
Imagine que, durante os pr�ximos 60 minutos, voc� ter� dois compromissos. O primeiro deles � uma reuni�o de trabalho sobre um tema que voc� considera chato e tedioso. O segundo � um caf� com um grupo de amigos, com os quais voc� adora conversar.
Mesmo que as duas atividades tenham exatamente a mesma dura��o, a tend�ncia natural � que a sensa��o da passagem de tempo em cada uma delas seja muito diferente. Enquanto cada segundo da reuni�o parece demorar uma eternidade, o caf� vai passar voando num piscar de olhos.
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Mas e o que aconteceu durante os primeiros meses da pandemia de covid-19? Ser� que o lockdown, o distanciamento social, o trabalho remoto, a suspens�o das aulas e o cancelamento de festas e datas comemorativas alteraram a forma como a gente se relaciona com o rel�gio?
Essa foi a curiosidade que guiou uma pesquisa realizada pela Universidade Federal do ABC (UFABC), na regi�o metropolitana de S�o Paulo, e pelo Instituto do C�rebro do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.A partir de maio de 2020, os especialistas enviaram pela internet um question�rio, e 3.855 pessoas toparam participar do experimento. Durante 15 semanas, os volunt�rios responderam, com o aux�lio de uma escala, perguntas relacionadas � percep��o de tempo e �s sensa��es do dia a dia.
Para tanto, os cientistas levaram em conta dois dom�nios diferentes. O primeiro foi a expans�o temporal, ou a no��o de que os minutos se prolongam e custam a passar — o que desemboca em t�dio.
J� o segundo tem a ver com a press�o temporal, em que parece que h� mais tarefas na agenda do que horas suficientes para cumpri-las. Quando essa sensa��o se prolonga, aparece o estresse e o abandono de dimens�es importantes da vida, como o autocuidado e o relacionamento saud�vel com familiares e amigos.
Vale lembrar que o primeiro semestre de 2020 foi marcado por muitas incertezas: a doen�a havia sido descoberta pouco tempo atr�s, os casos estavam subindo rapidamente (com uma situa��o de calamidade em alguns pa�ses), n�o existia vacina ou rem�dio efetivos e o isolamento era a �nica sa�da para conter o v�rus.
O estudo brasileiro, publicado recentemente no peri�dico especializado Science Advances, revela que a percep��o de tempo entre os participantes mudou com o avan�ar dos dias.
Em resumo, ele indica que o tempo "se expandiu" logo no in�cio da pandemia, mas essa sensa��o foi diminuindo com o passar das semanas. Outro achado interessante foi o de que a nossa consci�ncia sobre a evolu��o das horas est� diretamente relacionada com fatores psicol�gicos, como solid�o e estresse.
As emo��es se revelaram um aspecto crucial da maneira como o tempo � vivenciado, concluem os autores do artigo.
Mas ser� que � poss�vel explicar como acontecem essas mudan�as e o que elas podem significar, at� para a vida p�s-pandemia?
Um universo a ser explorado
O neurofisiologista Andr� Cravo, um dos respons�veis pela pesquisa, explica que a percep��o de tempo envolve uma s�rie de habilidades do sistema nervoso.
"Uma delas � a capacidade de manter um ritmo, como medir adequadamente os milissegundos entre clicar no bot�o do mouse e ver alguma altera��o na tela do computador", diz.

