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Centen�rio de Jo�o Cabral de Melo Neto: releia entrevista hist�rica

Em homenagem ao 100 anos do nascimento do poeta, o Pensar resgata entrevista assinada por Gerson Camarotti para o Correio Braziliense/Di�rios Associados em 1998


03/01/2020 04:00 - atualizado 03/01/2020 08:12

(foto: Christina Bocayuva/CB/D.A Press - 9/1/1998)
(foto: Christina Bocayuva/CB/D.A Press - 9/1/1998)
 

O meu �ltimo encontro com o poeta Jo�o Cabral de Melo Neto aconteceu em nove de janeiro de 1998, no apartamento em que ele morava, na Praia do Flamengo. A rodada de duas longas conversas – talvez a �ltima grande entrevista de Jo�o Cabral – foi publicada pelo Correio Braziliense/Di�rios Associados na semana seguinte, na s�rie ‘A arte de escrever’, que reuniu os maiores escritores brasileiros. O autor de poemas como Morte e vida severina e O c�o sem plumas estava quase completamente cego e demonstrava des�nimo. “Este � o meu �ltimo anivers�rio”, declarou, um ano antes da morte, em outubro de 1999. Jo�o Cabral de Melo Neto se dizia um ex-escritor e reafirmava: “Escrever para mim sempre foi um of�cio pesado”. O registro � da fot�grafa Christina Bocayuva, que me acompanhou naqueles dois encontros.

O menino Jo�o n�o tinha mais que 10 anos. Apesar de franzino e da pouca idade, se tornou o centro das aten��es dos trabalhadores dos canaviais pertencentes aos engenhos de sua fam�lia, nas cidades nordestinas de S�o Louren�o da Mata e Moreno. Neles, passou toda a inf�ncia. O “sinhozinho” era o �nico que sabia ler entre uma massa de trabalhadores analfabetos.


Nos dias de folga, os trabalhadores corriam at� a feira para comprar folhetos de cordel. Com xilogravuras ilustrando as capas, os livretos traziam hist�rias de amor, trai��es, crimes, aventuras, milagres, recria��es de cl�ssicos e a viol�ncia do canga�o em forma de poesia popular. De volta ao engenho, pegavam o menino Jo�o na casa-grande.


Era ele o respons�vel pelas melhores horas de lazer daqueles homens rudes, que passavam dias seguidos com uma �nica ocupa��o: o corte da cana. Logo se fazia uma roda em torno do garoto respons�vel pelas sess�es de leitura, que era colocado em cima de um carro de boi. O sil�ncio imperava. Todos ficavam atentos e cheios de espanto com as hist�rias dos versos de cordel recitadas pelo menino.


A cena se passou na Zona da Mata pernambucana dos anos 20 e ficaria para sempre nas lembran�as do maior poeta vivo da l�ngua portuguesa, Jo�o Cabral de Melo Neto. S� cinco d�cadas depois, no final dos anos 70, ele iria transformar essa mem�ria em poema.


“No dia a dia do engenho, /toda a semana, durante,/cochichavam-me em segredo:/saiu um novo romance. /E da feira do domingo/me traziam conspirantes/para que os lesse e explicasse/um romance de barbante...”, escreveu Cabral em Descoberta da literatura, que integra o livro A escola das facas, de 1979.


(foto: Christina Bocayuva/CB/D.A Press - 9/1/1998)
(foto: Christina Bocayuva/CB/D.A Press - 9/1/1998)
Retomar a inf�ncia meio s�culo depois foi a forma que o poeta encontrou para resgatar as origens perdidas na vida de diplomata. “Quando morei em Pernambuco eu n�o escrevi sobre Pernambuco. Afinal, estava l� dentro, compreende? J� quando morei fora, senti falta. Foi s� a� que escrevi sobre a minha terra. Estava com saudades de certas coisas. Por isso, procurava re- gistrar. Essa � uma cicatriz que n�o some. At� hoje penso na minha inf�ncia”, revela Cabral, mostrando o lado mais humano de um poeta que sempre negou o sentimentalismo.


