
Cheio de problemas, o Or�amento do governo federal para 2021 levantou a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro ser indiciado por crime de responsabilidade fiscal, rumores sobre a perspectiva de novas baixas no Minist�rio da Economia e compara��es com as "pedaladas" e a "contabilidade criativa" que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Nesta segunda-feira (19/04), governo e Congresso fecharam acordo para aprovar um projeto de lei que busca resolver o impasse antes da san��o presidencial, que precisa acontecer at� quinta-feira (22/04).Pela proposta, gastos emergenciais com sa�de ligados ao combate � pandemia e os programas de redu��o de jornadas e sal�rios para trabalhadores e de cr�dito subsidiado para as empresas ser�o retirados da meta fiscal.
Outra mudan�a relevante do projeto, segundo Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Institui��o Fiscal Independente) do Senado Federal, � que ele abre a possibilidade para o Executivo contingenciar emendas do relator, um tipo de gasto n�o obrigat�rio que antes o governo n�o tinha autoriza��o para cortar.
O que significam essas duas mudan�as? E elas livram Bolsonaro do crime de responsabilidade e da possibilidade de impeachment? Entenda aqui.

Gastos com sa�de, BEm e Pronampe fora da meta
A primeira mudan�a trazida pelo Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 2 de 2021, cujo parecer foi publicado nesta segunda-feira, � retirar da meta de resultado prim�rio gastos com sa�de ligados ao combate � covid-19.
A meta de resultado prim�rio � um limite estabelecido pelo pr�prio governo para a diferen�a entre suas receitas e despesas no per�odo de um ano. Como desde 2014 os gastos p�blicos t�m superado a arrecada��o, essa meta atualmente � de d�ficit. Para 2021, o rombo nas contas p�blicas � estimado em R$ 247 bilh�es.
Pela proposta, saem tamb�m da meta fiscal para este ano os gastos com o BEm (Benef�cio Emergencial de Preserva��o do Emprego e da Renda), programa que permite a redu��o de jornadas e sal�rios e suspens�o de contratos dos trabalhadores mediante complementa��o salarial pelo governo, e o Pronampe (Programa Nacional de Apoio �s Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que disponibiliza empr�stimos para empresas a juros baixos.
Segundo o Minist�rio da Economia, o governo pretende destinar R$ 15 bilh�es aos dois programas de ajuda �s empresas, sendo R$ 10 bilh�es para o BEm e R$ 5 bilh�es ao Pronampe.
Em mar�o, o Congresso j� havia aprovado que os R$ 44 bilh�es que ser�o destinados ao pagamento do aux�lio emergencial este ano fiquem fora do teto de gastos e da meta de prim�rio.
Al�m desse valor do aux�lio, o portal Tesouro Transparente revela que h� pelo menos outros R$ 41 bilh�es em cr�ditos extraordin�rios j� aprovados para o combate � pandemia que n�o entram no teto de gastos, mas contam para o prim�rio.
Ou seja, caso o PLN 2 seja aprovado, ficariam fora da meta de prim�rio deste ano: os R$ 44 bilh�es do aux�lio, os R$ 15 bilh�es do BEm e do Pronampe e mais um outro valor bilion�rio em gastos com sa�de j� aprovados e novos gastos que poder�o vir a ser autorizados.
'Diminui a transpar�ncia'
"Acho a decis�o de ampliar as despesas fora da meta errada", diz Salto, da IFI.
"A regra do jogo hoje � que o cr�dito extraordin�rio, pela caracter�stica que ele tem, pode ser editado quando h� imprevisibilidade e urg�ncia. Ent�o ele � extrateto pela pr�pria regra do teto l� de 2016", explica o economista.
Aprovada no governo Michel Temer (MDB), a regra do teto de gastos limita o crescimento das despesas de um ano � varia��o da infla��o no ano anterior. Pela lei, cr�ditos extraordin�rios emergenciais podem ficar de fora dessa regra.
"Agora, retirar do prim�rio � muito ruim. � apenas uma quest�o cont�bil: voc� vai fazer o gasto e ele vai afetar a d�vida p�blica. A �nica diferen�a � que, para fins de cumprimento da meta fiscal, voc� n�o vai contabilizar", afirma o diretor-executivo da IFI.
"Isso piora a transpar�ncia das contas p�blicas e n�o ajuda em nada. Voc� deveria mudar a meta de prim�rio, sinalizando que h� uma mudan�a no gasto previsto. S� que eles optaram por descontar da meta de prim�rio, o que � bastante question�vel", avalia.
"Vai ter agora dois indicadores: vamos ter que calcular o resultado prim�rio para fins de cumprimento da meta e um resultado prim�rio efetivo, considerando todos os valores descontados", diz Salto, acrescentando que isso aumenta a complexidade do acompanhamento das contas p�blicas, o que reduz a transpar�ncia.
Fonte ouvida pela BBC News Brasil que preferiu ter seu nome preservado avalia que a manobra � fruto do medo.
"A Dilma foi implicada por alterar a meta", lembra esse interlocutor, pr�ximo �s discuss�es no Congresso. "S� que a� eles fazem pior: tiram da meta."

