
Mas, apesar dos esfor�os, o continente permanece como grande consumidor das fontes cl�ssicas esgot�veis de energia e a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia, em fevereiro de 2022, evidenciou essa forte depend�ncia da Uni�o Europeia (UE) em rela��o aos f�sseis, especialmente daqueles oriundos dos territ�rios russos e a sua vulnerabilidade no estrat�gico cen�rio energ�tico.
Nessa busca para garantir maior seguran�a de energia, alguns pa�ses da UE e outras na��es, como o Jap�o (desde o acidente nuclear de Fukushima, em 2011, que o setor estava enfraquecido) sinalizam uma retomada dos investimentos no setor nuclear, ap�s d�cadas de desest�mulo a essa fonte.
O conflito exp�s a emerg�ncia de a��es mais eficientes na gera��o de energia e mudan�as no padr�o de consumo. Para a maioria dos analistas, � imperativo a Europa inovar na seguran�a energ�tica e consumir menos (a tarefa mais �rdua).
A guerra fortaleceu os �nimos dos defensores da elimina��o da depend�ncia russa e o retorno do setor nuclear. Como exemplo disso, a B�lgica, que previa sair dessa fonte de energia at� 2025, voltou atr�s na decis�o com a amplia��o de dois dos seus reatores.
Essas necessidades energ�ticas europeias colocaram as duas mitol�gicas e principais economias do bloco - Alemanha e Fran�a-, em lados opostos. A primeira, possui um Partido Verde forte, embasado em uma longa trajet�ria de defesa de fontes renov�veis, mais sustent�veis de energia; a segunda, por sua vez, possui enorme depend�ncia da fonte nuclear, n�o renov�vel, geradora de praticamente 80% da eletricidade consumida no pa�s. Anteriormente, buscava-se reduzir essa subordina��o, com investimentos na diversifica��o da matriz energ�tica francesa.
A Fran�a, de Emmanuel Macron, muda a postura e torna-se a grande defensora da perman�ncia e retomada at�mica enfrentando a resist�ncia das lideran�as alem�s. Os germ�nicos apostam em completar a transi��o ecol�gica sem recorrer � energia at�mica de baixo carbono. A prova disso � que a Alemanha desativou seus tr�s �ltimos reatores nucleares h� um m�s.
Todavia, a guerra da Ucr�nia obrigou o pa�s a intensificar o uso das fontes t�rmicas, colocando em risco seus objetivos clim�ticos, e a popula��o alem� avalia, com certa preocupa��o, a decis�o de abandonar o setor nuclear: 59% acreditam que essa � uma estrat�gia ruim. A influ�ncia dos “lobbies” f�sseis, que espalham medo junto aos movimentos populares, para desacelerar os investimentos nas fontes renov�veis pode explicar esses percentuais.
Desde 2012, quando a ex-chanceler, �ngela Merkel, abandonou a energia fotovoltaica – considerada pelos seus apoiadores, ligados ao setor f�ssil, na �poca, pouco atrativa – a ind�stria de pain�is solares foi � fal�ncia. A primeira do ramo no mundo hoje � uma sombra do passado. Os chineses, sempre eles, por sua vez, vision�rios, enxergaram ali o futuro e hoje respondem por 98% da produ��o mundial dessa tecnologia.
Os “macronistas”, defensores de uma “Europa at�mica”, s�o representados por 11 dos 27 pa�ses do bloco, quase todos da antiga Europa Oriental. A �ustria (que nunca teve nenhuma usina do ramo), Su��a e It�lia (que abandonou, em 1975, os investimentos nucleares) n�o se posicionaram de forma favor�vel ao retorno energ�tico do �tomo.
O lixo nuclear � um dos principais argumentos contr�rios ao desenvolvimento da energia at�mica, perigoso e alto custo de armazenamento hoje e para as gera��es vindouras, mesmo que n�o sejam beneficiadas pela produ��o dessa energia.
Al�m dos riscos de acidentes, como ocorreu em Three Mile Island/EUA (1979), em Chernobyl/Ucr�nia (1986) e Fukushima/Jap�o (2011), teme-se o agravamento da guerra e os riscos que envolvem a usina de Zaporizhzhya, a maior da Europa, que se encontra na �rea controlada pela R�ssia, ao sul da Ucr�nia e que se torna alvo constante de preocupa��es pelos bombardeios que ocorrem nas proximidades. A tentativa recente de criar uma zona desmilitarizada nas imedia��es da usina, proposta pela Ag�ncia Internacional de Energia At�mica/AIEA, foi frustrada.
