Cientistas suspeitam que coronav�rus pode desencadear diabetes e agravar quadros pr�-existentes

Em 2017, o empres�rio Arthur Domberg, de 40 anos, morador de Niter�i, no Rio de Janeiro, foi diagnosticado com diabetes tipo 2.

Inicialmente, fez o tratamento com insulina e, em poucas semanas, com a glicose sob controle, p�de substitu�-la pelo medicamento oral.

A situa��o permaneceu assim at� o m�s passado, quando contraiu o novo coronav�rus.

Em casa h� pouco mais de um m�s, curado da COVID-19, doen�a causada pelo coronav�rus, Domberg continua com as aplica��es, tr�s vezes ao dia (de manh�, em jejum, e antes do almo�o e do jantar).

"Sabia que estava no grupo de risco do coronav�rus, por ser diab�tico, mas at� ent�o achava que o m�ximo que poderia acontecer era ter a forma mais grave da COVID-19, e n�o que ela mexeria com as taxas de glicose desse jeito. Foi uma surpresa", relata o empres�rio.

Desde o in�cio da pandemia, a rela��o entre o diabetes e o SARS-CoV-2 vem sendo discutida. J� se sabe, contudo, que quem tem taxas elevadas de glicemia no sangue - assim como os portadores de outras patologias cr�nicas - fica mais suscet�vel a ter complica��es quando infectado com um v�rus.

"A hiperglicemia parece comprometer a resposta imune do organismo, dificultando o combate �s infec��es", explica Rodrigo Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Al�m disso, como os diab�ticos t�m o organismo naturalmente inflamado pela doen�a, quando contraem algum tipo de v�rus, que por si s� tamb�m provoca um processo inflamat�rio, a condi��o pode ser agravada e, pior, desencadear o quadro mais complexo da infec��o viral.

"� importante deixar claro que essa consequ�ncia � mais comum em quem est� com a glicose mal controlada, � obeso e tem outras comorbidades associadas. Por isso � primordial fazer o tratamento corretamente", acrescenta Moreira.

Se com tudo isso a liga��o entre coronav�rus e diabetes j� era preocupante, recentemente ficou um pouco mais complicada.

Uma equipe de 17 cientistas, membros do programa internacional CoviDiab Registry, divulgou uma carta na revista cient�fica New England Journal of Medicine com um alerta de que a COVID-19 pode desencadear o diabetes em pessoas saud�veis e agrav�-lo em quem j� � portador.

"Existe uma rela��o bidirecional entre COVID-19 e diabetes. Por um lado, o diabetes est� associado a um risco aumentado de covid-19 grave. Por outro, diabetes recente e complica��es metab�licas do pr�-existente, incluindo cetoacidose diab�tica e hiperglicemia hiperosmolar, para as quais s�o necess�rias doses excepcionalmente altas de insulina, foram observadas em pacientes com covid-19. Essas manifesta��es apresentam desafios no manejo cl�nico e sugerem uma fisiopatologia complexa do diabetes relacionado � COVID-19", diz o documento.

Em entrevista � BBC News Brasil, Francesco Rubino, professor de cirurgia metab�lica da Universidade King's College London, do Reino Unido, e pesquisador no projeto CoviDiab Registry, diz que a alta preval�ncia do diabetes entre os mortos por COVID-19 e a maior susceptibilidade de os diab�ticos experimentarem efeitos particularmente graves e at�picos da doen�a de base sugerem que deve existir uma intera��o diferente das conhecidas em termos de resposta ao estresse que acontece com qualquer infec��o.

Rubino acrescenta que os mecanismos biol�gicos pelos quais o novo coronav�rus entra nas c�lulas humanas tamb�m indicam que ele pode causar danos diretos aos principais �rg�os metabolizadores de a��car.

"Sabemos que, ao se ligar a uma prote�na espec�fica, chamada receptor ACE-2, o SARS-CoV-2 det�m as chaves para inserir c�lulas em �rg�os cr�ticos para o metabolismo da glicose, incluindo o p�ncreas, o intestino, o tecido adiposo e o f�gado. Suspeitamos que, ao causar disfun��es em um ou mais desses �rg�os, o v�rus possa piorar o diabetes existente ou at� ser capaz de causar um novo aparecimento da doen�a", explica o especialista.

Foi justamente por conta da natureza preliminar dessas observa��es que Rubino e mais 16 pesquisadores lan�aram o CoviDiab Registry. O objetivo � reunir mais evid�ncias para confirmar ou dissipar as preocupa��es.

