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Estado de Minas SUELI VASCONCELOS

Aporofobia, o sentimento perverso que alimenta a desigualdade

A pobreza e a exclus�o social s�o caracter�sticas de uma sociedade que n�o garantem os direitos b�sicos dos seus cidad�os e que devem ser combatidas


29/11/2021 08:51

Morador em situação de rua
(foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Os ningu�ns: os filhos de ningu�m, os donos de nada.
Os ningu�ns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que n�o s�o, embora sejam.
Que n�o falam idiomas, falam dialetos.
Que n�o praticam religi�es, praticam supersti��es.
Que n�o fazem arte, fazem artesanato.
Que n�o s�o seres humanos, s�o recursos humanos
Que n�o t�m cultura, t�m folclore.
Que n�o t�m cara, t�m bra�os.
Que n�o t�m nome, t�m n�mero.
Que n�o aparecem na hist�ria universal, aparecem nas p�ginas policiais da imprensa local. Os
ningu�ns, que custam menos do que a bala que os mata.

Eduardo Galeano, O livro dos abra�os.

Ao publicar um artigo, em 1995, com o t�tulo Aporofobia, um neologismo originado do grego A-poros, pobre e Fob�o, avers�o, a fil�sofa espanhola Adela Cortina, criou um voc�bulo que ganha cada vez mais espa�o junto a um grupo, ainda seleto, de estudiosos, grupos filantr�picos, religiosos (no Brasil, o Padre J�lio Lancellotti o torna cada dia mais popular) e de lideran�as pol�ticas.

A fil�sofa, em seus artigos, afirmava que o uso comum da express�o xenofobia ou o racismo para rejeitar imigrantes ou refugiados n�o correspondia � toda a complexidade da quest�o, pois o �dio n�o era destinado � sua condi��o de estrangeiros, exclusivamente, mas sim � sua condi��o de ser pobre.

Era evidente que os estrangeiros abastados n�o sofriam rejei��o, pelo contr�rio, eram recebidos com cordialidade e, at� mesmo, com entusiasmo, alimentado pela expectativa dos rendimentos que poderiam gerar, as possibilidades de ganhos e empregos. Por outro lado, o mesmo sentimento n�o era similar �quele que era oferecido ao imigrante pobre e descapacitado.

A necessidade de uma express�o para esse "flagelo social sem nome" surgiu desse contexto. Dar um nome para identificar essa mol�stia social e buscar um tratamento eficaz no combate a esse mau.

O �dio aos pobres � expresso, principalmente, aos estrangeiros imigrantes, mas tamb�m aos exclu�dos de seu pr�prio pa�s e ,em uma escala um pouco menor, aos membros da pr�pria fam�lia. Muitos dos que vivem nas ruas foram v�timas de crimes de �dio. Devido � sua situa��o de exclus�o, tornaram-se mais indefesos.

Segundo os especialistas, o ser humano �, naturalmente, aporof�bico. O c�rebro humano funciona nos princ�pios do que � rec�proco (Homus Reciprocus). A esp�cie est� disposta a dar, se acaso receber. Como o pobre n�o pode fornecer, de acordo com essa premissa, nada mais que problemas, ele ser� marginalizado e exclu�do. Torna-se um p�ria social.

Em contrapartida, o sentimento inverso dados aos ricos � intensificado. � a "Plutofilia", neologismo tamb�m de origem grega (Plutos: riqueza, fortuna e Philos: amantes de, amigos) criado pelo escritor chileno, Agust�n Squella, que corresponde ao amor dedicado aos ricos e poderosos. Adam Smith j� discutia sobre isso no S�culo XIX. Smith afirmava que h� uma tend�ncia humana de admirar os ricos e desprezar os pobres.

Assim como a aporofobia define a rejei��o dos pobres ao confundir pobreza com defeito a plutofilia descreve o amor dos ricos, porque confunde riqueza com virtude.

As sociedades que n�o buscarem um mecanismo de equil�brio entre estas realidades, que comp�em as duas faces de uma mesma moeda, aumentar�o as desigualdades, que ampliam o fosso social constru�do por esse bin�mio.

� necess�rio que governos criem pol�ticas p�blicas s�rias e de longo prazo para as pessoas e lugares mais pobres, desprovidos de recursos. Sem a preocupa��o de receber algo em troca (votos, favores ou privil�gios). Abandonar o "Efeito Mateus" em que ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres.

Beneficiar a todos, independente de qualquer condicionante, colabora para a justi�a e o maior desempenho social. Torna o governo emp�tico e altru�sta, sentimentos que se tornam cada vez mais raros nos dias atuais. Agir dessa forma, � o meio mais justo e o mais inteligente, uma vez que o Estado � respons�vel pelos seus cidad�os, principalmente, os mais empobrecidos e desamparados.

A "ekipeKon�mica" que n�o colocar como prioridade tais pr�ticas, n�o � merecedora de credibilidade. Enquanto nutrirem gatos gordos s� aprofundar�o o abismo que ronda muitas das sociedades modernas desenvolvidas e subdesenvolvidas, como o Brasil. Ser avessa � desigualdade, vis�vel em cada canto, demonstra o eterno oportunismo de cooperar somente com aqueles que s�o capazes cooperarem com eles.

A redistribui��o das riquezas � poss�vel e mais urgente que o "aux�lio emergencial". Nas sociedades marcadas por extremas disparidades exigir impostos maiores para quem tem mais deveria ser regra e, assim, garantir investimentos mais robustos para as necessidades dos menos afortunados.

A taxa��o de grandes fortunas, propostas por alguns l�deres pol�ticos, como o projeto de lei que tramita no senado, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues/ Rede-AP (PLP 101/2021) e da norte-americana, de descend�ncia porto-riquenha, Alexandria Ocasio-Cortez, Congressista de Nova Iorque, deveriam ganhar mais urg�ncia. Bem administrados, esses recursos, oriundos dos impostos proporcionais ao padr�o de riqueza, criariam uma igualdade de oportunidades e, certamente, impactaria positivamente a vida dos menos favorecidos.

O homem econ�mico - aquele que sempre se comporta de uma forma estritamente ego�sta em busca de maximizar sua satisfa��o econ�mica- deve ceder um pouco mais ao ser humano real, que n�o possui tanto.

Somado a esse esfor�o, a educa��o tem um papel primordial na redu��o da desigualdade. Os pa�ses que oferecem educa��o e maior cultura, garantem aos seus cidad�os melhores condi��es de explorar seus recursos e potencialidades. A educa��o tem o poder de mitigar o impacto da pobreza.

O ganhador do Nobel de economia (1998), o indiano Amartya Sem, diz que pobreza � a falta de liberdade para implementar planos de vida valiosos. Uma popula��o instru�da � muito mais livre e, portanto, mais rica no que realmente importa.

A sociedade tem que se posicionar em defesa de uma cultura moral e pol�tica, baseada no respeito � dignidade de todos os indiv�duos, constru�da a partir de uma igualdade da educa��o e das institui��es. N�o fazer nada n�o implica que uma coisa n�o leva a outra. Uma coisa impedir� a outra.

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