
No in�cio de 2021, a equipe do Hospital Infantil de Maimonides, no Brooklyn, em Nova York (EUA), come�ou a experimentar uma cautelosa sensa��o de al�vio. Os casos de covid-19 na cidade estavam em queda. Como efeito colateral do distanciamento social, uso de m�scaras e lavagem constante de m�os, notava-se tamb�m a queda de outras infec��es virais, como a gripe. Mas eis que, em mar�o, um n�mero crescente de crian�as e beb�s come�ou a chegar ao hospital com dificuldade para respirar.
Eles haviam sido infectados com o VSR, sigla de v�rus sincicial respirat�rio, uma infec��o comum no inverno e causadora de problemas pulmonares. Naquela �poca, fim do inverno no hemisf�rio Norte, os casos de VSR deveriam estar minguando, mas em vez disso estavam crescendo.
Nos meses seguintes, casos de VSR fora de temporada abalaram o ver�o em lugares t�o distantes entre si quanto o sul dos EUA, a Su��a, o Jap�o e o Reino Unido. No Brasil, os mais recentes boletins InfoGripe, da Fiocruz, tamb�m citam o aumento no n�mero de casos de VSR, presente em todo o pa�s, com maior incid�ncia registrada nas regi�es Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
O estranho comportamento do v�rus parece ser uma consequ�ncia indireta da pandemia de covid-19, dizem m�dicos. No ano passado, o isolamento social impediu sua circula��o, mas, como resultado, muitas crian�as n�o tiveram a oportunidade de criar imunidade contra ele.
Quando as medidas de isolamento foram relaxadas, o VSR se deparou com uma vasta popula��o de beb�s e crian�as suscet�veis, causando surtos em momentos inesperados. At� ent�o um v�rus razoavelmente previs�vel, o VSR se tornou capaz de surpreender hospitais e fam�lias a qualquer momento do ano. Os surtos n�o sazonais sobrecarregaram equipes m�dicas, colocaram fam�lias em alerta e mostrou o quanto a covid-19 e as rea��es associadas a ela est�o redesenhando o mundo.
Em alguns lugares, equipes m�dicas viveram momentos traum�ticos.

"Nossa UTI voltou a ficar sobrecarregada, desta vez n�o com covid, mas com outro v�rus", relembra Rabia Agha, diretora do setor de doen�as infecciosas pedi�tricas do Hospital Maimonides. No pico do surto em nova York, no in�cio de abril, a maioria das crian�as internadas na UTI tinham se infectado com o VSR.
Ao redor do mundo, o v�rus avan�ou sobre popula��es de crian�as que, at� ent�o, estavam havia meses protegidas de doen�as infecciosas.
"Foi uma surpresa. Sab�amos que havia algo em que prestar aten��o, mas n�o sab�amos que seriam tantas (crian�as doentes)", afirma Christoph Berger, chefe do departamento de doen�as infecciosas e epidemiologia do Hospital Universit�rio Infantil de Zurique, na Su��a.
Ali, as infec��es de VSR geralmente sobem em janeiro e zeram entre junho e agosto, meses de ver�o. Neste ano, por�m, n�o houve casos no inverno - em vez disso, a infec��o come�ou a crescer em junho e alcan�ou 183 casos em julho, muito al�m dos �ndices de invernos anteriores.
"Ficamos lotados, todos os leitos ocupados, o que � um desafio", diz Berger a respeito da situa��o em julho.
Para os hospitais infantis da cidade su��a, o VSR virou um problema maior do que o coronav�rus havia sido no pa�s no ver�o. "N�o tivemos quase nenhum caso de covid-19 naquele per�odo", diz Berger. As poucas crian�as que chegaram ao hospital com quadro de covid-19 se recuperaram rapidamente. "As que tinham VSR tiveram que ficar mais tempo (no hospital)", afirma.
A infec��o pelo VSR, por si s�, n�o � causa para preocupa��o. Segundo o Centro de Controle de Doen�as dos EUA (CDC), a maioria das crian�as vai ser infectada pelo v�rus antes dos dois anos. Na maioria dos casos, o quadro ser� semelhante ao de um resfriado, com coriza e tosse, e a recupera��o se d� por conta pr�pria.
Mas, em alguns beb�s e crian�as pequenas, o v�rus pode causar bronquiolite, uma inflama��o nos br�nquios pulmonares, causando dificuldades para comer e respirar.
Em torno de 1% a 2% de beb�s com menos de seis meses precisam ser hospitalizados e tratados com suplementa��o de oxig�nio por m�scaras ou tubos nasais. Em alguns casos, tamb�m � necess�rio uma sonda alimentar. Com essas interven��es, a maioria das crian�as melhora em quest�o de dias.
Antes da pandemia de coronav�rus, os hospitais costumavam se preparar para surtos de VSR antes do inverno. A maioria dos casos de risco, como de beb�s prematuros e os com comorbidades pulmonares e card�acas, eram protegidos com uma dose de anticorpos palivizumabe, que precisa ser administrada mensalmente durante os meses de atividade do VSR - mais um motivo pelo qual a prepara��o antecipada ao v�rus � t�o importante.