"N�o sabemos exatamente como a COVID-19 influencia o diabetes e, dado o curto per�odo de contato humano com o novo coronav�rus, ainda n�o est� claro qual tipo ele pode exacerbar ou desencadear, e tamb�m n�o podemos excluir que possa at� induzir uma nova forma de diabetes, e nem se a condi��o ser� revers�vel quando a infec��o se resolver", pondera o especialista.

Ana Carolina Nader, chefe do Departamento de Endocrinologia do Hospital Federal de Servidores do Estado do Rio de Janeiro, diz que, apesar de faltarem muitas respostas, casos como os indicados pelos pesquisadores est�o realmente ocorrendo.

"Tenho visto tanto pacientes diab�ticos que controlavam muito bem a glicose com medicamento oral, mas que, depois da infec��o pelo coronav�rus, passaram a necessitar de altas doses de insulina, quanto pacientes que n�o tinham diabetes e a desenvolveram ap�s serem diagnosticados com COVID-19. Est� marcadamente havendo uma mudan�a no padr�o da doen�a", relata.

Diante dessa situa��o, a m�dica avalia que, em alguns meses, poder� haver uma sobrecarga nos sistemas de sa�de, por conta da demanda reprimida dos diab�ticos que n�o sa�ram de casa durante a pandemia e agora voltam a procurar tratamento, e os novos casos - ao que tudo indica, provocados pelo v�rus.

"Independentemente disso, temos que tranquilizar a popula��o. Se uma pessoa for diagnosticada com diabetes ap�s contrair o coronav�rus, ela precisa saber que h� m�dicos preparados para o atendimento. Ao contr�rio da COVID-19, que ainda � desconhecida, o diabetes n�o �. H� especialistas que sabem muito sobre a doen�a e, com tratamento, d� para control�-la e levar uma vida normal", afirma.

O que � diabetes?

Patologia cr�nica, o diabetes � caracterizado pela produ��o insuficiente ou pela m� absor��o de insulina (horm�nio que regula a glicose no sangue e garante energia para o organismo), resultando na eleva��o do n�vel de a��car no corpo - o normal, para uma pessoa saud�vel e em jejum, � abaixo de 100 mg/dl.

Quando esse quadro permanece por longos per�odos, pode causar danos graves em �rg�os, vasos sangu�neos e nervos.

Os principais s�o doen�as cardiovasculares, insufici�ncia renal cr�nica, amputa��es dos membros inferiores, problemas na vis�o, acometimento dos nervos (neuropatia perif�rica) e cetoacidose diab�tica. O risco de morte tamb�m � grande.

Na lista de sintomas, os mais comuns s�o sede constante, vontade de urinar diversas vezes ao dia, altera��es no apetite, perda de peso (mesmo comendo mais), fraqueza e fadiga.

O diabetes � dividido em quatro tipos: Tipo 1, Tipo 2, Latente Autoimune do Adulto (LADA) e gestacional.

O Tipo 1 se d� quando o pr�prio sistema imunol�gico ataca as c�lulas do p�ncreas que produzem insulina, fazendo com que pouca ou nenhuma quantidade do horm�nio seja liberada para o corpo. Em decorr�ncia disso, a glicose fica no sangue ao inv�s de ser usada como energia.

Essa varia��o, causada por fatores gen�ticos e outros ainda desconhecidos, se manifesta geralmente na inf�ncia ou na adolesc�ncia. O tratamento � feito com insulina, medicamentos, planejamento alimentar e atividades f�sicas.

O Tipo 2 ocorre quando o organismo n�o consegue usar adequadamente a insulina que produz ou n�o produz insulina suficiente para controlar a taxa de glicemia. Ele acomete com mais frequ�ncia os adultos e est� diretamente relacionado � sobrepeso, sedentarismo e dieta inadequada.

Seu tratamento, muitas vezes, � feito com a ado��o de alimenta��o saud�vel e pr�tica regular de exerc�cios, mas, em alguns casos, se faz necess�rio o uso de insulina e/ou outros medicamentos para controlar a glicose.

Segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), algumas pessoas que s�o diagnosticadas com o Tipo 2 desenvolvem um processo autoimune e acabam perdendo c�lulas beta do p�ncreas.

Neste caso, o diagn�stico � o LADA, cujo controle da glicemia tamb�m � feito com insulina e/ou medicamentos orais, planejamento alimentar e atividade f�sica.

Por �ltimo, o diabetes gestacional � uma condi��o tempor�ria que acontece durante a gravidez por conta das altera��es hormonais. Neste caso, h� risco tanto para as m�es quanto para os beb�s, como crescimento excessivo (macrossomia fetal), partos traum�ticos e prematuros, hipoglicemia neonatal e obesidade e diabetes na vida adulta.

Seu controle � feito, na maioria das vezes, com a orienta��o nutricional adequada, associada ou n�o � atividade f�sica e uso de insulina.

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