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Estado de Minas PANDEMIA

'N�o podemos fazer pol�tica de combate � pobreza com os olhos da riqueza', diz soci�loga

Crise gerada pela pandemia do coronav�rus levou o governo brasileiro a criar o aux�lio emergencial e aumentou o debate sobre o futuro de programas de transfer�ncia de renda, como o Bolsa Fam�lia


20/07/2020 07:32 - atualizado 20/07/2020 08:18

(foto: Rovena Rosa/Ag�ncia Brasil)

Com base em preconceitos, a sociedade quer definir qual pobre merece receber aux�lio do Estado, segundo a avalia��o da soci�loga Let�cia Bartholo, especialista em programas de transfer�ncia de renda. � a�, diz a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), que moram as armadilhas do debate sobre programas de combate � pobreza.

"� um tom moralizante que caracteriza a sociedade brasileira e por isso est� presente em todos os setores. � voc�, baseado num preconceito sobre os pobres, definir qual � o pobre merit�rio, que faz jus ao amparo do Estado, e qual � o pobre n�o merit�rio", diz. "N�o podemos fazer pol�tica de combate � pobreza com os olhos da riqueza."

A discuss�o sobre programas de combate � pobreza no Brasil aumentou depois que a crise gerada pela pandemia do coronav�rus levou o governo a criar o aux�lio emergencial para proteger a popula��o mais vulner�vel.

A equipe do presidente Jair Bolsonaro tem falado com mais frequ�ncia sobre uma amplia��o do programa Bolsa Fam�lia. Embora n�o tenha apresentado formalmente uma proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o novo programa chamar� Renda Brasil, reunir� programas sociais existentes e ter� valor mais alto do que o Bolsa Fam�lia.

O Bolsa Fam�lia hoje atende 14,2 milh�es de fam�lias, com benef�cio que varia em fun��o da renda, do n�mero de pessoas na fam�lia e idade delas. O valor pago �, em m�dia, de R$ 188, segundo dados de junho de 2020.

Em entrevista � BBC News Brasil, Bartholo, que foi secret�ria nacional adjunta de Renda de Cidadania de 2012 a 2016, explica quais s�o os principais eixos que devem ser levados em conta na hora desenhar ou reformar um programa de transfer�ncia de renda e analisa o que considera armadilhas. Veja, a seguir, os principais pontos:

Os eixos

Ao se pensar em um novo programa de transfer�ncia de renda ou na amplia��o do Bolsa Fam�lia, deve-se levar em conta tr�s eixos, segundo Bartholo.

O primeiro � a defini��o do p�blico: quem vai fazer jus ao benef�cio. Ela diz que, a�, � necess�rio considerar a din�mica da pobreza no Brasil. "A popula��o pobre � formada em grande parte por pessoas que entram e saem da pobreza com muita facilidade", diz.

Para ilustrar esse car�ter vol�til da renda dos mais pobres no Brasil, a soci�loga aponta que, considerando cinco trimestres, 65% da popula��o brasileira enfrenta ao menos um trimestre com renda mensal per capita inferior a meio sal�rio m�nimo.

O segundo eixo � a defini��o do valor do benef�cio, que deve ser calculado, nas palavras dela, para ser "efetivamente impactante" na redu��o da pobreza.

E o terceiro ponto, diz ela, � dar seguran�a � popula��o em rela��o ao benef�cio: garantir que ele n�o ser� retirado de forma abrupta e que ele ser� atualizado de forma peri�dica.

"O programa deve ter uma atualiza��o monet�ria das linhas de pobreza e valores de benef�cio. Essa atualiza��o deve ser peri�dica, coisa que ainda n�o temos no Bolsa Fam�lia, que tem suas atualiza��es feitas de forma discricion�ria."

Bartholo diz que esse debate deve incluir n�o s� economistas, mas tamb�m especialistas em pobreza e desigualdade e em assist�ncia social, sa�de e educa��o que v�m acompanhando a articula��o do Bolsa Fam�lia com essas �reas ao longo dos �ltimos anos.

