do paciente. Sobretudo os cirurgi�es pl�sticos e demais profissionais da sa�de que trabalham com tratamentos ligados � est�tica (ainda que terap�uticos). E ceder � press�o � uma p�ssima sa�da, que s� aumenta a propor��o do problema e abre caminho para a perpetua��o das pr�ticas, al�m de processos judiciais e �ticos.
Portanto, � essencial que as crises de imagem em redes sociais sejam evitadas. Existem formas eficientes para mitigar os riscos, iniciando pelo alinhamento jur�dico do marketing m�dico. Pacientes com inclina��o a este tipo de conduta s�o identific�veis, e facilmente atra�dos por algumas estrat�gias de marketing.
� importante ter aten��o redobrada com os pacientes provenientes do marketing em redes sociais, pois estes tendem a se queixar pelo mesmo meio.
Manter uma boa rela��o com os pacientes � essencial, tendo especial aten��o �s suas queixas, pois antes de chegarem �s redes sociais, estas tendem a passar pela cl�nica. Possuir uma documenta��o m�dica consistente � o principal ponto do preventivo, pois esta ir� garantir o sucesso das medidas judiciais a serem tomadas, caso necess�rio.
Caso ainda assim ocorra uma crise, � importante que seja gerenciada adequadamente, no tempo certo e por um profissional adequado, com conhecimento e experi�ncia no assunto. O combate a esta atua��o il�cita e criminosa deve ser rigoroso e imediato. Pois diferente disso, em uma quest�o de horas, os preju�zos podem ser irrevers�veis.
- Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 15 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador e CEO do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.
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