Autoriza��o para governo cortar despesas que antes n�o podia
A segunda mudan�a trazida pelo projeto de lei apresentado nesta segunda-feira altera dois par�grafos do artigo 62 da LDO (Lei de Diretrizes Or�ament�rias).
O par�grafo 3º diz que o Executivo fica autorizado a cortar despesas discricion�rias dele pr�prio para fins de cumprimento do teto de gastos. Despesas discricion�rias s�o aquelas sobre as quais o governo tem algum poder de decis�o, diferentemente das obrigat�rias, que s�o definidas em lei e, por conta disso, totalmente engessadas.
J� o par�grafo 2º diz que as altera��es or�ament�rias estar�o sujeitas ao teto.
"No meu entendimento, isso indica que o Executivo vai ter o poder de contingenciar as emendas do relator geral. Hoje ele n�o tem esse poder", avalia Salto, explicitando que essa � uma interpreta��o pessoal sua e n�o uma avalia��o oficial da IFI.
Conforme o notici�rio dessa segunda-feira, pelo acordo firmado entre governo e Congresso, seriam mantidos R$ 16,5 bilh�es em despesas com emendas parlamentares, de um total de R$ 26 bilh�es desse tipo de gasto que foram criados pelo relator, o senador M�rcio Bittar (MDB-AC), por ocasi�o da primeira vers�o do projeto de lei do Or�amento.
Ent�o, do gasto adicional criado por Bittar, seriam cortados j� cerca de R$ 10 bilh�es, que podem ser destinados para a recomposi��o do gasto obrigat�rio.
"A quest�o � que o corte de R$ 10 bilh�es apenas n�o � suficiente para o cumprimento do teto de gastos", avalia Salto, da IFI. A institui��o fiscal estima que, para cumprir o teto este ano, seria necess�rio cortar R$ 31,9 bilh�es em despesas.
"Por isso minha interpreta��o � de que o PLN 2 vai al�m, a introdu��o do par�grafo 2º no artigo 62 vai permitir que, nos decretos de contingenciamento, o Executivo possa cortar tudo aquilo que estiver superando o teto. Ent�o, se ele quiser cortar mais emendas do que os R$ 10 bilh�es agora acordados, ele vai poder, porque o teto de gastos tem que ser cumprido."
Pela estimativa da IFI, seria necess�rio cortar a totalidade das emendas do relator (R$ 26 bilh�es) e mais um tanto do gasto discricion�rio do pr�prio governo para chegar aos quase R$ 32 bilh�es de ajuste necess�rio para cumprimento do teto este ano.
O gasto discricion�rio do governo inclui despesas como limpeza, seguran�a e contas b�sicas dos �rg�os p�blicos como �gua e luz. O ajuste aqui � bastante delicado, pois essas despesas j� est�o no limite considerado m�nimo para funcionamento do governo e cortar demais pode resultar em paralisa��o da m�quina p�blica ("shutdown", na express�o em ingl�s).

O acordo resolve os problemas do Or�amento?
Segundo Salto, o corte de R$ 10 bilh�es em emendas parlamentares � insuficiente para o cumprimento do teto de gastos.
Mas o projeto de lei apresentado nesta segunda-feira abre a possibilidade de cortes de gastos adicionais, o que pode facilitar o cumprimento do teto.
"Esse instrumento poderoso que foi colocado no PLN 2 potencialmente resolve os problemas, porque hoje o governo n�o pode contingenciar [as emendas do relator] e vai passar a poder, na minha avalia��o preliminar."
O economista reconhece, por�m, que haver� entraves pol�ticos para esses novos cortes.
"Vai ser necess�rio um contingenciamento provavelmente muito grande das emendas do relator geral, a n�o ser que o Executivo consiga cortar nas discricion�rias dele pr�prio um valor que diminua essa necessidade", explica Salto.
"Politicamente, o governo vai enfrentar resist�ncia, � claro, porque o acordo que ele fez, segundo o que est� sendo noticiado, foi de manter R$ 16,5 bilh�es de emendas parlamentares e 'dar' ao Congresso o BEm, o Pronampe e as despesas de sa�de fora da meta de prim�rio. Isso os parlamentares aceitaram, mas vai ser necess�rio cortar mais."
Segundo Salto, esse novo ajuste deve acontecer quando o governo apresentar seu pr�ximo relat�rio bimestral de avalia��o das receitas e despesas, previsto para maio.
Questionado se o acordo livra o presidente Jair Bolsonaro da possibilidade de ser intimado por crime de responsabilidade fiscal, Salto afirma que essa � uma avalia��o jur�dica que caber� ao TCU (Tribunal de Contas da Uni�o).
"Mas, de fato, existe risco. Quando existe risco, � melhor tomar as medidas para que esse risco n�o se materialize."
Troca de ofensas pelas redes sociais
No Twitter, o ex-presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) ironizou a proposta apresentada pelo Congresso nesta segunda-feira.
"Vamos ver se eu entendi. Essa emenda coloca fora do teto o Programa do Bem e o Pronampe, de aproximadamente 16 bilh�es, para poder sancionar a emenda de relator de 16 bilh�es", escreveu o parlamentar. "� ou n�o � um or�amento criativo?"
"Acabou o teto de gasto e o compromisso com a meta. Arno Augustin com inveja do novo or�amento criativo", ironizou ainda o parlamentar, citando o ex-secret�rio do Tesouro Nacional durante o governo Dilma Rousseff.
Mais cedo, o presidente da da C�mara, Arthur Lira (PP-AL), havia imputado a Maia o atraso na aprova��o do Or�amento para 2021.
"O or�amento desse ano s� foi aprovado depois da elei��o dos novos presidentes da C�mara e do Senado, justamente pelas dificuldades criadas pela gest�o do meu antecessor e os seus compromissos pol�ticos", escreveu Lira.
Ao que Maia respondeu, tamb�m no Twitter: "O presidente da Casa virou humorista. Ali�s, defender a san��o do or�amento de 2021 s� pode ser uma piada."
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