Em artigo publicado em junho, ela e outros tr�s especialistas no assunto (Luis Henrique Paiva, Rodrigo Orair e Pedro H. G. Ferreira de Souza) defendem que seja adotado um programa tempor�rio de transfer�ncia de renda (12 a 18 meses), como uma transi��o do aux�lio emergencial para um formato permanente. Eles argumentam que isso permitiria aliar a urg�ncia do tema com a necessidade de debate.

Fazer uma mudan�a muito r�pida, segundo os autores, "� correr o s�rio risco de substituir um programa de reconhecido �xito como o Bolsa Fam�lia por algo mal desenhado e com implementa��o de baixa qualidade".

Questionada sobre quais deveriam ser os par�metros para um novo benef�cio, a pesquisadora defende que seja, pelo menos, um benef�cio mensal de no m�nimo R$ 100 para cada indiv�duo com renda familiar mensal de at� meio sal�rio m�nimo per capita, sem limite de pessoas na fam�lia.

Qu�o maior teria que ser o or�amento em rela��o ao do Bolsa Fam�lia hoje para acomodar essa proposta? Ela diz que pelo menos quatro vezes.

O grande problema, geralmente apontado pela equipe econ�mica, � como arcar com novas despesas em um or�amento j� considerado apertado.

Bartholo diz que a discuss�o de amplia��o do benef�cio deve vir vinculada ao debate da reforma tribut�ria. E reconhece que, al�m disso, provavelmente teria que haver uma revis�o do teto de gastos, que � o mecanismo aprovado em 2016 que prev� que o gasto m�ximo que o governo pode ter � calculado com base no or�amento do ano anterior, corrigido pela infla��o.

'Mundo digital' e outras armadilhas

Um ponto que Bartholo destaca como uma grande armadilha, quando se trata de um programa com foco na popula��o mais vulner�vel, � o pensamento de que tudo deve migrar para o digital.

"Muitas vezes se fala, por exemplo, que o mundo � digital. 'Vamos fazer de forma digital'. A� voc� pergunta: para quem o mundo � digital? Ser� que no interior do Brasil o mundo � digital como pensamos aqui de Bras�lia? Num pa�s onde praticamente 70 milh�es de adultos n�o completarem o ensino m�dio? E s� conseguimos suplantar isso indo at� o local, conversando com a popula��o, ou no m�nimo conversando com quem est� de fato em comunica��o constante com essa popula��o."

Esse contato com os benefici�rios dos programas sociais � feito pela rede de assist�ncia social nos munic�pios brasileiros: 8 mil centros de refer�ncia atendem praticamente 70 milh�es de pessoas vulner�veis � pobreza.

Da forma como funciona hoje, � nesses locais que essas pessoas fazem seu cadastro, se informam e s�o acompanhadas. "Para elas, esse encontro cara a cara com o poder p�blico faz toda a diferen�a", diz a pesquisadora.

Bartholo avalia que, "se hoje o Bolsa Fam�lia conta com toda esta rede de atendimento e tem qualidade reconhecida mundialmente, � porque optou por fortalecer as redes de assist�ncia locais".

"Construir um programa de transfer�ncia de renda baseado completamente no acesso digital pelas pessoas e centralizado no n�vel federal ser�, sem d�vida, um retrocesso e um bom passo para o fracasso."

Bartholo publicou em julho outro artigo com os soci�logos Pedro H. G. Ferreira de Souza, e Luis Henrique Paiva e o economista Rodrigo Orair que aponta que outra armadilha nesse debate est� em acreditar que recursos poupados com os chamados pentes-finos (a an�lise de quem recebe benef�cio sem ter direito) seriam suficientes para construir um programa de transfer�ncia de renda realmente efetivo na supera��o da pobreza. Eles apontam que n�o bastaria apenas um "choque de gest�o" para a pol�tica se tornar mais eficiente e efetiva — embora, claro, seja dever do Estado fazer esse controle e corrigir eventuais erros.

