'Por que esse �dio contra a gente?', diz v�tima de racismo em penitenci�ria
L�der comunit�rio denunciou ter sido alvo de racismo e teve o cabelo revistado enquanto tentava visitar irm�o na pris�o
24/03/2023 10:01
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atualizado 24/03/2023 15:39
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Rodrigo sofreu racismo ao tentar visitar seu irm�o (foto: Arquivo pessoal)
Por Matheus Santino, da Ag�ncia P�blica
No dia 30 de janeiro de 2021, o l�der comunit�rio Rodrigo Oleg�rio foi at� o Centro de Deten��o Provis�ria do Bel�m II, na regi�o central de S�o Paulo, para visitar seu irm�o, Augusto, que tinha sido transferido ap�s entrar em regime semiaberto. Chegando ao local, ele conta que ouviu dos agentes penitenci�rios que seu cabelo estava “fora do padr�o” e por isso ele n�o seria autorizado a entrar.
O diretor de disciplina da penitenci�ria foi chamado e revistou o cabelo de Rodrigo sem sua autoriza��o e disse que se ele fosse novamente com “aquele cabelo” em um plant�o seu, n�o garantiria sua entrada, relatou. Segundo as informa��es para visitantes que constam no site da Secretaria da Administra��o Penitenci�ria (SAP) de S�o Paulo, quem for fazer uma visita n�o pode ter “apliques capilares ou quaisquer outros meios que impossibilitem ou dificultem a inspe��o mec�nica e visual de seguran�a”, o que n�o era o caso de Rodrigo.
A inspira��o para o cabelo, um penteado com gel, veio de um amigo m�sico. “� uma quest�o de identidade. Eu vi uma pessoa negra usando e achei bonito, ent�o quis fazer em mim”, diz. O penteado foi aprimorado e Rodrigo diz que passou a ser reconhecido sempre que andava pelas ruas do bairro, o que resultou no batismo do cabelo de “Chama na chave”. “Todo mundo passava e falava ‘esse cabelo ficou chavoso’, ent�o apelidei junto com meu cabeleireiro", diz.
Ele conta que enquanto tentava argumentar e defender sua entrada -- o cabelo nunca havia sido um problema durante os cinco anos em que visitou o irm�o no regime fechado --, os agentes comentavam e faziam piadas sobre o seu cabelo. O diretor de disciplina da penitenci�ria teria revirado seu cabelo enquanto empunhava uma arma calibre 12. Enquanto fazia isso, o agente teria dito: “voc� n�o consegue deixar esse cabelo normal, n�o?” e “voc� n�o pode lavar o seu cabelo pra ele ficar normal?”. Os relatos de Rodrigo est�o no processo que ele est� movendo contra a Fazenda P�blica do Estado de S�o Paulo, ao qual a Ag�ncia P�blica teve acesso, e que cobra a��es indenizat�rias devido ao racismo sofrido por ele.
Ap�s ter a entrada barrada, Rodrigo foi encaminhado para o setor de revista, onde conta que passou por mais humilha��es. Depois de passar pelo body scanner, equipamento que permite observar o que a pessoa carrega dentro e fora do corpo, foi determinado que ele sentasse em um banquinho detector de metais e “abrisse bem as pernas”, para ver se ele n�o teria algo introduzido no �nus. A a��o configura revista vexat�ria e h� procedimento em curso no STF que analisa a proibi��o da pr�tica.
Rodrigo conta que, durante todo o epis�dio, os funcion�rios da penitenci�ria estavam com dificuldades em encontrar seus documentos no sistema, procedimento necess�rio para fazer a visita. Percebendo uma falha de comunica��o, pediu para busc�-los -- por seguran�a, ele tinha tamb�m os documentos f�sicos em sua bolsa, guardada a senha com um funcion�rio na parte de fora da penitenci�ria. Ao voltar, relata que foi submetido novamente ao body scanner e � revista vexat�ria no banquinho.
Uma testemunha citada no processo que estava atr�s de Rodrigo na fila e que aguardava para visitar o pai confirmou que viu os agentes comentando e fazendo piadas sobre o cabelo dele. Nessa hora o rapaz, que tamb�m � negro, disse ter abaixado a cabe�a por medo de algo parecido acontecer com ele, mas seu processo para a visita seguiu normalmente.