A pandemia bagun�ou esse ritmo sazonal, bem como seu papel na imunidade infantil.
"Com as medidas que t�nhamos contra covid-19 (...), uma temporada de VSR foi pulada. E se voc� pula uma, n�o est� produzindo anticorpos contra ele, e m�es n�o est�o produzindo anticorpos que s�o passados aos seus beb�s", diz Agha.
Como resultado, esses beb�s podem estar particularmente vulner�veis ao VSR quando a sociedade se reabre. Dados de diferentes pa�ses sustentam a ideia de v�cuo de imunidade por conta de uma temporada "pulada". "O maior aumento relativo de casos � entre crian�as de um ano de idade que 'perderam' uma temporada de VSR no outono/inverno passado", disse por e-mail � BBC a Ag�ncia de Sa�de P�blica brit�nica ao descrever o avan�o dos casos no ver�o em partes da Inglaterra.
Esse salto de uma temporada aumenta o grupo de beb�s e crian�as suscet�veis porque ficaram isoladas, bem como os beb�s nascidos desde ent�o. Isso torna o surto viral mais poderoso. Em T�quio, pesquisas identificaram o maior crescimento anual em casos de VSR desde que o monitoramento come�ou, em 2003.
Para al�m das circunst�ncias da pandemia, outros aspectos desse cen�rio viral envolvendo o VSR ainda n�o foram esclarecidos, como por que o v�rus (mas n�o o da gripe) avan�ou quando o isolamento social foi relaxado.
O padr�o dessa varia��o sazonal do VSR tamb�m varia de pa�s para pa�s. Agha e sua equipe no Brooklyn observaram que o surto ali foi incomumente severo, afetando crian�as bem mais novas do que o comum e for�ando a interna��o de v�rias delas na UTI. Mas na Austr�lia, por exemplo, o grupo afetado foi mais velho do que de costume.

Uma grande quest�o � qual ser� o padr�o para os pr�ximos meses, uma vez que surtos no ver�o n�o necessariamente impedem ressurgimentos da doen�a nos meses mais frios. Em algumas partes do mundo, tem havido um aumento somente agora, no outono do hemisf�rio Norte.
"O VSR e a bronquiolite causada por ele s�o, com certeza, o motivo da prepara��o dos hospitais infantis", diz Sophia Varadkar, vice-diretora m�dica e neurologista pedi�trica no Hospital Infantil Great Ormond Street, em Londres.
Ali, os casos t�m come�ado a subir, e ela prev� a chegada de mais pacientes nas pr�ximas semanas.
Para pais e cuidadores de beb�s, o VSR pode resultar em uma preocupa��o maior do que com a covid-19, diz Varadkar. "A covid em crian�as, de modo geral, n�o foi um problema significativo. N�o adoeceu tantas. O VSR � potencialmente um mal maior, afetando mais crian�as, e sabemos que ele pode adoecer os beb�s pequenos."
Com a reabertura das escolas, v�rus como o VSR ter�o mais oportunidades de espalhar. Mas o comportamento dos adultos pode ser mais crucial. Na Su��a, creches e grupos infantis se mantiveram em funcionamento durante o inverno, e crian�as pequenas n�o usavam m�scaras. A despeito disso, quase nenhuma crian�a adoeceu com o VSR ou de gripe durante o inverno - e o motivo provavelmente foi que as medidas sanit�rias adotadas pelos adultos ajudaram a proteger as crian�as.
"As pessoas sempre dizem que as crian�as infectam os adultos, mas, se voc� pensar bem, n�o foi o caso - foi o oposto disso", diz Berger. "Quando adultos e crian�as mais velhas usam m�scaras, mant�m o distanciamento social e lavam suas m�os, n�o vemos nem gripe nem VSR. E quando eles arrefecem nesses controles, o v�rus volta a circular, e mais crian�as pequenas v�o parar no hospital."
Mesmo apesar do surto no ver�o, hospitais do hemisf�rio Norte permanecem em alerta. "N�o tenho a menor ideia de como vai ser - se j� passaram todos os casos ou se veremos uma nova onda no inverno", prossegue o m�dico.
Lavagem cuidadosa de m�os e distanciamento de beb�s vulner�veis de pessoas com coriza ou tosse pode ajudar na preven��o. Essas medidas tamb�m ajudam a achatar a curva de um surto de VSR, dando aos hospitais a capacidade de suportar aumentos na demanda.
"Para a maioria das crian�as, o VSR s� causar� um adoecimento leve, que pode ser tratado pelos pais, porque elas s� precisar�o de conforto, alimenta��o mais frequente, paracetamol se tiverem febre e s�", diz Varadkar.
Mas se o beb� apresentar dificuldade em respirar ou mamar, ou se os pais sentirem que algo simplesmente n�o vai bem, eles devem procurar atendimento m�dico, afirma ela.
No Hospital Infantil Maimonides, em Nova York, o pico de casos do VSR passou. Mas Agha enxerga uma li��o maior para os hospitais que est�o se adaptando a um mundo p�s-covid.
"O que isso nos ensinou foi que voc� precisa estar preparado", diz a m�dica. "N�o viemos os mesmos tempos de dois anos atr�s. A vida mudou, o mundo mudou, e esses v�rus est�o evoluindo e se comportando de modo inesperado.
- Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) publicada pela BBC Future
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