E o argumento recorrente no Brasil de que benef�cios como o Bolsa Fam�lia podem acomodar as pessoas e eventualmente desestimular a busca por trabalho?

Bartholo diz que essa coloca��o n�o se sustenta e tamb�m a define como armadilha. Ela afirma que estudos com base em resultados do Bolsa Fam�lia demonstram que benefici�rios do Bolsa Fam�lia, comparados a pessoas do mesmo perfil n�o atendidas, t�m mais acesso ao mercado de trabalho formal.

"Do ponto de vista das pesquisas quantitativas sabemos que benefici�rios do Bolsa Fam�lia n�o deixam de buscar inser��o no mercado de trabalho formal. E os estudos qualitativos, principalmente aqueles feitos com m�es benefici�rias do programa, � que o benef�cio fez com que elas pudessem achar que a mis�ria n�o era mais uma sina, que a mis�ria n�o � um destino, que os filhos e elas podem ter um novo futuro. Isso � voc� sair de uma condi��o de resigna��o completa e ir para um patamar de cidadania, em que tem expectativa de que as coisas podem mudar."


Pandemia do coronavírus levou o governo a criar o auxílio emergencial para proteger a população mais vulnerável.
Pandemia do coronav�rus levou o governo a criar o aux�lio emergencial para proteger a popula��o mais vulner�vel. (foto: Getty Images)

Outro erro, na avalia��o de Bartholo, seria mudar o nome do programa. O ministro Paulo Guedes, contudo, chegou a mencionar que o pr�prio Bolsa Fam�lia foi uma uni�o de outros programas, ao defender o nome de Renda Brasil.

A pesquisadora argumenta que "o Bolsa Fam�lia veio de um amadurecimento a partir dos programas anteriores, mas teve amplitude de escala muito maior e formou, junto dele, uma rede de acompanhamento nas �reas de sa�de, assist�ncia social e educa��o que o caracterizam".

No artigo, os autores dizem que batizar uma amplia��o do Bolsa Fam�lia com outro nome "s� confundiria a popula��o e causaria entre os mais pobres a sensa��o de que a exist�ncia do benef�cio depende de manter no poder quem o criou — sentimentos diametralmente opostos � no��o de renda b�sica".

O Bolsa Fam�lia foi criado no governo do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva, do PT.

Impactos do aux�lio emergencial

Sobre o j� existente aux�lio emergencial, de R$ 600, Bartholo diz que tem sido fundamental para a prote��o da popula��o mais vulner�vel durante a pandemia. Ela cita que o benef�cio atinge 65 milh�es de pessoas de forma direta e mais de 120 milh�es de brasileiros de forma indireta — ou seja, considerando as fam�lias dos benefici�rios. Isso representa mais de metade da popula��o brasileira, de 209,5 milh�es de pessoas.

O benef�cio foi anunciado com dura��o de tr�s meses, a ser pago a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), aut�nomos e desempregados que cumprem determinados requisitos, como renda familiar per capita de at� meio sal�rio m�nimo (R$ 522,50) ou com renda total de at� tr�s sal�rios m�nimos (R$ 3.135). Em julho, o governo anunciou prorroga��o por mais dois meses.

A pesquisadora aponta, no entanto, pelo menos dois pontos que considera ruins. O primeiro � deixar de fora do benef�cio quem recebeu rendimentos tribut�veis acima do teto de R$ 28.559,70 em 2018. Por se tratar de um cen�rio de um ano e meio atr�s, ela aponta que a realidade financeira dessa pessoa pode estar diferente hoje.

O segundo tem a ver, de novo, com o acesso � tecnologia. Os benefici�rios que n�o estavam inscritos no Cadastro �nico s� tinham a op��o de fazer o pedido do aux�lio por site ou aplicativo. Para Bartholo, isso dificulta o acesso de parte do p�blico que teria direito ao benef�cio.


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