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Estado de Minas SUELI VASCONCELOS

A �gua e a guerra

Transformar a �gua em uma arma �, infelizmente, estrat�gico nos momentos de conflitos, principalmente, � custa de uma popula��o enfraquecida


12/06/2023 06:00
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Rio
Transformar a �gua em uma arma de guerra poderosa � uma pr�tica que remonta a tempos long�nquos (foto: Pixabay/Reprodu��o)
A �gua sempre foi preciosa para a sobreviv�ncia das sociedades humanas e considerada um dos direitos humanos fundamentais. No entanto a realidade do seu fim � mais complexa e marcada por incertezas geopol�ticas nos momentos de guerra. Considerada um recurso natural chave para a hidrata��o e a nutri��o do homem, al�m dos usos econ�micos para energia, navega��o e irriga��o agr�cola.  Mas pode ser um importante objeto militar, o que pode ampliar sua aplica��o para fins b�licos.    

Transformar a �gua em uma arma de guerra poderosa � uma pr�tica que remonta a tempos long�nquos. O recurso tornou-se um item importante nas estrat�gias adotadas para minar o advers�rio nos conflitos espalhados pelo mundo, desde tempos remotos. Os generais germ�nicos, reproduzindo t�ticas do passado, usaram, durante a Segunda Grande Guerra, a usaram como um meio de dificultar o avan�o do inimigo sobre os territ�rios ocupados pelos alem�es. Os brit�nicos devolveram o pr�prio veneno � Alemanha, destruindo barragens que comprometiam o desempenho do advers�rio. 

E, atualmente, isso se repete em todo o mundo seja no Ocidente, seja no Oriente. 

Nos �ltimos dias, um poss�vel uso militar da �gua foi largamente divulgado pelos meios de comunica��o mundiais: a destrui��o da barragem da hidrel�trica de Kakhovka, na Ucr�nia. As suspeitas sobre a responsabilidade desse ato reca�ram sobre os envolvidos no conflito que se estende h� meses. As acusa��es atingiram ora o governo russo, ora o governo ucraniano, de acordo com os interesses dos envolvidos neste confronto. Alguns representantes russos disseram que foi uma grande fatalidade, sem rela��o direta com nenhuma das partes.  Mas a possibilidade de a a��o ser proposital � elevada. 

Uma das consequ�ncias da vasta �rea inundada ser� a interrup��o do sistema de irriga��o, por tempo indeterminado, com o consequente comprometimento dos f�rteis campos agr�colas do pa�s, outrora chamado de “celeiro de gr�os da Europa” e, que atualmente, sofre com as enormes perdas no setor. 
 

A regi�o da cidade de Kherson, � jusante da barragem, �s margens do Rio Dnieper, onde a usina foi constru�da, foi a mais afetada pelas gigantesco volume h�drico liberado da represa. Os danos s�o maiores nas plan�cies � esquerda, que est� sob ocupa��o russa, segundo as informa��es veiculadas nos jornais internacionais. O terreno de colinas, da margem direita, evitou perdas maiores. Estima-se que os danos se prolongar�o para os pr�ximos anos, devido � redu��o dr�stica de produtividade da agricultura regional.

Os riscos da inseguran�a alimentar, segundo os analistas, ultrapassar�o fronteiras e atingir�o outras na��es que dependem da produ��o de alimentos ucranianos. A ruptura da barragem, considerada criminosa pelas partes envolvidas no conflito, est� sendo tratada como um ecoc�dio, por afetar o ecossistema da regi�o, espalhar e globalizar o medo da fome, devido � incapacidade de os campos afetados manterem a produ��o agr�cola dentro do aceit�vel. A redu��o da oferta de alimentos impacta os mercados e acelera a infla��o de g�neros aliment�cios no mundo, atingindo, especialmente, os mais pobres.  
 

Outro impacto � o abastecimento de �gua pot�vel, o que desencadeia temores entre a popula��o, principalmente devido ao ver�o que se aproxima, com temperaturas sempre muito elevadas, demandando maiores volumes h�dricos.    Em Kherson, antes desse evento, j� havia escassez de �gua, e a situa��o tende a piorar.  A escassez do valioso l�quido pode agravar as tens�es existentes e for�ar mais pessoas a migrarem. 

O problema de oferta d’�gua atinge tamb�m a Crimeia, pois abastecimento da pen�nsula, anexada pela R�ssia em 2014, � fornecida  pelo reservat�rio da usina via um canal, que tamb�m pode secar.

� montante da barragem, est� o reservat�rio que fornece a �gua necess�ria para resfriar os reatores da usina nuclear de Zaporizhzhia, a maior da Europa e que se encontra sob controle russo. H� receio de que ocorra uma redu��o muito acentuada do volume da represa, atingindo uma quantidade insuficiente para a refrigera��o segura dos reatores. 
 

A Ag�ncia Internacional de Energia At�mica (AIEA), o �rg�o de vigil�ncia nuclear da ONU, afirmou que acompanha toda a situa��o e que n�o h�, a princ�pio, nenhum risco � seguran�a nuclear. 

