
O an�ncio, em 2010, das na��es-sede do maior evento do futebol mundial – R�ssia e Catar- foi marcado por uma s�rie de suspeitas de ilegalidade. A concess�o foi alvo de processos question�veis sobre os dois pa�ses, envolvendo volumes assombrosos de dinheiro para a compra de votos que garantiram o direito de sediar a competi��o.
Era not�rio que a R�ssia, o pa�s organizador do evento em 2018, n�o era nenhuma grande representa��o de governo que respeita os direitos humanos e territoriais. Houve at� a possibilidade de um boicote esportivo por parte de algumas na��es, principalmente, entre os europeus, ap�s a anexa��o da Pen�nsula da Crimeia (2014). Esse poss�vel boicote, entretanto, n�o teve muito sucesso e todos os times vitoriosos nas seletivas estiveram presentes.
Isso n�o impediu uma san��o diplom�tica de diversas lideran�as mundiais e a recomenda��o de na��es africanas aos seus jogadores para n�o irem ao pa�s, devido aos numerosos casos de racismo registrados nos anos anteriores ao evento. Isso levou a FIFA a implementar procedimentos que poderiam levar at� � paralisa��o da partida pelo �rbitro, em caso de constata��o de insulto racista ou discriminat�rio, desde 2017.
Todavia, o dinheiro sempre fala mais alto, mesmo quando envolve decis�es muito controversas. Tal fato n�o poupa nem os patrocinadores bilion�rios. As grandes empresas patrocinadoras, como Nike e Adidas, s�o acusadas por organiza��es n�o governamentais (ONGs) de produzirem seus artigos a custos baix�ssimos, em pa�ses mais baratos que a China, pois garantem lucros estratosf�ricos a essas empresas. Tudo isso “em nome do esporte”.
A 22ª Copa do Mundo de Futebol, iniciada ontem, em Doha, capital do Catar, foi marcada por suspeitas de corrup��o, espionagem, lobby e propinas, desde o an�ncio h� 12 anos: foi o que derrubou o principal advers�rio, os EUA, numa vota��o de 14 a 8 votos favor�vel ao min�sculo territ�rio, sem tradi��o no esporte, desprovido de rios e lagos, mas riqu�ssimo em petr�leo.
A situa��o, atualmente, foi agravada pelas condi��es dos trabalhadores imigrantes que constru�ram os est�dios no emirado, apontada como grav�ssima. O pequenino estado de 11,5 mil km² (Tarumirim-MG, cidade natal da colunista, tem mais de 731 mil km²) construiu oito est�dios ultramodernos, de 40 mil a 80 mil lugares, totalmente climatizados devido ao calor severo, mesmo no �rido outono, esta��o in�dita em que ocorrer� o torneio.
Os gastos de energia, mesmo que parte seja de fonte solar, gerar�o impactos ambientais bem expressivos, contrariando todas as recomenda��es dos �rg�os ambientais globais, principalmente ao findar da 27ª Confer�ncia das Partes (COP 27), no Egito, na �ltima semana.
Estima-se que milh�es de toneladas de CO2 ser�o emitidas (segundo a ONG Carbon Market Watch ser�o mais de 3,6 milh�es de toneladas de CO2, superior �s �ltimas edi��es do evento) devido ao sistema de ar-condicionado dos gigantescos est�dios, que ser�o acionados quando as temperaturas atingirem patamares mais elevados. Somam -se a isso os voos di�rios, um a cada dez minutos,, provenientes dos pa�ses vizinhos, especialmente de Dubai, onde a maioria estimada de mais de um milh�o de torcedores deve ficar hospedada, em parte, por causa da libera��o do consumo de �lcool e mais op��es de lazer.
O pa�s, com frequ�ncia, � criticado internacionalmente pelas pesadas emiss�es de Gases de Efeito Estufa (GEEs), produzindo cerca de 50 toneladas de di�xido de carbono (CO2) por ano (� o maior emissor per capita de CO2 do mundo). As promessas ambientais feitas no passado n�o devem se concretizar. A limpeza da imagem externa n�o deve se concretizar.
