
“Um artigo pr�-impresso do prestigioso Grupo de Pesquisas Cl�nicas da Universidade de Oxford, publicado em 10 de agosto no The Lancet, constatou que indiv�duos vacinados transportam 251 vezes mais a carga do v�rus COVID-19 em suas narinas em compara��o com os n�o vacinados”, afirma o subt�tulo do texto publicado no site The Defender Children’s Health Defense, organizado por Robert Kennedy Jr, conhecido no movimento antivacina dos Estados Unidos.
Originalmente em ingl�s, esse artigo foi traduzido para o portugu�s e compartilhado por milhares de usu�rios no Facebook (1, 2), no Instagram (1, 2, 3), no Twitter (1, 2, 3) e em outros sites.
Originalmente em ingl�s, esse artigo foi traduzido para o portugu�s e compartilhado por milhares de usu�rios no Facebook (1, 2), no Instagram (1, 2, 3), no Twitter (1, 2, 3) e em outros sites.
“Indiv�duos vacinados est�o lan�ando explos�es virais concentradas em suas comunidades e provocando novos surtos de COVID. Os trabalhadores de sa�de vacinados est�o quase certamente infectando seus colegas de trabalho e pacientes, causando terr�veis danos colaterais”, aponta a publica��o.
Essa alega��o tamb�m circulou em franc�s e em espanhol.
De onde vem esse n�mero?
A cifra compartilhada nas publica��es virais foi obtida de uma publica��o cient�fica preliminar: “Transmiss�o da variante delta do SARS-CoV-2 entre trabalhadores de sa�de vacinados, Vietn�”, postada em 10 de agosto de 2021.Nesse “preprint”, ou publica��o n�o revisada por pares, os pesquisadores estudaram as infec��es pela variante delta do novo coronav�rus entre a equipe m�dica de um hospital especializado no tratamento de doen�as infecciosas no Vietn�. Todos haviam sido vacinados contra a covid-19 com o imunizante da AstraZeneca.
Entre 11 e 25 de junho de 2021, 69 dos 900 trabalhadores do hospital testaram positivo para o SARS-CoV-2, todos infectados pela variante delta. Desses 69, 62 participaram de um ensaio cl�nico. Entre os infectados, 49 eram pr�-sintom�ticos e apenas um necessitou de suprimento de oxig�nio.
Ao contr�rio do que afirmam os internautas, o texto n�o � um “estudo publicado na The Lancet”, mas uma vers�o preliminar de um artigo cient�fico que ainda n�o foi revisado por pares ou publicado em uma revista cient�fica.
O preprint foi divulgado em uma plataforma dentro do site da The Lancet, que reserva uma parte de seu portal para esse tipo de artigo. Mas a revista m�dica deixa clara a diferen�a entre o que est� dispon�vel na se��o “preprints com The Lancet” e o que � publicado na revista em si.
“As publica��es dispon�veis aqui n�o s�o publica��es da Lancet e n�o est�o necessariamente sendo examinadas pela The Lancet”, escreve o site que abriga esses trabalhos.
E detalha que “esses resultados n�o devem ser utilizados para tomada de decis�es m�dicas ou de sa�de p�blica, e n�o devem ser apresentados a um p�blico n�o familiarizado sem destacar que s�o preliminares e que n�o foram avaliados por pares”.
“Uma interpreta��o errada dos dados”
O n�mero “251” aparece na parte de resumo (“abstract”, em ingl�s) da pr�-publica��o, um apanhado do trabalho realizado que resume a maneira como as pesquisas foram conduzidas, bem como as conclus�es alcan�adas.
“A carga viral nos casos de infec��o pela variante delta eram 251 vezes mais elevados do que a [carga viral] daqueles casos de infectados por cepas antigas, detectadas entre mar�o e abril de 2020”, relatam os pesquisadores.

Em outros termos, � explicado que os profissionais de sa�de - todos vacinados na amostra - infectados pela variante delta tinham cargas virais superiores �s daquelas de pessoas infectadas pelas cepas iniciais do v�rus, durante os primeiros meses da pandemia, quando as vacinas contra a covid-19 ainda n�o estavam dispon�veis.