A �gua como armamento ou como elemento desencadeador de conflitos � recorrente no tempo e espa�o. Outras regi�es do mundo, inclusive envolvendo outras na��es que surgiram da fragmenta��o sovi�tica, como o Tadjiquist�o e o Quirquist�o enfrentam crises devido � disputa h�drica. 

Esses dois pa�ses s�o pobres economicamente, mas ricos em recursos h�dricos. Desde a URSS, eram considerados estrat�gicos devido a essas condi��es f�sicas. Hoje, as tens�es que os envolvem s�o bastantes rotineiras. O �ltimo per�odo de maior confronto ocorreu em setembro do ano passado, pelas controv�rsias territoriais, onde est�o os principais reservat�rios do “ouro azul”. O mundo fala muito pouco sobre isso, mas h� uma guerra, nem t�o silenciosa, pela �gua na �sia Central, envolvendo tadjiques e quirguizes. 

No Oriente m�dio, a regi�o mais inst�vel desde meados do S�culo XX, as tens�es entre judeus e �rabes palestinos t�m a �gua como um dos centros de muitas opera��es, desde a cria��o de Israel, em 1948. Ao longo das quatro guerras �rabe-israelenses, o estado judaico consolidou suas bases territoriais em �reas prop�cias � oferta significativa de �gua. 

Ao controlar as Colinas de Gol� (territ�rio pertencente � S�ria, antes da Guerra dos Seis Dias e onde se encontra a cabeceira do Rio Jord�o), a Cisjord�nia e seus aqu�feros, Israel assumiu o controle de, praticamente, toda a �gua da regi�o em lit�gio.   Hoje, Israel dificulta o acesso a �gua � popula��o palestina da Cisjord�nia e da Faixa de Gaza para pressionar os rivais nos confrontos que os envolvem. 

Na S�ria, no auge dos enfrentamentos desencadeado pela Primavera �rabe, a �gua servia para inibir a resist�ncia dos rebeldes. Nas cidades de Aleppo e Damasco, cujo fornecimento dependia de v�rios reservat�rios controlados dos diferentes grupos, a falta d’�gua era uma arma de guerra, que penalizava os civis, os grupos que mais sofrem nesses casos. 

O Projeto Grande Anat�lia, da Turquia, caracterizado pela constru��o de grandes barragens no alto curso dos rios Eufrates e Tigre, que nascem no territ�rio turco, inflama os �nimos de v�rios povos – curdos, s�rios, iraquianos e iranianos- que dependem desse recurso.  Os turcos, praticamente, t�m a chave que permite fornecer ou n�o �gua aos pa�ses � jusante. As obras aumentam o risco de redu��o da disponibilidade de �gua pela antiga Mesopot�mia.  

A regi�o das nascentes desses rios � uma das mais tensas do mundo, pois faz parte do territ�rio requerido pelos curdos para a cria��o do seu futuro pa�s, o Curdist�o. A riqueza h�drica ser� sempre um impedimento � concretiza��o desse desejo. 

Em 2019, a Turquia mostrou seu poder, quase causando uma crise humanit�ria ao atacar uma barragem que abastecia territ�rios s�rios, deixando centenas de milhares sem abastecimento. A Turquia utiliza essa estrat�gia, com relativa frequ�ncia: interrompe o fluxo de �gua para a S�ria, sem a preocupa��o de que um vasto n�mero de civis ficar� � merc� da pr�pria sorte em rela��o ao acesso � �gua. 

Os EUA fizeram algo similar na S�ria, em 2017, ao atacarem a barragem de Tabqa, na luta contra o Estado Isl�mico (ISIS), mesmo sabendo que isso causaria a perda de muitas vidas humanas entre civis inocentes. 

Como um meio de inibir tais pr�ticas, em 1977, com o apoio da comunidade internacional foram inseridas duas novas regras conhecidas como Protocolo Adicional I, da Conven��es de Genebra, de 1949.  

No seu Artigo 54 (que trata dos bens indispens�veis � sobreviv�ncia da popula��o civil), nos par�grafos 1 e 2, define que: 

1- � proibido, como m�todo de combate, fazer padecer de fome as pessoas civis;

2- � proibido atacar, destruir, remover ou inutilizar os bens indispens�veis � sobreviv�ncia da popula��o civil, tais como os g�neros aliment�cios e as zonas agr�colas que os produzem, as colheitas, o gado, as instala��es e reservas de �gua pot�vel e as obras de irriga��o, com a deliberada inten��o de privar desses bens, por seu valor como meios para assegurar a subsist�ncia � popula��o civil ou � Parte adversa, seja qual for o motivo, quer seja para fazer padecer de seu deslocamento, seja com qualquer outro prop�sito.

Os EUA nunca retificaram o Protocolo Adicional I. A R�ssia o fez, mas Putin retirou a assinatura, em 2019. A Ucr�nia permanece signat�ria. 

O que se v�, como um ato que se repete continuamente, � a eros�o e o desgaste das leis de prote��o humana, nos momentos de tens�o. A �gua que garante a vida pode tamb�m levar � morte, e isso a torna uma t�tica de guerra nos campos de batalha h� muito tempo. O precioso l�quido espelha o que de pior existe na humanidade. 

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