
Em pouco mais de nove meses, mais de 5 bilh�es de doses de vacinas contra a Covid-19 foram aplicadas e cerca de um quarto da popula��o mundial j� est� efetivamente protegida.
Essa corrida contra o rel�gio para imunizar o maior n�mero de indiv�duos e frear uma pandemia, que j� matou 4,4 milh�es de pessoas, trouxe muito aprendizados.
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O primeiro e, talvez, o mais importante deles, � que as vacinas funcionam e est�o cumprindo aquilo que elas prometiam l� no in�cio: proteger contra casos graves da doen�a, que exigem interna��o e intuba��o e, muitas vezes, acabam em morte.
Isso fica claro quando vemos o que est� acontecendo agora nos pa�ses com a campanha de vacina��o mais adiantada, como Israel, Reino Unido, algumas partes dos Estados Unidos e at� no Brasil.Em sua grande maioria, os pacientes internados com Covid-19 ao longo dos �ltimos meses nesses lugares apresentam algumas caracter�sticas em comum: eles s�o mais jovens, n�o foram vacinados, tomaram apenas a primeira dose ou possuem mais de 60 anos e receberam o imunizante h� mais de seis meses.
E, em conjunto, essas observa��es j� justificam a necessidade de ajustes nos esfor�os de vacina��o — como � o caso da aplica��o de uma terceira dose para grupos priorit�rios, anunciada oficialmente pelo Minist�rio da Sa�de na quarta-feira (25/8), com in�cio previsto para 15 de setembro.
Outro exemplo de corre��o na rota foi a antecipa��o em 30 dias do tempo entre a primeira e a segunda dose das vacinas de AstraZeneca/Oxford ou Pfizer/BioNTech, informa��o confirmada pelo Governo Federal.
Antes, a orienta��o era aguardar tr�s meses para completar o esquema vacinal. Agora, essa espera caiu para 60 dias.
A experi�ncia de vida real tamb�m indica os desafios que podemos enfrentar na pandemia ao longo dos pr�ximos meses.
Uma obra inacabada
Todas as vacinas dispon�veis contra a Covid-19 foram criadas com um objetivo principal: diminuir o risco de desenvolver as formas graves da doen�a.
Os testes cl�nicos, que serviram de base para a aprova��o desses produtos pelas ag�ncias regulat�rias, demonstraram exatamente isso: os imunizantes s�o seguros e eficazes e t�m capacidade de barrar o avan�o do coronav�rus pelo nosso organismo, que leva a desgastes em v�rios �rg�os, especialmente nos pulm�es.
A preven��o dos quadros mais severos � estrat�gica quando pensamos em sa�de p�blica.
Se menos gente desenvolve os sintomas mais pesados, isso significa menor procura por assist�ncia m�dica, hospitais sem sobrecarga de lota��o, recursos suficientes para atender a demanda e um sistema de sa�de equilibrado e sem colapso.
Esse � o racional que justifica, por exemplo, a vacina��o anual contra o influenza, o v�rus causador da gripe.
Embora a dose peri�dica desse imunizante n�o evite a infec��o em si, ela diminui pra valer as complica��es da doen�a, que costumam ser um tormento, especialmente para algumas popula��es mais vulner�veis, como os idosos.
No caso da Covid-19, o uso massivo de alguns imunizantes, como foi o caso da Comirnaty, de Pfizer e BioNTech, trouxe uma surpresa ainda maior: a vacina��o n�o estava apenas diminuindo as interna��es e as mortes, mas come�ou a impactar a transmiss�o do coronav�rus.
Foi o que aconteceu em Israel entre abril e julho de 2021, por exemplo: com uma das campanhas de vacina��o mais adiantadas do mundo, o pa�s viu os n�meros de casos, hospitaliza��es e mortes ficarem muito pr�ximos do zero.
Mas a� aconteceram duas coisas que fizeram a situa��o voltar a piorar por l�.
Primeiro, um relaxamento das medidas restritivas, o que � natural e esperado diante do aparente controle interno da crise sanit�ria.
Segundo, a chegada da variante Delta do coronav�rus, que foi detectada pela primeira vez na �ndia.