Jo�o Cabral nunca se imp�s uma rotina de escritor. Escolheu uma profiss�o que o permitisse se aprofundar no que mais gostava (e gosta): a literatura. Como diplomata, tinha estabilidade no emprego por ser funcion�rio p�blico. Era essa tranquilidade que fazia com que se dedicasse � poesia durante sua carreira no Itamaraty. “Todo o tempo eu escrevia”, conta Cabral.

 

"Minha poesia procura ser n�o l�rica e n�o subjetiva. � feita para despertar e n�o para embalar"

Jo�o Cabral de Melo Neto

 


Mas nem sempre existia muito tempo. Os trabalhos burocr�ticos nas embaixadas por onde serviu �s vezes lhe consumiam o tempo da poesia. Como nunca viveu do que produziu, Cabral n�o podia se dar ao luxo de dispensar o servi�o para se dedicar exclusivamente � literatura.


Esse foi um dos motivos que tornaram lento o seu processo de cria��o. Nunca conseguiu fazer um poema de primeira. Era preciso tempo at� maturar a obra. “Come�o a escrever o poema, e largo. �s vezes s� retomo os versos depois de v�rios anos. J� teve poema que passei quase uma d�cada para retomar”, conta Cabral.


Um bom exemplo � o pequeno poema Tecendo a manh�, do livro A educa��o pela pedra, de 1965, em que levou seis anos para concluir. “Comecei a escrever em Sevilha, depois fui a Genebra e, de l�, para Berna”, relembra Cabral o calv�rio para concluir o poema.


Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo neto em Paris(foto: Arquivo O Cruzeiro)
Vinicius de Moraes e Jo�o Cabral de Melo neto em Paris (foto: Arquivo O Cruzeiro)
“�s vezes fica faltando apenas uma pequena coisa. Mas s� dou o poema por pronto quando me satisfaz, quando fica exatamente o que queria fazer”, comenta. Em seguida, faz uma cr�tica sutil. “� quest�o de temperamento. Tem gente que publica tudo o que escreve. Como n�o tenho �nsia de publicar, prefiro ficar trabalhando at� me dar por satisfeito”, explica, sem dizer nomes.


Em compensa��o, diferentemente da maior parte dos escritores, ele nunca se arrependeu ou quis fazer alguma modifica��o em poemas depois da publica��o. “Quando concluo alguma obra, me desligo dela”, explica.


Jo�o Cabral � um homem de contradi��es. Para ele, o ato de escrever n�o lhe proporciona prazer. “Pelo contr�rio. Sempre me deu muito trabalho. Escrever para mim sempre foi um of�cio pesado”, revela. Mas por que ent�o se tornou poeta? “Comecei a escrever e come�aram a gostar. De forma que sentia uma certa responsabilidade de continuar escrevendo”, conta, sobre o motivo de ter permanecido no caminho das letras.


Todos os seus poemas s�o feitos a m�o. “S� depois passo a limpo na m�quina de escrever.” Jamais pensou em usar o computador. “N�o sei o que � isso”, afirma Cabral. “Eu preciso ver o poema. S� olhando consigo criar. Minha obra � muito pl�stica”, comenta o autor de O rio.


Cabral sempre negou a inspira��o em sua poesia. Se acorda no meio da noite com uma ideia na cabe�a, ele procura esquecer. “Por qu�? N�o � uma ideia minha. E sim um sonho que veio. Portanto, � eco de alguma coisa. A ideia precisa ser o resultado de um esfor�o intelectual, da lucidez”, explica o poeta.

 

"Meus poemas n�o t�m origem. Eu vejo uma coisa que me interessa e escrevo. Eu n�o fiz um poema sobre a aspirina?"