“O objetivo desse artigo � comparar a carga viral nas pessoas contaminadas pela variante delta com rela��o �quelas que haviam sido contaminadas em 2020 com as cepas iniciais. Os pesquisadores descobriram que as pessoas contaminadas pela variante delta possu�am 250 vezes mais carga viral - ou seja, quantidade de v�rus - do que as infectadas um ano antes”, explicou Fr�d�ric Altare, imunologista e diretor de pesquisa no Instituto Nacional da Sa�de e da Pesquisa M�dica (Inserm) da Fran�a, contactado em 25 de agosto de 2021 pela equipe de verifica��o da AFP.
“Percebe-se que eles est�o interessados nesse trabalho somente nas pessoas vacinadas, mas n�o � porque est�o vacinadas que essas pessoas possuem essa carga viral”, continuou o especialista.
“Comparar as cargas virais de pessoas vacinadas com as de pessoas que n�o est�o vacinadas e n�o utilizar as mesmas cepas virais equivale a comparar peras e ma��s”, acrescentou � AFP, no mesmo 25 de agosto, o professor Jean-Daniel Leli�vre, chefe do servi�o de doen�as infecciosas no Hospital Henri-Mondor de Cr�teil, Fran�a. Ele explicou, ainda, que concluir que a carga viral de vacinados � “251 vezes superior �quela de n�o vacinados”, como faz o artigo compartilhado nas redes sociais, � uma “interpreta��o errada de dados cient�ficos”.
Na verdade, as cepas originais do v�rus detectadas durante os primeiros meses da pandemia foram suplantadas posteriormente pelas variantes.
Segundo dados da Rede Gen�mica da Fiocruz, em agosto de 2021, 46,5% dos genomas sequenciados do SARS-CoV-2 eram da variante delta. Essa cepa, inicialmente detectada na �ndia, � considerada 60% mais transmiss�vel do que sua antecessora, a alfa, e duas vezes mais transmiss�vel que a original do v�rus.
“As amostras dos vacinados s�o colhidas um ano depois, com uma variante diferente que � muito mais infecciosa e que se propaga muito mais r�pido, e todos com, provavelmente, m�todos de PCR quantitativos [testes de PCR que permitem avaliar a carga viral da amostra], que evolu�ram depois de um ano”, assinalou � AFP no mesmo sentido Yves Buisson, epidemiologista e membro da Academia de Medicina da Fran�a, em 25 de agosto de 2021.
Para comparar as cargas virais de pessoas vacinadas e n�o vacinadas seria necess�rio utilizar uma amostra de pacientes infectados pela mesma cepa viral e em um per�odo de tempo semelhante, o que n�o foi feito nesse trabalho, j� que a carga viral de pacientes n�o vacinados infectados pela variante delta n�o foi pesquisada.
� imposs�vel, portanto, concluir com base nesse estudo que hoje uma pessoa vacinada teria uma quantidade mais significativa de v�rus em seu organismo do que uma pessoa n�o vacinada. At� a apari��o da variante delta, diferentes estudos (1, 2, 3) conclu�ram que as vacinas reduziram a carga viral, como explicado � AFP Claude-Agn�s Reynaud, imunologista e diretora de pesquisa no Centro Nacional de Pesquisa Cient�fica (CNRS) da Fran�a.
“O v�rus entra pelo nariz e torna-se perigoso nos pulm�es. O que a vacina faz � prevenir que ele des�a pelo sistema respirat�rio e chegue at� os pulm�es. � por isso que temos quase 95% de efic�cia contra formas graves da doen�a”, afirmou em 3 de agosto de 2021.
A situa��o, no entanto, tornou-se mais complexa com a apari��o da variante delta, com a qual o grau de cont�gio, de fato, suscita temores de queda no n�vel de prote��o das vacinas existentes e de rebote na circula��o e transmiss�o do v�rus, tanto entre vacinados quanto entre n�o vacinados.
Al�m disso, os especialistas apontam que a vacina utilizada para imunizar os trabalhadores de sa�de no hospital vietnamita era a AstraZeneca. Sua efic�cia � ligeiramente menor diante das formas sintom�ticas da doen�a provocadas pela variante delta: 60% contra 88% para a Pfizer/BioNTech, segundo um estudo brit�nico publicado em maio.