Os estudos mostram que essa linhagem � de 40 a 60% mais transmiss�vel que a variante Alfa, origin�ria do Reino Unido — que, por sua vez, j� era 50% mais transmiss�vel que a vers�o original do v�rus, identificada em Wuhan, na China.
Esses dois fatores levaram a uma nova subida dos casos de Covid-19 em Israel a partir do in�cio de agosto.
"O que percebemos em lugares como Israel � que, apesar do aumento das infec��es, o crescimento de hospitaliza��es e �bitos n�o acontece na mesma propor��o ao que v�amos antes", analisa a m�dica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm).
Essa manuten��o das interna��es e das mortes num patamar mais baixo por l� precisa ainda ser acompanhada por mais tempo, mas possivelmente tem a ver com a vacina��o adiantada.
Mesmo assim, a mudan�a de cen�rio epidemiol�gico foi suficiente para que as autoridades de sa�de p�blica israelenses decidissem ofertar uma terceira dose da vacina para algumas popula��es mais propensas a complica��es, como indiv�duos acima dos 60 anos ou aqueles com a imunidade comprometida.
Mas ser� que o efeito da vacina diminui mesmo com o passar do tempo?
O prazo de validade da prote��o
A m�dica Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin de Vacinas, organiza��o que trabalha com pol�ticas p�blicas de imuniza��o em v�rios pa�ses do mundo, explica que h� uma queda natural na produ��o de anticorpos contra o coronav�rus ap�s cinco ou seis meses da aplica��o da segunda dose.
"Mas isso n�o quer dizer que a pessoa fique totalmente vulner�vel de novo. A prote��o contra hospitaliza��o e �bitos parece n�o cair na mesma propor��o", explica.
Ou seja: quem tomou a vacina h� algum tempo at� corre mais risco de se infectar, mas, caso isso realmente ocorra, a probabilidade de evoluir para as formas mais graves da Covid-19 � relativamente menor em compara��o com quem n�o recebeu as suas doses.
"Com a queda de anticorpos, as primeiras linhas de defesa contra o coronav�rus ficam mais fr�geis. Isso at� permite que ele entre no organismo e consiga se replicar nas vias a�reas superiores. Mas logo as c�lulas de mem�ria, que integram o sistema imunol�gico, s�o ativadas e impedem a evolu��o do quadro", diz Garrett.

"Os surtos entre indiv�duos totalmente vacinados s�o marcados por sintomas mais leves. Pelo que vimos at� agora, em termos de hospitaliza��es e �bitos, a grande maioria � constitu�da de pessoas que n�o foram imunizadas", completa.
E � poss�vel observar esse fen�meno na pr�tica, especialmente nos Estados Unidos.
A pandemia dos n�o-vacinados
A situa��o nos Estados Unidos beira o surreal: por l�, existem doses suficientes para proteger todos os cidad�os contra a Covid-19, mas uma parte consider�vel das pessoas se recusa a receber os imunizantes.
At� o momento, pouco mais de 60% dos americanos tomaram ao menos a primeira vacina.
Os gestores p�blicos t�m encontrado muitas dificuldades em convencer a parcela mais resistente e hesitante da popula��o a participar da campanha.
E isso j� se reflete nos n�meros da pandemia no pa�s.
Um trabalho do Departamento de Sa�de de Los Angeles mostrou que, entre o in�cio de maio e o final de julho, foram detectados 43,1 mil casos de Covid-19 no local.
Desses, 10,8 mil (25% do total) ocorreram entre indiv�duos completamente vacinados, 1,4 mil (3%) entre aqueles que receberam apenas uma dose e 30,8 mil (71%) afetaram os que n�o foram imunizados.
O dado que chama mais a aten��o vem na sequ�ncia: a taxa de hospitaliza��o pela doen�a foi 29,2 vezes maior entre quem n�o estava com o esquema vacinal conclu�do.
Outro estudo, feito no Estado de Nova York, cruzou as informa��es da vacina��o com as taxas de hospitaliza��o por Covid-19 entre maio e julho de 2021.
Os resultados mostram que, no per�odo, aconteceram 1,2 mil interna��es pela doen�a entre pessoas que tomaram as duas doses, o que indica uma taxa de 0,17 casos por 100 mil habitantes.