Jo�o Cabral de Melo Neto

 


Apesar de negar a inspira��o e de fazer uma poesia concreta, ele acredita na sensibilidade de sua obra. “O po�tico � dizer certas coisas de maneira afetiva, de uma maneira sensorial. E isso � o que tento fazer na minha poesia”, argumenta Cabral, explicando que, por mais que use a raz�o, faz uma poesia n�o racional. “Caso contr�rio, escreveria equa��es matem�ticas.”


Talvez por isso � que, mesmo fazendo uma poesia “racional”, exista uma pluralidade de interpreta��es para seus textos. “�s vezes, surgem interpreta��es completamente diferentes. Quando � uma interpreta��o que acho v�lida eu deixo, mas quando acho que � uma interpreta��o err�nea a� eu conserto”, pondera Cabral, que recebe com naturalidade coment�rios inesperados sobre a sua obra.


“Val�ry dizia que o poema n�o � uma partitura. Poema � um instrumento musical. Voc� toca nele o que quiser”, repassa o ensinamento.


� o pr�prio Jo�o Cabral quem faz uma autodefini��o de sua obra: “Minha poesia procura ser n�o l�rica e n�o subjetiva. � feita para despertar e n�o para embalar. Utilizo de prefer�ncia voc�bulos concretos e n�o abstratos. Tenho a impress�o de que essas s�o as principais caracter�sticas que reconhe�o nela”.


At� hoje, Cabral diz ter medo do inferno que lhe foi ensinado pelos maristas durante as aulas na inf�ncia. E o inferno � o motivo pelo qual teme tanto a morte. Mas esse tema nunca foi assunto de sua poesia. “S�o fatos pessoais e a minha poesia n�o tem nada de subjetiva”, desconversa Cabral sobre seus medos. Ao mesmo tempo em que teme o inferno e a morte, o poeta se diz ateu. “O ser humano � cheio de contradi��es”, se justifica.

Surpresas no caminho

Na vida do poeta existem fatos curiosos. Por pouco o seu poema de maior sucesso, o auto de Natal pernambucano Morte e vida severina n�o � levado ao esquecimento. O texto foi encomendado por Maria Clara Machado, em 1954, para ser encenado pelo Tablado. Depois de pronto, ela leu e devolveu. Disse que o grupo que comandava n�o tinha condi��es c�nicas para levar ao palco. Como estava concluindo um livro e o editor achava a quantidade de poemas insuficiente, Cabral acabou por tirar as marca��es para teatro e incluiu o auto para “encher” o livro Duas �guas.


“Para mim, foi uma surpresa quando o Vin�cius (de Moraes) me ligou, maravilhado com o poema. E acrescenta: ‘N�o escrevi esse texto para intelectuais como voc�, e sim para pessoas mais simples’”, lembra o poeta a rea��o que teve. At� hoje se espanta com o sucesso de Morte e vida severina, um dos poucos textos que fez com prazo de entrega definido.


O grande dom�nio da realidade do sert�o, presente em parte de sua obra e em Morte e vida severina, deve-se principalmente � quantidade de sertanejos que o “menino Jo�o” conheceu na Zona da Mata. O sert�o que descreve � o mesmo dos romances do Nordeste escritos por Jos� Lins do R�go, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, onde � comum a figura do retirante que luta contra a seca.
“Essa vis�o � bem diferente do sert�o de Ariano Suassuna, que � um universo fabuloso, m�tico”, explica Cabral a diferen�a entre essas duas realidades, que ele colocou no poema A pedra do reino, dedicado a Suassuna. “Foi bem saber-se que o sert�o/n�o s� fala a l�ngua do n�o...”


Quando crian�a, em Pernambuco, o menino Jo�o se espantava com a grande quantidade de Severinos que encontrava, boa parte deles retirantes e sertanejos. Da� o nome que escolheu para o personagem principal do auto. “Acho que � por causa daquela romaria, S�o Severino dos Ramos (Paudalho/Mata Norte de Pernambuco), que existe tanta gente com o nome Severino. Esse nome � t�o popular em Pernambuco como � Raimundo no Cear�. Repare quanto cearense se chama Raimundo. S� aqui no pr�dio tem dois porteiros cearenses que se chamam Raimundo. Acho que se tivesse nascido no Cear�, o t�tulo da pe�a teria sido Morte e vida raimunda”, comenta Cabral.


