
Nesse ambiente ainda tenso da Grande Guerra, reuniram-se 730 delegados de 44 pa�ses (entre eles, o Brasil), com o objetivo de definir os contornos da nova arquitetura financeira internacional ao findar do conflito, intermediado pelo anfitri�o.
John Keynes (norte-americano) e Harry Dexter White (brit�nico) s�o os protagonistas desse encontro, com propostas distintas: o primeiro defende a cria��o de uma moeda internacional, e o segundo defende a ideia de um sistema de padr�o-ouro, em que todas as moedas estejam atreladas ao d�lar. White sai vitorioso.
Os Estados Unidos possu�am a maior parte das reservas do metal amarelo e surgiam como a maior for�a econ�mica do p�s-guerra. Com essas credenciais, o pa�s ir� ditar as pol�ticas econ�micas futuras. O sistema definido em Bretton Woods fixou o d�lar em rela��o ao ouro, na paridade de U$$35 por on�a (28,35 gramas). Praticamente, um d�lar seria equivalente a um grama de ouro. As demais moedas teriam taxas de c�mbio fixas, por�m ajust�veis em rela��o ao d�lar.
A paridade d�lar-ouro torna a moeda dos EUA a �nica convers�vel ao precioso metal nos anos seguintes, tornando-a o padr�o monet�rio internacional para as reservas cambiais e transa��es comerciais globais.
A gl�ria do d�lar ser� mantida inalterada at� o in�cio dos anos de 1970. O cen�rio come�a a se modificar ap�s os sucessivos d�ficits externos da balan�a comercial dos EUA, com o aumento persistente da infla��o; o grande ac�mulo de d�lares nos bancos centrais europeus e japoneses, assim como a redu��o das reservas de ouro norte-americanas explicam a altera��o desse modelo de paridades fixas. Nixon, presidente dos Estados Unidos, suspende, de forma unilateral, temporariamente, a conversibilidade do d�lar ouro, em 1971.
O primeiro choque do petr�leo, em 1973, confirma a inviabilidade do modelo anterior com o agravamento do endividamento Internacional. O fracasso do sistema estabelecido em 1944 ocorre com a retomada definitiva das taxas de c�mbio flutuantes, ap�s a crise petrol�fera. O sistema Bretton Woods entrou em colapso, e o ouro foi negociado livremente nos mercados mundiais.
Apesar da ruptura do modelo de paridade estabelecido no p�s-guerra, o dom�nio do d�lar permaneceu inabal�vel, com nenhuma moeda se colocando � frente da moeda estadunidense ao longo dos anos, nem mesmo o Euro ou o Iene, do Jap�o. Ao longo de todo esse per�odo, os EUA usaram o poder monet�rio para controlar o mundo, muitas vezes com chantagens e coer��o, deixando vulner�veis aqueles pa�ses que iam na contram�o das pol�ticas defendidas pelo Tio Sam.
Todavia, todo esse poder hegem�nico do d�lar pode estar com os dias contados. Talvez pela pr�pria postura dos EUA em transformar seu poderio em uma cont�nua forma de subjugar os demais pa�ses, com san��es cada vez mais severas e bloqueio dos ativos internacionais daqueles que contrariam os status quo por eles defendido, como � o caso da Venezuela, R�ssia, Ir�, Afeganist�o, L�bia etc.
O aumento da aplica��o da Lei da Extraterritorialidade pelos Estados Unidos intensificou o temor dos pa�ses estrangeiros em rela��o ao pa�s e � sua moeda. O simples fato da posse de d�lares por uma empresa estrangeira pode torn�-la imediatamente alvo de investiga��o, pois considera que h� uma viola��o da lei americana.
Dessa forma a moeda dos EUA n�o � apenas uma ferramenta de domina��o monet�ria, mas tamb�m uma alavanca legal de opress�o, que amplia o risco � soberania de todos os agentes econ�micos. Um pre�o alto, devido a essa interpreta��o legal pelos estadunidenses, j� foi pago por muitas empresas francesas, chinesas e iranianas.