J� entre os n�o vacinados, foram 7,3 mil interna��es registradas, com uma taxa de 2,03 por 100 mil habitantes — o que significa um n�mero proporcional 11,9 vezes maior na compara��o entre os dois grupos.
Os autores concluem dizendo que as tr�s vacinas dispon�veis por l� (de Pfizer/BioNTech, Janssen e Moderna) s�o efetivas na preven��o de casos graves, hospitaliza��es e mortes por Covid-19, mesmo num cen�rio de aumento de casos da doen�a pela variante Delta.
Um terceiro artigo que analisou a situa��o americana, assinado por 24 cientistas de diversas universidades, analisou 3 mil adultos hospitalizados (dos quais 1,1 mil estavam com Covid-19). Desses, apenas 11,8% tinham recebido as duas doses da vacina 14 dias antes de os sintomas da infec��o aparecerem.
A efetividade da vacina continuava relativamente alta tr�s meses ap�s a vacina��o: em m�dia, a prote��o contra hospitaliza��o estava em 86%. Passados seis meses, essa taxa tinha se modificado muito pouco, com uma queda n�o significativa para 84%.
A redu��o foi maior em alguns grupos, especialmente pacientes que apresentam algum problema com a imunidade, como idosos, portadores de HIV, pessoas em tratamento de c�ncer ou rec�m-transplantados.
No Brasil, infelizmente, ainda n�o temos informa��es do tipo. O pesquisador Leonardo Bastos, do Programa de Computa��o Cient�fica da Funda��o Oswaldo Cruz (FioCruz), conta que os bancos de dados apresentam algumas inconsist�ncias que dificultam o cruzamento das informa��es de quantos indiv�duos hospitalizados com Covid-19 tomaram (ou n�o) as duas doses da vacina no pa�s.
"No sistema informatizado que registra as interna��es por infec��es respirat�rias no Brasil, at� existe um campo sobre vacina��o, mas ele n�o � muito bem preenchido na pr�tica", avalia.
"Mas esse � um trabalho que pode ser feito pelas equipes de vigil�ncia dos Estados ou do Minist�rio da Sa�de", completa.
Um levantamento feito pelo Instituto de Infectologia Em�lio Ribas, em S�o Paulo, pode dar algumas pistas da situa��o em nosso pa�s.
De acordo com os registros, divulgados pela GloboNews, dos 987 internados com Covid-19 na institui��o entre fevereiro e julho, apenas 1,6% estava efetivamente vacinado.
"N�o podemos, por�m, extrapolar a realidade de um �nico hospital para o pa�s inteiro. Temos uma baixa qualidade dos registros de status vacinal dos indiv�duos hospitalizados que precisam ser melhorados", defende Marcelo Gomes, da FioCruz.
A evolu��o das faixas et�rias
O avan�o da vacina��o tamb�m parece ter rela��o com outro fen�meno recente: o rejuvenescimento da pandemia ao longo dos �ltimos meses.
Antes de entrar nos detalhes, vale relembrar aqui que a imuniza��o contra a Covid-19 teve como um de seus principais crit�rios a divis�o por faixas et�rias.
As campanhas come�aram, em janeiro de 2021, protegendo os mais velhos e, a cada semana e de acordo com a disponibilidade de doses, indiv�duos mais jovens eram convocados aos postos de sa�de.
Conforme os idosos foram imunizados, a taxa de hospitaliza��es e �bitos diminuiu entre esse grupo e aumentou proporcionalmente entre os mais jovens.
No Boletim InfoGripe, publicado por especialistas da FioCruz, essa varia��o das faixas et�rias � f�cil de ser visualizada.
Na primeira semana de 2021, indiv�duos com mais de 80 anos representavam proporcionalmente 22% das interna��es e 33% dos �bitos por SRAG (S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave) registradas no pa�s.
Essa taxa foi caindo pouco a pouco e chegou a 6,7% das hospitaliza��es e 12% dos �bitos entre abril e maio.
Em paralelo, a participa��o relativa dos mais jovens s� aumentou: indiv�duos de 40 a 59 anos respondiam por cerca de 23% das interna��es e 14% das mortes por SRAG no come�o de 2021.
No meio do ano, essa faixa et�ria passou a representar 51% das interna��es e 44% dos �bitos.
