Josh Christie escreveu seu primeiro livro sobre cerveja enquanto trabalhava em tempo integral numa livraria independente.
"O livro foi todo escrito entre 5h e 8 da manh�. Eu levantava e come�ava a trabalhar nele e depois sa�a para o trabalho e trabalhava o dia todo", diz Christie, de Portland, no Estado americano de Maine.
- 5 maneiras de ser mais feliz no trabalho (e por que Schopenhauer tinha raz�o)
- O perigo de definirmos nossa identidade pelo trabalho
Equilibrar uma jornada completa era um desafio, mas desligar completamente depois do trabalho tamb�m.
"� noite, a parte mais dif�cil era ir a um bar, tomar uma cerveja e pensar, 'Eu vou escrever sobre isto? Ou esta � apenas uma cerveja que eu estou apreciando?".
Christie, de 36 anos, construiu uma carreira em torno de coisas que ele ama.
Livros e leituras s�o uma paix�o, e quando ele come�ou a trabalhar numa livraria independente quando estava na faculdade, ele descobriu que tamb�m adorava conversar sobre livros com outras pessoas.
Hoje ele � dono de sua pr�pria livraria, numa sociedade, e tamb�m escreve sobre livros, cerveja e esqui para jornais e revistas.
Seus interesses e vida profissional tornaram-se completamente interconectados.
"� dif�cil imaginar como eu poderia afastar minha atividade como escritor da cerveja ou do esqui ou afastar meu c�rebro de dono de livraria do meu prazer de ler livros ou falar sobre livros."
A ideia de fazer profissionalmente o que voc� ama sempre foi sedutora.
Como diz o prov�rbio �s vezes atribu�do a Conf�cio: "Escolha um trabalho que voc� ama e n�o ter� que trabalhar um �nico dia em sua vida".
Talvez esse sentimento nunca tenha sido t�o pertinente, pois, desde que a pandemia de covid-19 come�ou, mais e mais pessoas t�m reconsiderado suas vidas profissionais.
Novos estudos mostram que, cada vez mais, n�s queremos nos importar - e mesmo amar - nossas profiss�es.
Nesse contexto, transformar um hobby ou interesse numa carreira pode ser a escolha �bvia.
Mas ser� que existe um lado ruim de combinar nossas paix�es com nossas vidas profissionais?
Ser� que a realidade significa transformar um hobby que n�s amamos numa obriga��o de preencher uma planilha?
E como voc� se desliga de seu trabalho quando os limites entre trabalho e lazer n�o est�o claras?
H� tamb�m quest�es de finan�as a ser consideradas, caso sua paix�o n�o permita que voc� ganhe dinheiro suficiente para voc� ter o estilo de vida que deseja.
Ent�o, ser� que ganhar a vida com aquilo que voc� ama realmente � tudo aquilo que dizem ser?'
Feliz no emprego, feliz na vida?
H� muitas evid�ncias que sugerem que as pessoas querem encontrar um trabalho que lhes agrade mais.
Uma pesquisa da McKinsey, feita em 2021, mostrou que dois ter�os de todos os trabalhadores baseados nos Estados Unidos disseram que a crise causada pela covid fez com que reavaliassem seus prop�sitos na vida, e 50% diziam estar reconsiderando o tipo de trabalho que faziam como resultado dessa nova realidade.
Para alguns, desenvolver e monetizar seus interesses pessoais � uma poss�vel sa�da.
Numa outra pesquisa, envolvendo 2 mil americanos, 60% disseram que haviam aprimorado suas habilidades em um ou mais de seus hobbies desde o in�cio da pandemia no pa�s, em mar�o de 2020, e 40% pensavam que era "muito" ou "extremamente" prov�vel que eles conseguissem ganhar dinheiro com seu hobby ap�s o fim da crise na sa�de.
Transformar um interesse pessoa prazeroso em algo lucrativo pode parecer uma maneira direta de melhorar o bem-estar.

Dedicar nosso tempo a atividades que nos trazem alegria nos enriquece, explica o psic�logo cl�nico Yesel Yoon, baseado em Nova York.
"Se voc� permitir que aquela parte de voc� mesmo seja ativa, isso ajuda no longo prazo a desenvolver um senso maior de bem-estar psicol�gico e felicidade."
Um motivo pelo qual n�s sonhamos em tornar algo prazeroso como um hobby num trabalho, explica Yoon, � a possibilidade de "reverter a equa��o".
Por exemplo, algu�m que n�o gosta de seu trabalho, mas deseja aumentar seu sentimento de felicidade, pode achar que trocar o emprego por uma atividade mais prazerosa pode resolver.
Trabalhar com algo em que estamos interessados tamb�m pode trazer um sentimento profundo de prop�sito. Rikke Hansen, consultora de mudan�as de carreira e apresentadora de podcast baseada em Londres, que frequentemente ajuda pessoas a se movimentar na dire��o de novos projetos em campos pelos quais elas s�o apaixonadas, diz que quem faz essa mudan�a com sucesso colhe benef�cios reais.
"Voc� obt�m autonomia, voc� obt�m controle, e voc� obt�m prop�sito. E essa � a forma mais motivacional de trabalhar", diz ela.
Tamb�m existe a ideia geralmente aceita de que viver de algo que voc� ama � uma coisa que todo mundo deseja.