Vacinados n�o s�o “uma amea�a para n�o vacinados”
Usar esse estudo para sustentar a alega��o de que as pessoas vacinadas s�o “uma amea�a” para as n�o vacinadas � “pura desinforma��o”, assinalaram � AFP os cientistas entrevistados.
“Em nenhum caso as pessoas vacinadas podem ser altamente contaminantes e perigosas para as n�o vacinadas”, afirmou Fr�d�ric Altare, que refor�ou a import�ncia da acelera��o da campanha de vacina��o devido ao aumento de casos de covid-19 em raz�o da variante delta.
Segundo dados divulgados em 24 de agosto de 2021 pelas autoridades norte-americanas, a efetividade das vacinas Pfizer e Moderna contra a covid-19 caiu de 91% para 66% desde que a variante delta tornou-se dominante nos Estados Unidos.
Al�m das caracter�sticas da delta, isso poderia estar ligado ao fato de a efetividade das vacinas diminuir com o tempo: de 88% para 74% ap�s cinco a seis meses para a Pfizer e de 77% para 67% ap�s quatro a cinco meses para a AstraZeneca, de acordo com um estudo brit�nico publicado em 25 de agosto de 2021. Por isso cada vez mais pa�ses consideram uma dose de refor�o, em geral uma terceira dose.
De forma un�nime, os especialistas insistem que as vacinas s�o indispens�veis na luta contra essa variante. “O que os cientistas recomendam � que haja o maior n�mero de pessoas protegidas”, declarou � AFP o epidemiologista Antoine Flahault no �ltimo dia 27 de agosto.
Isso porque, mesmo que as vacinas contra o novo coronav�rus n�o impe�am a transmiss�o ou a contamina��o, elas ainda s�o muito eficazes na preven��o de formas graves da doen�a e hospitaliza��o.
Um estudo publicado em 21 de julho de 2021 no New England Journal of Medicine concluiu que duas doses da vacina Pfizer, por exemplo, s�o 88% efetivas na prote��o contra formas graves da doen�a causada pela variante delta e 35% efetivas com uma dose.
O epidemiologista Yves Buisson tamb�m aponta que, no preprint viralizado nas redes sociais, apenas um dos 62 enfermeiros infectados no hospital vietnamita precisou do apoio do oxig�nio. Isso mostra, segundo ele, a efetividade da vacina��o.
“Por fim, � importante lembrar que estar vacinado n�o pode impedir que se respeite as medidas de distanciamento e que se continue usando a m�scara, pois ainda � poss�vel ser portador e transmissor do v�rus, principalmente no caso da variante delta”, explicou o especialista.
No entanto, “cada pessoa que abriga o v�rus fornece um campo de jogos para ele, onde � prov�vel que sofra uma muta��o”, advertiu Claude-Agn�s Reynaud.
Conte�do semelhante foi verificado pelas equipes da Ag�ncia Lupa e do Aos Fatos.
Leia mais sobre a COVID-19
Confira outras informa��es relevantes sobre a pandemia provocada pelo v�rus Sars-CoV-2 no Brasil e no mundo. Textos, infogr�ficos e v�deos falam sobre sintomas, preven��o, pesquisa e vacina��o.
- Vacinas contra COVID-19 usadas no Brasil e suas diferen�as
- Minas Gerais tem 10 vacinas em pesquisa nas universidades
- Entenda as regras de prote��o contra as novas cepas
- Como funciona o 'passaporte de vacina��o'?
- Os protocolos para a volta �s aulas em BH
- Pandemia, epidemia e endemia. Entenda a diferen�a
- Quais os sintomas do coronav�rus?
Confira respostas a 15 d�vidas mais comuns
Guia r�pido explica com o que se sabe at� agora sobre temas como risco de infec��o ap�s a vacina��o, efic�cia dos imunizantes, efeitos colaterais e o p�s-vacina. Depois de vacinado, preciso continuar a usar m�scara? Posso pegar COVID-19 mesmo ap�s receber as duas doses da vacina? Posso beber ap�s vacinar? Confira esta e outras perguntas e respostas sobre a COVID-19.