"Outra tem a ver com estimar a dura��o de eventos no passado e coloc�-los dentro de uma linha de tempo, em uma ordem de acontecimentos", continua o especialista, que integra o Laborat�rio de Cogni��o e Percep��o do Tempo da UFABC.
"E tamb�m existe uma terceira habilidade, que envolve estimar intervalos de eventos do passado e tentar comparar com eventos similares do presente, como uma maneira de avaliar se o tempo passa mais r�pido ou devagar", completa.
A Ci�ncia ainda n�o desvendou completamente os mecanismos por tr�s de todos esses processos, ou quais s�o exatamente as �reas do c�rebro envolvidas nessa tarefa t�o complexa.
Mas uma coisa que n�o d� pra ignorar — e a pesquisa brasileira observou — � o impacto das emo��es na percep��o de que os ponteiros do rel�gio est�o em marcha lenta ou em alta velocidade.
"No nosso estudo, fatores sociodemogr�ficos, como g�nero e idade, n�o foram t�o preponderantes para a percep��o de tempo. O que mais influenciou mesmo foram os fatores psicol�gicos, como a solid�o, o t�dio…", diz Cravo.
"Mas � preciso levar em conta que os volunt�rios pertenciam a classes sociais com mais condi��es, e temos bons motivos para acreditar que indiv�duos numa situa��o econ�mica mais complicada tenham sentido uma press�o temporal mais forte na pandemia."
Portanto, � poss�vel especular que, entre os participantes do experimento, aquela sensa��o de expans�o do tempo no in�cio da crise sanit�ria tenha a ver com uma agenda mais livre e com horas extras, que antes eram dedicadas �s atividades sociais ou aos deslocamentos entre casa e trabalho.
Num primeiro momento, isso esteve relacionado � sensa��o de t�dio e enfado, que foi diminuindo com o passar das semanas.
Mas esse sentimento � bastante subjetivo e pode variar de acordo com a realidade de cada um: � poss�vel que, para algu�m que precisa sair de casa para ganhar seu sustento, esses mesmos primeiros dias da covid-19 tenham sido marcados pela press�o temporal e pelo estresse.

Cravo tamb�m lembra que as caracter�sticas individuais influenciam nessa percep��o e na forma como cada um experimentou esse per�odo.
"Para alguns, n�o poder sair foi muito ruim e agoniante. J� para outros, que t�m tra�os mais introvertidos, foi bem mais f�cil se adaptar."
Uma sensa��o que veio para ficar (ou que vai embora?)
Outra quest�o que fica em aberto tem a ver com o impacto que um evento como a pandemia deixa na percep��o de tempo pelo resto da vida — mesmo quando a covid-19 deixar de ser uma emerg�ncia de sa�de p�blica internacional.
Por ora, ainda n�o foram publicados estudos sobre esse tema. O neurocientista Raymundo Machado, do Instituto do C�rebro do Hospital Israelita Albert Einstein e que tamb�m fez parte do estudo, lista algumas maneiras de medir esse efeito a longo prazo.
"Daqui a dois ou tr�s anos, poderemos entrevistar as pessoas para ver se elas se lembram da sequ�ncia em que os eventos aconteceram nesse per�odo. Ser� que a aus�ncia de marcos temporais importantes, como feriados e festas de anivers�rio, vai afetar a maneira como relacionamos as mem�rias?", questiona o pesquisador.
Um exemplo simples: voc� consegue se lembrar de bate-pronto dos momentos exatos em que ocorreram as trocas de ministros da Sa�de no Brasil nesses dois anos? Quando saiu Luiz Henrique Mandetta e entrou Nelson Teich? Em que m�s e ano o general Eduardo Pazuello assumiu o posto? Quando ele deixou o minist�rio? E o m�dico Marcelo Queiroga est� no cargo desde que m�s?
Montar esse verdadeiro quebra-cabe�as pode ser um desafio ainda maior daqui a alguns anos, quando espera-se que a pandemia seja coisa do passado e os marcos temporais (anivers�rios, festas, feriados…) estejam 100% restabelecidos.

Machado tamb�m destaca a dificuldade de comparar, do ponto de vista da percep��o de tempo, a atual crise sanit�ria com qualquer outro evento hist�rico.
"Mesmo na gripe espanhola ou nas duas guerras mundiais, a forma como as pessoas lidaram com esses eventos foi diferente em cada parte do planeta." E isso, claro, influencia na percep��o do tempo sentida nesses locais.
"J� na covid, todo o mundo experimentou coisas parecidas, e a maioria dos pa�ses adotou algum tipo de distanciamento f�sico, ao menos por algum tempo", conta o especialista. Ou seja: n�o h� paralelos hist�ricos e ainda � cedo para dizer se as mudan�as sentidas na pandemia seguir�o por toda a vida.
Mas os especialistas especulam que indiv�duos que sofreram mais nesse per�odo — e at� desenvolveram transtornos s�rios, como depress�o, ansiedade ou estresse traum�tico — podem ter uma rela��o mais atribulada com o rel�gio daqui pra frente.
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