Yoon, por�m, alerta contra abra�armos demais a ideia de que "se voc� est� fazendo um trabalho tolo, voc� � um vendido, mas, se voc� estiver fazendo aquilo pelo qual voc� � realmente apaixonado, a� voc� est� vivendo de verdade".
Christie, por�m, admite que existe um status social em ser conhecido como "o cara que � dono da livraria".
O reconhecimento externo de seu sucesso tamb�m pode ser gratificante num n�vel mais profundo. Ser reconhecido pelo seu trabalho por colegas de seu setor � recompensador e, diz Christie, "voc� n�o recebe necessariamente esse reconhecimento na sua vida apenas fazendo as coisas de que voc� gosta".
Limites necess�rios
A realidade de fazer de sua paix�o uma carreira tamb�m traz complica��es.
Primeiro, perseguir hobbies ou interesses por prazer pode ficar diferente quando eles caem na categoria "trabalho".
Para Christie, abrir uma livraria inevitavelmente significou que ele tinha que equilibrar atividades de que ele gosta, como escolher as obras para o estoque da loja, com tarefas de empres�rio, como negociar o aluguel do ponto.
Tamb�m tem sido um trabalho pesado para ele. Mesmo com uma outra pessoa na sociedade, ele trabalha em turnos na loja e depois do expediente ainda tem que lidar com muita comunica��o profissional (textos, e-mails, liga��es telef�nicas).
E, enquanto o trabalho pode ser gratificante, o dinheiro que ele ganha n�o � l� essas coisas.
"Eu tenho essa carreira porque eu sou apaixonado por isso, mais do que pelas raz�es financeiras. Eu adoro livrarias independentes, mas n�o � a carreira mais bem remunerada do mundo", afirma Christie.
Na tentativa de completar sua renda, ele percebeu que os textos que escrevia sobre cerveja e esqui eram uma coisa pela qual ele podia ser pago, monetizando um outro prazer pessoal.
O sentido de identidade de Christie � profundamente conectado com seu trabalho, o que � comum para pessoas em sua posi��o.

Hansen diz que, no caso de clientes que mudam para atividades baseadas em suas paix�es, o trabalho geralmente torna-se central para sua identidade.
Mas isso significa que, enquanto o sucesso pode ser potencializado, o mesmo pode ocorrer com os fracassos - ou mesmo o medo de fracasso.
"As pessoas sentem que, se elas fracassarem em seu neg�cio, ent�o elas fracassam enquanto pessoas", afirma.
Para Christie, isso significa que ler avalia��es negativas da sua livraria no site Yelp pode ser uma experi�ncia surpreendentemente dolorosa.
"� realmente dif�cil ignorar esse tipo de coisa. Qualquer coisa que coloca seu trabalho para baixo intrinsicamente parece que est� colocando voc� para baixo tamb�m", diz ele.
Quando o trabalho est� profundamente interconectado com a identidade, tamb�m pode ficar dif�cil para as pessoas colocarem um pre�o naquilo que elas fazem, algo que Hansen experimentou com seus clientes.
As pessoas podem cobrar menos do que deveriam por seu trabalho ou porque elas t�m pouca confian�a nelas mesmos ou porque elas sentem que, como seu trabalho � prazeroso, isso � algo que elas estariam dispostas a fazer de gra�a.
Apesar de querer viver de algo que eles amam, "eles acham que trabalho n�o foi feito para ser divertido", diz Hansen.
Para Christie, isso significa pagar a si mesmo como vendedor de livros menos do que ele poderia ganhar porque ele gosta de seu trabalho e tem acesso a pequenas vantagens, como livros de gra�a, que lhe d�o prazer.
O maior desafio que Christie enfrentou, por�m, ao trabalhar com aquilo que ele ama � "realmente sentir o tempo todo que eu estou trabalhando.
Conversas sobre coisas que eu amo viram conversas sobre trabalho, ou trabalhos antigos, ou simplesmente se transformam em trabalho, e ponto final".
Como algu�m que se autodenomina um viciado em trabalho, ele tem tido dificuldades em estabelecer limites entre trabalho e paix�o - algo comum entre pessoas que monetizam aquilo de que elas gostam.
Um estudo da Deloitte mostrou que pessoas que s�o apaixonadas por seus empregos estavam dispostas a trabalhar por per�odos mais longos e estar mais dispon�veis devido � "motiva��o interior para aprender e melhorar".
Ao mesmo tempo, Christie n�o consegue se imaginar fazendo mais nada para viver porque "em muitos casos, eu ainda gosto da atividade tanto quanto gosto do trabalho. A livraria e o que eu escrevo sobre coisas que eu amo s�o incr�veis canais criativos. Eu sou bastante grato a isso."
Christie est� tentando encontrar um melhor equil�brio entre trabalho e lazer no seu dia-a-dia. Ele tamb�m decidiu manter um hobby apenas para si mesmo.
Dois anos atr�s, ele come�ou a fazer bolos e tortas como uma maneira de relaxar.
Mas, quando um editor recentemente lhe perguntou se ele gostaria de escrever um artigo sobre isso, ele recusou.
"Eu decidi que isso � algo que eu fa�o apenas para mim mesmo", diz ele.
"Eu agora percebi que quero manter alguma coisa sagrada."
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life .
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube ? Inscreva-se no nosso canal!