O meio ambiente est� perdendo a luta para os combust�veis fosseis. H� quase um ano, o mundo se reuniu em Glasgow, na Esc�cia, para a COP 26 para tratar de quest�es clim�ticas globais. Muito foi discutido e prometido. Mas, entre o que se fala e o que se cumpre, h� um grande abismo alimentando as contradi��es humanas.
Um dos casos mais recentes desses paradoxos envolve a venda de campos de g�s natural e petr�leo na Rep�blica Democr�tica do Congo (RDC). O presidente F�lix Tshisekedi anunciou em julho a venda dos combust�veis fosseis alojados na Floresta do Congo, a segunda maior floresta tropical do mundo (perde somente para a Floresta Amaz�nica, que tamb�m registra recordes de devasta��o).
Esse mesmo l�der, que durante a COP 26 pediu ajuda de mais de US$ 500 milh�es (e conseguiu!) para proteger o meio ambiente, coloca � venda seus recursos f�sseis, o que poder� ter um efeito nefasto sobre o clima global, o meio ambiente e comunidades locais.
De acordo com o New York Times, h� possibilidade de ganhos anuais de mais de US$ 30 bilh�es, se a extra��o de mais de milh�o de barris de petr�leo/dia, divulgada pelo governo, se confirmar. Essas cifras enchem os olhos mais ambiciosos, mesmo que o pre�o a ser pago seja infinitamente superior a m�dio prazo, devido aos impactos que podem acarretar.
Entretanto, a �rea � venda abriga a maior turfeira tropical do mundo (espessas camadas de mat�ria org�nica, parcialmente decomposta, que se formaram ao longo de milhares de anos e que armazenam enorme quantidades de carbono), com mais de 165 mil km² de �rea dentro da floresta (1/3 desse territ�rio encontra-se na vizinha Rep�blica do Congo).
Essa regi�o consome mais CO2 que libera, sendo um sumidouro importante de GEEs (Gases de Efeito Estufa). A explora��o liberaria na atmosfera o equivalente a tr�s anos de todas as emiss�es globais de carbono, segundo os estudos realizados, divulgados no site The Conversation.
O ministro do Meio Ambiente congol�s utilizou o seguinte argumento para a degrada��o que deve acompanhar o processo explorat�rio: “N�s nos importamos mais com os seres humanos do que com os gorilas. Temos um dever para com nosso povo (estimados em quase 100 milh�es de habitantes), n�o com as ONGs”.
A RDC � cortada pela linha equatorial, o que explica as semelhan�as t�rmicas, pluviom�tricas e de biodiversidade com a Amaz�nia. O volume elevado e regular de chuvas ao longo do ano encharca os solos que abrigam as turfeiras, que concentram mais carbono que a pr�pria floresta.
Os �ltimos estudos indicam turfeiras com mais de seis metros de profundidade a poucos quil�metros dos rios e concentram uma reserva gigantesca de Carbono (C), estimada em 1712 toneladas de C por hectare. Somadas, as reservas totalizariam entre 26 a 32 bilh�es de toneladas de C no subsolo.
Esse ambiente pantanoso explica a maior concentra��o da popula��o no interior do Congo. A �rea da foz do Rio Congo (rio principal da maior bacia hidrogr�fica africana), que se estende pela fronteira mar�tima do pa�s com, aproximadamente, 40 quil�metros de extens�o, tem baixa densidade demogr�fica.
O ambiente lamoso dificulta a ocupa��o humana no litoral, contrariando uma tend�ncia mundial. Entretanto, esse fato n�o impede a presen�a de v�rias comunidades, que vivem sobre as turfeiras, dependem desse ecossistema e do equil�brio existente para a sua sobreviv�ncia, al�m da prote��o da flora e fauna regional, entre elas, a maior popula��o dos gorilas-das- montanhas do mundo.
A decis�o do governo do Congo pode comprometer um ambiente formado ao longo dos �ltimos 10 mil anos, mas mapeados, efetivamente, somente a partir de 2017. Portanto, a riqueza que abriga � ainda desconhecida pelo homem. H� um risco que seja destru�da sem que a humanidade tenha real compreens�o da complexidade que deu origem a esse sistema �nico nos tr�picos.
Alimentado pelo falso nacionalismo governamental e amparado pela �nsia europeia de encontrar um substituto ao g�s russo, o futuro do clima e da pr�pria natureza pode ser mais dram�tico que o estimado. H� cada vez mais l�deres africanos buscando estrat�gias para um fortalecimento econ�mico, sem a perda da autonomia sobre seus recursos naturais. O presidente Tshisekedi vai na contram�o dessa tend�ncia ao leiloar seus campos de petr�leo e g�s.
A pouco cr�vel pol�tica de crescimento econ�mico, voltada para o benef�cio da sociedade, fortalece as pr�ticas neocoloniais no pa�s. Nesse jogo, a popula��o foi sequer consultada, nenhuma a��o de prote��o ambiental foi elaborada, como divulgado h� menos de um ano, o que levou a ONU ao regozijo.
As grandes corpora��es energ�ticas, que buscam uma alternativa contra a depend�ncia � energia russa, ignoram os compromissos assumidos no passado de descarbonatar os meios produtivos. A quest�o clim�tica e ambiental � substitu�da pelos interesses econ�micos, mantendo o padr�o de sempre.
As economias desenvolvidas, aparentemente, esqueceram as promessas de engajamento com pol�ticas e a��es de combate ao aquecimento global. Salvar o estilo de vida, baseado no consumo intensivo de carbono, � considerado priorit�rio, � uma grande contradi��o. � como se despertos, continu�ssemos dormindo. Nada de novo debaixo do sol.