Assim, aos poucos, largos passos est�o sendo dados na dire��o contr�ria aos interesses do l�der do Ocidente. V�rias na��es asi�ticas e africanas buscam uma alternativa � onipot�ncia do d�lar. Mais de 25 pa�ses j� negociam com a China utilizando o yuan, a moeda chinesa. R�ssia e �ndia, duas economias emergentes gigantescas, j� realizaram as primeiras trocas comerciais com moedas distintas do d�lar.
O governante da Ar�bia saudita, tradicional aliado dos EUA, atrav�s do ministro da economia, exp�s claramente que est� aberto a comercializar o petr�leo em outras moedas, abdicando da exclusividade dos petrod�lares, uma posi��o que se repetiu com os Emirados �rabes Unidos e outras na��es do Oriente M�dio.
Nesse cen�rio constru�do nos �ltimos anos, mas fortalecido desde a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia, novas pol�ticas monet�rias s�o, de forma recorrente, divulgadas. E o Brasil, sob o governo Lula, anuncia mudan�as nas suas trocas comerciais. Na sua visita � China na �ltima semana, em um evento primoroso realizado pela diplomacia chinesa, o l�der brasileiro, no seu discurso, reafirmou o acordo entre ambos de dispensar a moeda dos EUA nos c�mbios entre os dois pa�ses.
Isso permitir� que a China, o principal rival do dom�nio econ�mico dos EUA, e o Brasil, a maior economia da Am�rica Latina, conduzam suas transa��es comerciais e financeiras diretamente, trocando yuan por reais e vice-versa, em vez de usar o d�lar. A China, a segunda maior economia do mundo, tem acordos semelhantes com a R�ssia, o Paquist�o e v�rios outros pa�ses.
H� toda uma tend�ncia em tirar o d�lar do trono que ocupa desde os anos 30 do s�culo passado. N�o significa que a tarefa seja f�cil. Tudo isso demanda tempo e um pouco de sorte a favor dos esteios antid�lar. Mas n�o h� na hist�ria nenhuma moeda que tenha perdurado para sempre como o basti�o da domina��o econ�mica. Outras, no passado, como a libra esterlina, foram robustas at� que deixaram de ser. Isso tamb�m pode ocorrer com o d�lar.
Como pano de fundo de todo esse contexto que o mundo vivencia, est�o as disputas externas entre EUA e China, que se agravam cada vez mais. A possibilidade de perda da supremacia econ�mica mundial para os chineses (considerada inevit�vel por um n�mero crescente de analistas geopol�ticos em curto espa�o de tempo) incomoda e tira o sono dos l�deres ocidentais, especialmente, dos norte-americanos. Barrar os avan�os chineses tornou-se uma prerrogativa das lideran�as dos EUA, seja entre republicanos, seja entre democratas.
As estrat�gias incluem, entre outras coisas, impedir que fortale�a a pol�tica vision�ria de Xi Jinping, l�der m�ximo chin�s, atrav�s do programa Belt and Road Iniciative (BRI), lan�ada h� quase uma d�cada, que prev� a instala��o de uma fabulosa infraestrutura para trocas comerciais terrestres e mar�timas entre a China e Ocidente, como na antiga Rota da Seda.
Entretanto, a China n�o demonstra tanta pressa na internacionaliza��o do yuan. O pa�s busca, ao que tudo indica, uma maior autonomia estrat�gica e diversifica��o no plano monet�rio.
Enquanto isso, os ideais do American First, propagados pelo ex-presidente Trump, ironicamente, podem se concretizar e a “Am�rica” voltar-se para ela, perdendo a hegemonia de d�cadas, tanto do ponto de vista geopol�tico como monet�rio.
� evidente que isso n�o ocorrer� de forma sutil. Os norte-americanos v�o reagir com ferocidade para evitar que tal cen�rio se construa de fato. Compreender como uma moeda se torna o s�mbolo soberano das reservas globais e como perde esse posto pode ser um passo. A primazia do d�lar pode n�o ser eterna. E isso n�o representar� apenas uma �poca de mudan�as, mas certamente uma mudan�a de �poca. Agora, � ficar � espreita!