A poesia de Jo�o Cabral nada tem de ficcional. Pelo contr�rio. � o resultado do seu cotidiano. At� poemas como Morte e vida severina – longe de ser uma hist�ria fruto da imagina��o do autor – formam um retrato da dura realidade que Cabral foi testemunha em sua regi�o. “Nunca me ocorreu de ser romancista ou contista”, esclarece o poeta.


A tem�tica social � predominante em boa parte da poesia cabralina. Al�m de Morte e vida severina, sua obra mais popular e que lhe deu reconhecimento internacional, outra que se destaca � o C�o sem plumas, duro retrato da situa��o �s margens do Rio Capibaribe. “� o pr�prio Capibaribe. Quem conhece esse rio sabe da mis�ria que existe por l�. Quem tem um c�o em sua casa, sempre dispensa cuidados. J� o Capibaribe � o c�o sem plumas, o c�o pobre, compreende?”, explica Jo�o, recorrendo ao seu caracter�stico cacoete verbal ao final das frases.


Influ�ncias cubistas

Se dependesse dos padres maristas, Cabral nunca teria sido escritor. Apesar de ser um bom aluno e de gostar de ler desde crian�a, s� chegavam em suas m�os autores “chatos” como Olavo Bilac. “S� comecei a me interessar mais sobre literatura com 16, 17 anos. Nessa �poca, frequentei um grupo de escritores e intelectuais l� em Pernambuco”.


Foi quando pegou pela primeira vez um livro de Carlos Drummond de Andrade – Brejo das almas – e descobriu que existe outro tipo de poesia, sem orat�ria. Mesmo sendo Drummond o motivo da descoberta de um novo horizonte, Cabral n�o se intimida quando precisa fazer cr�tica. “Tive uma grande influ�ncia da primeira fase de Drummond. Isso porque depois ele ficou muito discursivo”, observa.


Foi o artista pl�stico Vicente do R�go Monteiro quem apresentou para Cabral os pintores modernos, principalmente os cubistas. R�go Monteiro tinha acabado de chegar de Paris, fugindo da guerra. E trouxe para Cabral livros que o impressionaram bastante. Ali�s, � dele a tela A paisagem zero, que despertou grande fasc�nio em Cabral e acabou inspirando-o em um de seus primeiros poemas, que leva o mesmo nome do quadro. S� muitos anos depois � que ele consegue adquirir o quadro, que hoje fica em seu quarto. A pedido do Correio, posou ao lado da tela, colocada especialmente na sala por sua mulher, a poeta Marly de Oliveira.


Foi nessa �poca que come�ou a se interessar pela arquitetura e engenharia por meio de um amigo, o poeta e engenheiro Joaquim Cardozo. Iniciou ent�o estudos sobre as teorias de Le Corbusier. “Depois li muito Val�ry, Mallarm�, Baudelaire, todos esses autores que n�o acreditam em inspira��o”, conta Cabral a respeito da ess�ncia de suas influ�ncias. Para ele, arquitetura e poesia andam juntas. “A estrutura de um poema tem que ser arquitetada”, teoriza.


João Cabral de Melo Neto na cerimônia de posse na Academia Brasileira de Letras(foto: Robson de Freitas/O Cruzeiro)
Jo�o Cabral de Melo Neto na cerim�nia de posse na Academia Brasileira de Letras (foto: Robson de Freitas/O Cruzeiro)
Alguns anos depois, a vida de diplomata possibilitaria a Jo�o Cabral oportunidades �nicas, como a conviv�ncia com o pintor catal�o Joan Mir�. Na �poca da ditadura franquista na Espanha, o artista estava proibido de realizar exposi��es. Na condi��o de c�nsul em Barcelona, o poeta era um dos poucos que tinha acesso aos trabalhos do pintor. “Acabei publicando os quadros do Mir� que a humanidade s� iria conhecer muito tempo depois”, lembra o autor, que escreveu um denso ensaio sobre as telas que o g�nio catal�o havia pintado na Fran�a durante a guerra e as que ele estava fazendo na Catalunha.