Antes de entrar em liberdade, o irm�o de Rodrigo foi transferido para outros tr�s pres�dios localizados nas cidades de Potim, Presidente Prudente e Sorocaba, respectivamente. Depois de ter sofrido preconceito no Bel�m II, Rodrigo afirmou � P�blica que isso se repetiu no pres�dio de Sorocaba. L� ele conta ter ouvido de um funcion�rio que “seu cabelo est� fora do padr�o, se entrar algu�m aqui v�o me questionar”.
“Fiquei sem rumo”
Na �poca, Rodrigo trabalhava como coordenador da Casa de Cultura da Brasil�ndia, bairro da Zona Norte de S�o Paulo, onde � morador e l�der comunit�rio. O epis�dio o levou a buscar acompanhamento psicol�gico e psiqui�trico. Ele tamb�m precisou ser afastado do seu trabalho. “Fiquei sem rumo, por estar passando por esse epis�dio de racismo. Me complicou muito com a quest�o emocional e com a minha autoestima. Fa�o acompanhamento psicol�gico at� hoje”, conta.
Rodrigo precisou de atendimento especializado ap�s os casos de racismo (foto: Arquivo pessoal
)
Mesmo com os atestados provando que o afastamento era recomenda��o m�dica, Rodrigo, que tamb�m precisou fazer uso de medicamentos, acabou sendo exonerado do cargo de coordenador na Casa de Cultura da Brasil�ndia, local em que trabalhava h� tr�s anos.
Ele diz que tudo o que passou o fez refletir sobre o racismo. “Voc� liga a TV e todo dia v� um dos nossos sendo maltratado pelas for�as de seguran�as, todo dia um epis�dio desse e se pergunta ‘pra onde que a gente vai? Por que esse �dio contra a gente?’. Hoje eu estou me preparando nessa situa��o, de criar for�as das minhas dores”.
No processo que move contra o estado, Rodrigo cobra indeniza��o pelo racismo sofrido, por danos morais, por danos existenciais e por danos materiais. A a��o leva em considera��o a humilha��o p�blica que ele passou, a viola��o aos seus direitos de personalidade e a perda da sua renda fixa, causada pela exonera��o do cargo que ocupava na Casa de Cultura.
Em entrevista para a P�blica, Vanessa Alves, Coordenadora do N�cleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria de SP, diz que do ponto de vista jur�dico, o Estado tem responsabilidade objetiva pelo o que seus agentes fazem, e por isso o processo n�o foi individualizado.
“� uma forma de agir das institui��es, que desconsidera a quest�o da ra�a, desconsidera o quanto o cabelo � representativo e importante para a popula��o negra e, por n�o considerar essas quest�es, praticam o racismo. � uma tentativa de n�o individualizar essa conduta, mas considerar que faz parte do modo de funcionamento da institui��o, do Estado, que leva a pr�tica de conduta racista e de viola��o de direitos”, diz.
No processo, a Procuradoria Geral do Estado afirma que nenhum agente penitenci�rio est� autorizado a portar armas no interior da unidade prisional e que todos os visitantes s�o submetidos ao detector de metais e, se necess�rio, ao body scanner. S�o citados dois funcion�rios que enfatizam que a demora para a libera��o da visita teve rela��o com a falta de documenta��o e a d�vida se Rodrigo teria ou n�o aplique capilar, mas que n�o houve nenhum tipo de “toque” no cabelo.
A Procuradoria afirma que ele n�o estava autorizado a visitar seu irm�o, mas sim a fazer o envio dos documentos pelos Correios. Rodrigo contesta essa vers�o e diz que ligou para a penitenci�ria, que confirmou que ele poderia ir naquele final de semana.
A Procuradoria afirma que "ainda com rela��o aos danos morais, n�o h� que se falar em racismo estrutural ou discrimina��o dos agentes penitenci�rios, sendo certo que n�o houve 'dano existencial’”.
Mais de 2 anos do ocorrido, o processo segue em tramita��o para saber se o Estado ser� responsabilizado.
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