
A decis�o do governo brasileiro de limitar o acesso aos dados sobre a pandemia do coronav�rus no pa�s e a possibilidade de que o n�mero de v�timas seja recontado pode reduzir investimentos estrangeiros, complicar o acesso a empr�stimos internacionais, dificultar viagens de brasileiros ao exterior e at� atrapalhar a entrada do Brasil no grupo de pa�ses ricos OCDE (Organiza��o para Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico). � o que dizem especialistas em rela��es internacionais e sa�de p�blica ouvidos pela BBC News Brasil.
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Na �ltima sexta-feira, ap�s sucessivos atrasos na divulga��o do boletim epidemiol�gico, que trazia n�o apenas os novos casos de mortes e contaminados, como tamb�m o total de doentes e v�timas fatais, o n�mero de �bitos sob investiga��o e a discrimina��o dos dados por Estados, o portal do governo federal com as informa��es foi retirado do ar. Quando voltou, constava no site apenas a estat�stica de mortes e casos referentes ao dia da divulga��o.
"Tem que divulgar os mortos no dia. Por exemplo, ontem, praticamente dois ter�os dos mortos eram de dias anteriores, os mais variados poss�veis. Tem que divulgar o do dia. O resto consolida para tr�s", afirmou o presidente Jair Bolsonaro, ainda na sexta-feira, ao justificar a mudan�a. Com mais de 700 mil casos e 37 mil mortes, o Brasil j� � considerado um novo epicentro da pandemia.
"Ao restringir o acesso �s informa��es, o governo apenas piora a percep��o sobre a gravidade da crise e aumenta a desconfian�a do p�blico internacional em rela��o � condi��o do pa�s de gerir a epidemia e a recess�o econ�mica", afirma Gabrielle Trebat, ex-subsecret�ria de assuntos empresariais no Departamento do Tesouro americano e atualmente consultora de investimentos para Am�rica Latina da McLarty Associaties.

OCDE mais distante
Segundo Trebat, o movimento brasileiro � paradoxal com o interesse de se adequar aos padr�es de coleta e publicidade de estat�sticas preconizados pela OCDE. O ingresso no grupo de pa�ses desenvolvidos foi anunciado como uma prioridade pela gest�o Bolsonaro desde o in�cio de 2019. Aliado preferencial do Brasil, os Estados Unidos j� endossaram a candidatura brasileira, em troca de concess�es como a ren�ncia da condi��o de pa�s em desenvolvimento na Organiza��o Mundial do Com�rcio (OMC).
A OCDE utiliza dados e abordagem cient�fica para aprimorar pol�ticas p�blicas nos pa�ses membros. Em um dos textos sobre princ�pios que norteiam a institui��o em seu site, a organiza��o afirma que "Abertura e transpar�ncia s�o ingredientes-chave para criar responsabilidade e confian�a, necess�rias para o funcionamento das democracias e das economias de mercado. A transpar�ncia � um dos principais valores que norteiam a vis�o da OCDE para um mundo mais forte, limpo e justo". A BBC News Brasil consultou a organiza��o sobre como a quest�o poderia afetar a candidatura brasileira, mas n�o obteve resposta at� a publica��o dessa reportagem.
"A ideia de esconder estat�sticas ou dificultar acesso a informa��es n�o poderia ser mais contr�ria aos princ�pios da OCDE. Isso certamente vai se somar para criar uma imagem negativa do pa�s e dificultar a entrada no grupo", afirma Bruno Brand�o, diretor-executivo da Transpar�ncia Internacional Brasil.
Segundo Brand�o, o modo como o Brasil tem tratado dados p�blicos tem gerado mal-estar internacional. Ele rememora tentativas de restringir o alcance da Lei de Acesso � Informa��o, j� derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso, e a demiss�o do diretor do Instituto Nacional de Pesquisa (Inpe) em agosto do ano passado depois que dados do �rg�o mostraram desmatamento recorde na Amaz�nia. O caso gerou a primeira grande crise de imagem internacional do pa�s.
De acordo com Michelle Ratton, especialista em direito econ�mico internacional da Funda��o Get�lio Vargas, ao alterar os c�lculos sobre a pandemia, o governo federal n�o s� lan�a d�vidas sobre as estat�sticas nacionais como tamb�m sobre o corpo de t�cnicos que desenvolve o trabalho no pa�s. "O Brasil se arrisca a sair da parametriza��o internacional, deixa de ser estudado. Algo parecido com o que estamos vendo com a China, que � ignorada em v�rios estudos internacionais porque n�o h� confian�a na validade dos dados que ela apresenta", diz Ratton.
Sem viagens ao exterior
Em 19 de mar�o, enquanto a epidemia mal havia se instalado no Brasil, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, acusou a China de ter omitido informa��o sobre a doen�a e potencializado a pandemia ao redor do mundo. "Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronav�rus e a ditadura sovi�tica pela chinesa. [...] +1 vez uma ditadura preferiu esconder algo grave a expor tendo desgaste, mas que salvaria in�meras vidas. [...] A culpa � da China e liberdade seria a solu��o", escreveu o deputado em sua conta de Twitter, abrindo uma crise diplom�tica com os chineses.
Quase tr�s meses depois, o epidemiologista Meza compara a atitude do governo chin�s em rela��o �s estat�sticas com o comportamento da gest�o Bolsonaro. "Mas h� uma diferen�a importante. A China pode ter omitido dados, mas tomou medidas agressivas para conter a doen�a. J� o presidente brasileiro nega a gravidade do assunto e n�o est� tomando a��es nem para defender seus pr�prios cidad�os, nem o mundo", diz.

