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Estado de Minas ARTIGO

O medo das vulnerabilidades e os reflexos nas rela��es sociais

As pessoas que abandonaram o que pensavam que deveriam ser, para serem elas mesmas, s�o mais conectadas e mais felizes


17/07/2023 06:00 - atualizado 16/07/2023 11:55
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Ilustração colorida com a imagem de várias pessoas
Hoje dizer o primeiro eu te amo, chamar para o primeiro encontro, iniciar algo sem garantias ou dar o primeiro passo gera dores extremas, pois s�o atos que criam inseguran�as e barreiras �s conex�es com os outros (foto: Gerd Altmann/Pixabay)
Estamos vivendo em um momento hist�rico marcado por valores regidos pela alta competi��o, o melhor desempenho e a depend�ncia de uma avalia��o positiva sempre. Tudo isso estimula a compara��o com as demais e a deturpa��o da realidade. Temos a exig�ncia social de sermos sempre fortes e capazes de superar todas as agruras que possam surgir. Um mundo idealizado na for�a, onde os fracos n�o t�m voz. 

As imagens das m�dias sociais retratam a utopia dessa sociedade, que esconde suas fragilidades e o fato de que est� deprimida, ansiosa e se sentindo cada vez mais solit�ria, mesmo que a humanidade permane�a em crescimento. Somos oito bilh�es de pessoas e, ainda assim, a solid�o � um mal que atinge a muitos.   

O medo de expor as pr�prias limita��es cria indiv�duos inseguros e temerosos de serem vistos como incapazes. Sentimentos considerados totalmente humanos e importantes para o reconhecimento pr�prio s�o negados ou pouco vivenciados.  A aus�ncia de demonstra��o das fraquezas humanas explica parte das dificuldades que afetam a humanidade e est� no ber�o das doen�as modernas, muitas delas letais. 

Hoje dizer o primeiro eu te amo, chamar para o primeiro encontro, iniciar algo sem garantias ou dar o primeiro passo gera dores extremas, pois s�o atos que criam inseguran�as e barreiras �s conex�es com os outros. Uma das express�es de felicidade � estar conectado aos demais, mas isso esbarra no reconhecimento das debilidades que marcam o homem. 
 

N�o viver as pr�prias vulnerabilidades impede o crescimento pessoal e dificulta estabelecer a hist�ria de cada um nesta breve passagem chamada vida. As pessoas est�o com vergonha de se mostrar como realmente s�o, como se isso fosse a sinaliza��o de abandono no fundo do po�o social e profissional.  A vergonha de que se possa descobrir algo pessoal e que isso afastar� os que est�o pr�ximos est� criando uma horda de pessoas mais tristes e inseguras. 

As fraquezas humanas foram anestesiadas, mas n�o h� como fazer isso sem perder a ternura. Na confus�o do entorpecimento da vulnerabilidade, o que era incerto tornou-se o certo. A religi�o passou de uma cren�a na f� e no mist�rio para a certeza: eu estou certo e voc� est� errado, ent�o cale-se. Quanto mais medo se tem, mais vulner�vel fica o indiv�duo. Tais comportamentos afetam at� a pol�tica. Hoje n�o h� menos discurso, h� pouca conversa, h� apenas a culpa e isso leva �s guerras. 

O importante � ter sucesso, nunca envelhecer (basta mirar os mirabolantes artif�cios da eterna juventude) e ter disposi��o para sempre inovar e superar as falhas.  Esses comportamentos s�o mais valorizados que gestos simples, como um sorriso (que evidencia as rugas), uma gentileza, um agradecimento, 

A vida � uma grande coleta de dados pessoais. Esses dados constroem a trajet�ria de cada um e � a base de uma civiliza��o ao longo do tempo. Negar as limita��es individuais, de uma forma coletiva, pode criar, em um futuro n�o t�o distante, uma sociedade fragmentada, inconclusiva e sem os pequenos e valorosos gestos que nos distinguem de todas as demais esp�cies deste planeta. 

Algu�m disse que, se voc� n�o pode medir algo, este algo n�o existe. Assim, ao n�o expor os pontos fracos e medi-los, n�o os reconhecemos e eles se tornam inexistentes. A vergonha de admitir essa peculiaridade est� na raiz da falta de empatia e da aus�ncia de conex�o com os grupos circundantes. Os demais parecem fracos perante toda a opul�ncia da capacidade desenvolvida, sem m�culas. 

As certezas criadas por esta sociedade pouco gentil impedem a afetividade e os di�logos s�lidos, necess�rios �s mudan�as nas rela��es humanas. Na contram�o, cria-se uma sociedade que faz julgamentos moralizantes sobre as pessoas que n�o correspondem aos pr�prios valores, e elabora compara��es permanentes, desconsiderando as capacidades individuais e estabelece culpas alheias aos erros, transferindo as responsabilidades dos pr�prios atos.

A consequ�ncia de tudo isso � o crescimento do individualismo e de um grupo social pouco emp�tico ao outro. As mudan�as que se espera do mundo partem da microescala do indiv�duo. Mas n�o h� disposi��o para isso. Ent�o o homem se curva ao desconforto do trabalho e de uma vida quase sempre bagun�ada. 

O que d� sentido � vida � a capacidade de conex�o. As pessoas que t�m amor e pertencimento acreditam merec�-lo e buscam por isso, sem medo de mostrar quem s�o, com seus m�ritos e imperfei��es.  N�o anestesiam as vulnerabilidades. Vivem   suas contradi��es, s�o corajosas, benevolentes e criam conex�o com os demais.  Geralmente, encontraram uma das ra�zes da felicidade. 

Para isso � necess�rio coragem (uma palavra de origem latina que vem da raiz cor ou cordis, que significa cora��o). Coragem de contar a hist�ria de quem se � com todo o cora��o.  Coragem de ser imperfeitas e capazes de ser gentis com elas mesmas e com os outros (s� somos gentis com o pr�ximo se nos tratarmos com gentileza). 

As pessoas que abandonaram o que pensavam que deveriam ser para serem elas mesmas s�o mais conectadas, mais felizes e mais intensas, mas para isso a vida quer da gente � coragem, j� dizia Guimar�es Rosa. 

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