
No 1% mais rico da popula��o, a al�quota efetiva do Imposto de Renda � de 8,80% para homens brancos, mas sobe para 13,14% no caso de homens negros. Entre os 9% imediatamente abaixo desse grupo na pir�mide de distribui��o de renda, quase n�o h� diferen�a: a incid�ncia � de 10,64% para homens brancos e 10,69% para negros.
Um dos autores do estudo, o economista Matias Rebello Cardomingo afirma que o achado evidencia a discrimina��o impl�cita na tributa��o sobre a renda no Brasil. "Ao desonerar um tipo de renda como os lucros e dividendos, o grupo beneficiado � nitidamente o das pessoas brancas do topo", diz.
Al�m dele, o trabalho tamb�m conta com as contribui��es dos pesquisadores Jo�o Pedro de Freitas Gomes, Ruth Pereira di Rada e Luiza Nassif. O estudo tem como base dados da POF (Pesquisa de Or�amentos Familiares) dos anos de 2017 e 2018, feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).
Uma das explica��es para a diferen�a de tributa��o entre homens brancos e negros no topo � a natureza da renda obtida por esses grupos.
Entre os brancos, a maior parte dos declarantes (44,1%) s�o empregadores, que podem obter parte da sua renda por meio de lucros e dividendos distribu�dos pelas empresas que administram. Esses rendimentos s�o isentos de IR, ou seja, ficam livres do pagamento de imposto.
J� entre os negros, a maior fatia dos declarantes (44,4%) s�o empregados p�blicos assalariados. Nesse caso, os rendimentos sofrem incid�ncia de imposto, com al�quotas nominais que chegam a 27,5%.
"Olhe para o topo, quem � negro n�o se beneficia desse tipo de isen��o. O resultado do trabalho foi exatamente conseguir explicitar um aspecto da tributa��o que tem como consequ�ncia imediata um preju�zo maior para os negros do que para os brancos", diz Cardomingo.
Para ele, a conclus�o da an�lise mostra uma import�ncia ainda maior de corrigir essa distor��o e retomar a tributa��o de lucros e dividendos, que s�o isentos desde 1996.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma reforma tribut�ria que eleve a taxa��o sobre os mais ricos tem fortes chances de ser implementada a partir de 2023, dado o respaldo popular � medida e o fato de ela constar no rol de propostas do presidente eleito Luiz In�cio Lula da Silva (PT). O petista tem manifestado o desejo de "colocar o rico no Imposto de Renda", em uma alus�o � isen��o dos dividendos ainda em vigor.
Entre os recebedores de lucros e dividendos est�o investidores, acionistas, s�cios de empresas, profissionais liberais e outros prestadores de servi�os PJ (pessoa jur�dica). Em geral, o pagamento dessa verba � destinado a pessoas situadas nos estratos mais ricos da popula��o.
Em 2020, esse tipo de renda mostrou resili�ncia mesmo em um cen�rio de dificuldades devido � Covid-19. Segundo a Receita Federal, a renda declarada por brasileiros com lucros e dividendos subiu a R$ 384,3 bilh�es no ano em que o surgimento da pandemia destruiu milh�es de postos de trabalho e levou empresas a cortarem sal�rios de trabalhadores.
Al�m disso, de cada R$ 100 declarados como lucros e dividendos, R$ 70 estavam nas m�os do 1% mais rico --um seleto grupo de 316.348 declarantes que teve rendimentos entre R$ 603,1 mil e R$ 2,6 bilh�es no ano de 2020.
Os dados administrativos divulgados pela Receita n�o distinguem as informa��es por ra�a. Mas a pesquisa da USP mostra que a propor��o de pessoas negras no 1% mais rico, de 16,9%, � muito menor do que a de pessoas brancas (83,1%), o que � por si s� uma evid�ncia da desigualdade de oportunidades no Brasil.
Mas a estrutura tribut�ria acaba refor�ando essa discrimina��o ao tratar de forma diferente aqueles que t�m renda similar, mas trabalham sob regimes jur�dicos distintos --profissionais liberais versus servidores, por exemplo.
"A gente fala muito de tributar lucros e dividendos pensando na desigualdade de renda, mas encontramos outro aspecto, que � o combate � desigualdade racial", afirma o pesquisador.
Cardomingo explica que os elementos de forma��o das categorias profissionais s�o relevantes para a discuss�o, sobretudo em uma sociedade com baixa mobilidade social como a brasileira --ou seja, filhos de fam�lias pobres t�m mais dificuldade para subir degraus na escada de renda, enquanto os ricos tendem a se manter no topo.
Entre empregadores e profissionais liberais, ocupa��es mais comuns entre os brancos do 1% mais rico, s�o fatores determinantes a rede de contatos e o ac�mulo de capital educacional --elementos que podem ser justamente barreiras para os demais grupos sem acesso a pessoas influentes ou um qualifica��o.
J� no caso do servi�o p�blico, o estudo indica que a pol�tica de cotas raciais em concursos tem sido um motor importante para inserir mais pessoas negras no topo da pir�mide de renda do pa�s. "S� que a maneira de chegar no topo � uma forma de inser��o profissional que gera mais tributa��o", pondera.
A C�mara dos Deputados chegou a aprovar em 2021 uma proposta de reforma do IR que prev� a retomada da tributa��o sobre lucros e dividendos, com uma al�quota de 15%. O desenho, por�m, foi amplamente criticado por permitir uma s�rie de exce��es, inclusive para pessoas jur�dicas com faturamento de at� R$ 4,8 milh�es ao ano --favorecendo profissionais liberais j� bastante beneficiados pela estrutura tribut�ria.
O texto parou no Senado Federal, onde n�o foi apreciado at� hoje.
"A avalia��o que se faz � que a proposta em tramita��o reduz a arrecada��o com IR, que � o pior cen�rio pensando em termos distributivos, pois concentra ainda mais a arrecada��o nos tributos indiretos [sobre consumo]", afirma Cardomingo.