Quanto aos trabalhadores, o alerta havia sido feito, desde 2013, pelo jornal ingl�s The Guardian, que previa a morte de mais de 4 mil oper�rios (n�meros hoje dif�ceis de comprovar pela n�o clareza da causa da maioria das mortes ocorridas nesse per�odo) at� a conclus�o das obras, devido �s condi��es de explora��o similares � escravid�o moderna.
A investiga��o do peri�dico indicava que os principais alvos eram os trabalhadores estrangeiros, em especial de nepaleses, correspondentes a 40% dos oper�rios imigrantes nos campos de obras.
Essa m�o de obra foi exposta a trabalhos for�ados, em condi��es t�rmicas superiores a 50° C no ver�o, quando o pa�s se transforma numa fornalha a c�u aberto, sem �gua pot�vel, dormindo ao meio-dia em quartos de hotel insalubres, v�timas de doen�as, quase nunca reconhecidas para n�o gerar indeniza��es aos empregadores. Relatos e den�ncias dos oper�rios, trabalhando mais de 12 horas sem alimentos, eram corriqueiros, mas ignorados. Suspens�o dos sal�rios para evitar fugas eram recorrentes, sob a justificativa de pagamento dos empr�stimos feitos, com taxas exorbitantes, para a longa viagem do topo do Himalaia �s terras des�rticas do Golfo P�rsico.
Tudo isso com o quase total aval das autoridades do Catar, uma vez que as leis trabalhistas sofreram pequenas mudan�as. Uma delas foi o desmantelamento tardio (2020) da Kafala, um sistema de tutela da lei isl�mica, que sujeita o trabalhador a um “patrocinador”, e este permite pouca mobilidade ao oper�rio e favorece trabalhos for�ados.
As investiga��es mais amplas nunca foram realizadas para punir os respons�veis pelas prec�rias condi��es trabalhistas, mesmo com a instala��o, ap�s as dela��es, de um escrit�rio da Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT), em Doha, desde 2017.
Dessa forma, praticamente, tudo o que for visualizado nos grandes empreendimentos que sediar�o as equipes e os jogos da Copa do Mundo de 2022, estar�, de alguma forma, manchado de sangue das pequenas m�os asi�ticas.
Al�m das quest�es trabalhistas, o pa�s mu�ulmano � conhecido por leis severas, que tornam proibidas, entre outras coisas, a homossexualidade. Quando Joseph Blatter, ex-presidente da FIFA, foi questionado sobre esse fato, a resposta foi: “acho que os torcedores gays deveriam se abster de atividades sexuais”. Esse tipo de resposta n�o ser� comentada, mas exp�e o lado sombrio da for�a esportiva, pela a despreocupa��o com o desrespeito aos direitos civis praticados no pequeno territ�rio, em especial aos grupos LGBTQIA .
Espera-se que a tradicional hospitalidade dos povos �rabes seja mantida durante os 28 dias dos jogos e que a forma de vida da esfera privada n�o seja um obst�culo ao espet�culo que o p�blico, geralmente, promove nesse per�odo.
Um fato claro da resist�ncia externa � a aus�ncia de v�rios artistas internacionais na abertura do evento, como Rod Stewart, Shakira, Dua Lipa ,entre outros, que recusaram sua participa��o, como forma de protesto pelas den�ncias que envolvem o pa�s-sede.
Mas tudo isso parece ser in�til quanto a uma discuss�o mais politizada. Apenas nos uniformes de alguns times, a maioria europeus, haver� alguma demonstra��o de protesto. Nenhuma das trinta e duas federa��es presentes, nenhum jogador ou mesmo uma ONG defendeu um boicote amplo, como ocorreu durante as “Olimp�adas de Inverno em Beijing-China”, no in�cio deste ano.
H� sempre dois pesos e duas medidas, e essa n�o � uma preocupa��o da FIFA. O que importa s�o lucros, e estes ser�o alt�ssimos. Assim, molda-se a sociedade. O “show” deve continuar.