A partir das �ltimas semanas de julho e agosto, por�m, � poss�vel observar uma nova revers�o de tend�ncia: a participa��o relativa dos mais idosos voltou a subir e eles j� representam 12% dos casos internados e 28% das mortes.
Mas o que esses n�meros significam na pr�tica? Para Leonardo Bastos, � poss�vel pensar numa conjun��o de fatores por tr�s dessas flutua��es.
"Precisamos considerar a chegada da Delta, o relaxamento das medidas restritivas e uma eventual diminui��o da efetividade das vacinas com o passar do tempo, especialmente nos grupos que receberam as doses l� no in�cio do ano", especula.
Uma � pouco, duas s�o boas e tr�s podem ser necess�rias
Outro aprendizado que o andamento da campanha de vacina��o nos trouxe � a necessidade de completar direitinho o esquema das duas doses.
"A primeira dose n�o � suficiente para trazer uma prote��o duradoura e completa. � preciso tomar a segunda dentro do intervalo preconizado", refor�a Garrett.
Al�m das duas doses, a evolu��o do conhecimento nas �ltimas semanas levou a discuss�o para um novo patamar.
Falamos aqui da necessidade em oferecer uma terceira vacina a alguns grupos, especialmente aqueles mais vulner�veis (caso de idosos e dos imunossuprimidos).
Pol�ticas do tipo j� foram oficializadas em Israel, Chile, Estados Unidos e outros 11 pa�ses.
No Brasil, o Minist�rio da Sa�de bateu o martelo na quarta-feira (25/8): a partir de 15 de setembro, pessoas com mais de 70 anos e os imunossuprimidos (que est�o em tratamento de c�ncer, fizeram transplante recentemente, v�timas de acidentes severos com fogo, entre outros) poder�o receber o refor�o.
A orienta��o � aplicar a vacina da Pfizer nesses casos. Se o local n�o tiver doses desse fabricante � disposi��o, tamb�m poder�o ser usados os produtos de Janssen ou de AstraZeneca.

Por um lado, a terceira dose parece ser necess�ria para resguardar a popula��o mais propensa a sofrer com as complica��es da Covid-19. Por�m, por outro, h� uma discuss�o �tica e humanit�ria por tr�s de uma decis�o do tipo, ainda mais quando os pa�ses incluem a aplica��o de refor�os em grupos que n�o s�o t�o propensos assim a desenvolver formas graves da doen�a.
Isso porque h� uma enorme desigualdade na distribui��o de doses pelo mundo: enquanto as na��es mais ricas j� vacinaram uma parcela significativa da popula��o e se preocupam com o refor�o de seus cidad�os, h� muitos locais da Am�rica Latina, da �frica e do Sudeste Asi�tico que sequer avan�aram na prote��o dos grupos priorit�rios, como idosos e profissionais da sa�de.
E isso pode representar um risco para o planeta inteiro. Enquanto o coronav�rus estiver circulando livremente, convivemos com o perigo iminente de surgirem novas variantes mais transmiss�veis, agressivas e com capacidade de driblar os imunizantes j� dispon�veis.
"Nossa prioridade deveria ser vacinar, com duas doses, o maior n�mero de pessoas o mais r�pido poss�vel. Enquanto n�o fizermos isso, estamos perdendo tempo e brincando com o perigo", diz Ballalai.
"Antes de discutir a terceira dose para todos, dever�amos pensar de forma global e humanit�ria, at� para nos proteger de novas variantes ainda mais agressivas", alerta a especialista.
� curioso pensar que, mesmo diante de tantas novidades e aprendizados nas �ltimas semanas, o principal recado talvez nem tenha mudado tanto assim: as vacinas funcionam e protegem contra as formas mais graves da doen�a, mas nenhuma delas � 100% eficaz (como nenhum outro imunizante j� inventado ao longo da hist�ria, diga-se).
Enquanto as campanhas avan�am aos trancos e barrancos mundo afora, � preciso que todos continuem fazendo sua parte e respeitando aqueles cuidados b�sicos, como o distanciamento f�sico e o uso de m�scaras.
S� assim ser� poss�vel pensar que a pandemia virar� assunto do passado em algum momento do futuro.
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