Hoje, Cabral vive recluso em seu amplo apartamento, na Praia do Flamengo. N�o sai mais de casa nem para ir � Academia Brasileira de Letras, at� um ano atr�s o seu �nico passatempo. Motivo desse ex�lio: perdeu a vis�o. “Afinal, estou cego”, comenta o poeta levando as m�os at� os olhos.
Desde 1992, ap�s ficar dois meses e meio na UTI, por causa de complica��es numa cirurgia que fez para tratar de uma �lcera no est�mago, a vis�o de Cabral fa- lhou. O poeta desconfia de que sua retina ficou exposta enquanto seus olhos ficavam abertos durante o longo tempo em que ficou inconsciente. Mas n�o tem certeza.


Agora, s� lhe resta uma vis�o perif�rica. “� como se uma nuvem encobrisse os meus olhos”, descreve o poeta. “Como eu n�o leio mais, a literatura � algo que saiu da minha vida.” Isso o tem deprimido profundamente. O cotidiano passou a ser uma tormenta a ponto de Jo�o Cabral de Melo Neto se dizer um ex-escritor. Passa os dias na companhia da insepar�vel esposa, Marly.


Diferentemente do argentino Jorge Lu�s Borges, Jo�o Cabral de Melo Neto n�o consegue ditar seus poemas. “Existem pessoas que t�m sensibilidade no ouvido. Eu n�o. Sou visual. Para mim, � a maior tortura ter que participar de uma confer�ncia. Eu fico com a cabe�a longe. No col�gio, os padres come�avam a fazer serm�o e eu estava pensando em futebol”, relembra Cabral, advertindo o rep�rter sobre sua impossibilidade auditiva. A �nica coisa que ainda desperta algum entusiasmo no poeta � ficar acompanhando not�cias ou partidas de futebol pelo r�dio.


Jo�o Cabral recebeu a reportagem em 9 de janeiro de 1998. Na data, completava 78 anos. Sem festa ou comemora��o, fazia quest�o de explicitar o seu des�nimo. “Esse vai ser o meu �ltimo anivers�rio”, deixou escapar.


Antes de ser uma profecia (Cabral morreu em outubro de 1999), a frase pronunciada por um dos maiores nomes da literatura brasileira em todos os tempos revela a ang�stia de um poeta que n�o pode mais enxergar. Para quem, portanto, o fato de existir come�a a perder o sentido.

 

Como nasce um livro

 

Origem dos versos

“Meus poemas n�o t�m origem. Eu vejo uma coisa que me interessa e escrevo. Eu n�o fiz um poema sobre a aspirina? Escrevi tamb�m muito sobre o Recife e sobre Sevilha, os dois lugares que mais me marcaram. O que faz ou n�o estar na minha poesia � o acaso. De repente, um objeto, uma obra de arte, um jogador de futebol ou um fato fazem com que eu me interesse e escreva um poema.”


Desenvolvimento da poesia

“Eu tenho muito poucos poemas narrativos. Morte e vida severina � narrativo. Fiz O rio exatamente porque depois que conclu� o C�o sem plumas, percebi que tinha deixado o Capibaribe s� no Recife. Ent�o, resolvi buscar o Capibaribe l� na origem. Como conhecia aquela regi�o, desenvolvi o poema atrav�s da �tica do Capibaribe, que se transforma num rio que fala. J� o desenvolvimento da poesia, tem para mim uma caracter�stica pr�pria. Para falar de um assunto, tenho que falar de diversas coisas. Ent�o concateno aquelas coisas e sai o poema.”