Globalmente, o �tomo gera menos de 3% da energia consumida, mas desencadeia uma verdadeira onda de paix�o por ser considerado uma fonte de energia limpa e com uma rela��o custo-benef�cio favor�vel do ur�nio, comparada aos f�sseis. Uma reduzida quantidade de ur�nio � capaz de substituir toneladas de carv�o mineral, altamente poluente. A pol�tica pr�-nuclear se fortalece e balan�a nas velas da produ��o dessa energia como baixo emissor de CO2.
Na Finl�ndia, um pouco na contram�o das dire��es adotadas anteriormente no continente, inaugurou, recentemente, o reator Olkiluoto, o mais potente da Europa e ir� produzir 15% da energia do pa�s, o que reduzir� ou at� eliminar a depend�ncia da importa��o de energia pelos finlandeses. Segundo os t�cnicos e engenheiros, essa usina tem capacidade para abastecer 3,6 milh�es de carros el�tricos por ano.
A Fran�a divulgou o lan�amento de seis novas usinas, at� 2035, mesmo que n�o seja t�o lucrativo devido aos custos estratosf�ricos que envolvem essas obras. O pa�s aposta tamb�m no hidrog�nio como fonte futura, em expans�o. Mas os processos de produ��o de tal recurso s�o incertos e encontra-se na inf�ncia da tecnologia a ser implantada.
Todas as propostas dos “macronistas” atenderiam �s exig�ncias para, at� 2050, os pa�ses do G7 (EUA, Jap�o, Alemanha, Fran�a, Reino Unido, Canad� e It�lia) alcan�arem a neutralidade de carbono, bradam em un�ssono.
Atualmente, a energia nuclear representa, aproximadamente, 10% da eletricidade global, com 422 reatores em 32 pa�ses. Os EUA s�o os l�deres com 92 usinas, � frente da Fran�a (56), China (56) e R�ssia (37), mas Beijing � quem mais aumenta sua capacidade, com 19 reatores sendo constru�dos.
A R�ssia, por sua vez, possui a maior capacidade de enriquecimento de ur�nio e construiu a maioria dos reatores fora do pa�s, como na Hungria, atrav�s do gigantesco cons�rcio p�blico, ROSATOM, o maior do mundo. O Brasil faz parte do seleto grupo dos pa�ses que dominam a tecnologia de enriquecimento de ur�nio, com uma das tecnologias mais avan�adas j� desenvolvidas, mas a produ��o � insuficiente para as usinas de Angra dos Reis, da� a parceria com a R�ssia para suprir as necessidades nacionais.
A expans�o da for�a do �tomo ter� como consequ�ncia o aumento da depend�ncia do ur�nio, encontrado naturalmente em minas espalhadas pelo mundo, como ocorre em Caetit�, na Bahia (o Brasil possui a sexta maior reserva global). Hoje 45% da produ��o mundial � originada do Cazaquist�o, 12% da Nam�bia, 10% do Canad�, 9% da Austr�lia, 7% do Uzbequist�o, 5% da R�ssia e 5% do N�ger.
A verdade � que a Europa est� dividida. Os defensores afirmam que emite menos CO2 que a fonte solar ou e�lica, sendo fundamental para garantir a seguran�a energ�tica e a neutralidade carb�nica para os pa�ses europeus. Os opositores recha�am afirmando que a Europa � capaz de oferecer energia e�lica, maremotriz, geot�rmica, solar etc. sem a necessidade de expans�o de um setor de risco como nuclear.
Nessa queda de bra�os, os respons�veis pelas pol�ticas energ�ticas europeias inclu�ram tamb�m o hidrog�nio, a partir da energia nuclear, como uma das fontes alternativas renov�veis.
Existe uma certa ironia nessa proposta at�mica: a expans�o da fabrica��o reatores depende das tecnologias russas e chinesas. H� uma depend�ncia do enriquecimento, que na ordem de 50% da produ��o mundial, � dominado pela R�ssia (o ur�nio enriquecido usado nas usinas franceses vem de l�).
Se para os europeus � dif�cil hoje negociar com a R�ssia e defendem a interrup��o da compra do g�s do pa�s, ora, o mesmo deveria ser feito com o ur�nio. Mas as teias dos interesses econ�micos s�o complexas e, quase sempre, arbitr�rias. Do ponto de vista geoestrat�gico, � quase seis por meia-d�zia.
Para o mundo, n�o somente para a Europa, h� duas estrat�gias: reduzir o consumo ou produzir energia a partir dos desfossilizados. Entretanto, a redu��o exige tempo e desejo, o que � muito dif�cil. Assim, retomar o caminho da energia nuclear � considerado mais f�cil, apesar dos custos exorbitantes. Como sempre, entre o caolho e o cego, fica-se com o caolho.