Nesse cen�rio, o epidemiologista avalia que restri��es internacionais � entrada de pessoas oriundas do Brasil podem ser mantidas por mais tempo do que o esperado. Hoje, essas restri��es a viagens j� est�o postas: a Europa e a Am�rica do Sul fecharam suas fronteiras e os Estados Unidos proibiram a entrada no pa�s de qualquer estrangeiro que tenha passado pelo Brasil nos 14 dias anteriores � viagem.
"O foco atual de aten��o para covid-19 � a Am�rica Latina e o Brasil. O mundo todo est� prestando aten��o porque uma segunda onda de casos pode vir desses lugares. Ao negar informa��es, o Brasil est� erodindo a confian�a internacional e n�o � improv�vel que os demais pa�ses decidam banir a entrada de brasileiros por mais tempo por conta dessa falta de seguran�a sobre a situa��o", afirma Meza.
Para ele, em uma epidemia, a contagem de mortos e doentes � dif�cil e nenhuma m�trica ser� perfeita. No entanto, � preciso manter consist�ncia em rela��o aos dados para permitir que observadores internacionais possam compreender a curva que a pandemia descreve em cada pa�s e compar�-las entre si.
O dinheiro pode n�o vir de fora
Para Ratton, dar publicidade �s estat�sticas � importante tamb�m porque, diante de um cen�rio de recess�o profunda (o fundo monet�rio internacional estima queda de 5,3% na economia esse ano), o Brasil precisar� de capital externo para ajudar a reerguer a economia. "H� uma grande preocupa��o hoje para que n�o haja abuso ou corrup��o nos aux�lios para recupera��o econ�mica. Se o Brasil do nada aparece com um n�mero alto de casos e pede socorro financeiro, esses n�meros v�o ser disputados e esse pedido pode ser deslegitimado", diz.
Ratton argumenta ainda que, enquanto o investidor especulativo pode ser indiferente ao problema porque est� acostumado a tomar riscos mas tem pouco peso em promover abertura de postos de trabalho, o investidor do setor produtivo, capaz de reaquecer a economia, tende a ser afugentado por esse tipo de medida pouco transparente, que sugere um ambiente de neg�cios pouco confi�vel.
"O investidor n�o quer atuar em um ambiente opaco", concorda Trebat. Segundo ela, os solavancos causados pela pandemia n�o afetaram a negocia��o de medidas de facilita��o do com�rcio e de unifica��o regulat�ria entre Brasil e Estados Unidos, que devem ser anunciadas ainda esse ano. "A preocupa��o � pra n�o deixar essa quest�o pol�tica interferir na negocia��o que estamos vendo", diz.

Na sexta-feira da semana passada, o presidente americano Donald Trump criticou a condu��o do problema de sa�de p�blica no Brasil, ao dizer que se tivesse tomado o mesmo caminho do pa�s "ter�amos 2,5 milh�es de mortos". Os Estados Unidos perderam 112 mil vidas na pandemia.
Se nos Estados Unidos a quest�o comercial n�o preocupa, Ratton afirma que o acordo de livre com�rcio entre Uni�o Europeia e Mercosul pode ser impactado pela omiss�o de informa��o do Brasil acerca da covid-19. H� duas semanas, o Parlamento holand�s sinalizou que n�o aprovaria o tratado, cuja entrada em vigor depende da anu�ncia do legislativo de cada pa�s do bloco. Na ocasi�o, os holandeses mencionaram discord�ncias em rela��o � pol�tica ambiental do Brasil para justificar a posi��o.
"Ao tomar medidas como essa da falta de transpar�ncia de dados, o governo Bolsonaro d� muni��o para a derrubada desse acordo e abre espa�o para que se use o tema como desculpa para medidas protecionistas", afirma Ratton.

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