Rotina e cotidiano


“Escrevia nas horas vagas. Quando n�o estava trabalhando estava lendo ou escrevendo. Atualmente, o meu dia a dia � n�o fazer nada. H� um ano n�o vou sequer � Academia Brasileira de Letras. Al�m da vis�o, tamb�m estou fraco das pernas. N�o posso ler, fato que est� me deprimindo muito. Ainda me interesso um pouco por futebol, mas s� acompanho pelo ouvido, j� que n�o posso ver televis�o. Tamb�m escuto not�cias no r�dio.”


Composi��o de um poema

“Eu n�o acredito em inspira��o e nem sou um poeta inspirado. O ato de criar para mim � intelectual. Minha poesia trabalha a cria��o e a constru��o. Acredito na expira��o. Na composi��o de um poema, primeiro me ocorre um tema e eu tomo nota. Depois vou estudando-o e desenvolvendo-o. Nunca escrevi um poema inspirado, soprado pelo Esp�rito Santo. Isso eu n�o sei o que �.”

 

Trechos comentados pelo autor

Num monumento � aspirina
“Claramente: o mais pr�tico dos s�is,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego f�cil, port�til e barato,
compacto de sol na l�pide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite n�o expulsa, cada noite,
sol imune �s leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quar�-la, em linhos de um meio-dia. ...”

Num monumento � aspirina, poema do livro
A educa��o pela pedra
“Eu tomei aspirina durante quase minha vida toda. Teve uma �poca em que eu chegava a tomar cinco aspirinas por dia. Depois eu fiz uma opera��o no corpo e a dor de cabe�a passou, mas antes eu j� havia escrito um poema sobre a aspirina. Afinal, foi ela que me permitiu viver. A aspirina, ali�s, n�o � nada prosaica para mim. Eu a comparo a um sol. Mas s� depois � que eu soube que ela � euforizante. �s vezes acho que essa minha depress�o � falta de aspirina.”

Dois parlamentos
“O cassaco de engenho
quando carregam, morto:
� um caix�o vazio
metido dentro de outro.
� morte de vazio
a que carrega dentro:
E como � de vazio,
ei-lo que n�o tem dentros.
Do caix�o alugado
nem chega a ser miolo:
Pois como ele � vazio,
se muito far�, forro.
O enterro do cassaco
� o enterro de um coco:
Uns poucos envolt�rios
em volta do centro oco.”

Verso nº 15 da segunda parte de Dois parlamentos (1958-60)
“Dois parlamentos � um dos poemas de que eu mais gosto. Ele tem um humor negro que pouca gente notou em minha poesia. Esse � um livro meu que ningu�m fala e que passou despercebido pela cr�tica. Tem influ�ncias do surrealismo e de (Jonathan) Swift, um romancista ingl�s do s�culo passado que � puro humor negro. Me agrada em Dois parlamentos a sua composi��o. Fala sobre o problema da seca no sert�o e sobre o problema da Zona da Mata. S�o duas situa��es injustas, que ao inv�s de eu fazer uma poesia me apiedando delas, dou uma vaia.”

 

Homenagem em Arax� e reedi��o nas livrarias

O centen�rio de Jo�o Cabral de Melo Neto ganha celebra��es no Brasil. A 9ª edi��o do Festival Liter�rio de Arax�, de 1º a 5 de julho, ter� como um dos patronos o poeta pernambucano. O FliArax�, que tem como tema “Arte, leitura e tecnologias”, ainda homenagear� a escritora Clarice Lispector, com centen�rio de nascimento tamb�m em 2020 (a autora de A hora da estrela nasceu em 10 de dezembro de 1920). A editora Alfaguara lan�a, em junho, a poesia completa do escritor, com organiza��o do poeta e ensa�sta Antonio Carlos Secchin, membro da ABL. No segundo semestre, ainda sem data definida, sair� um volume organizado pelo professor Sergio Martag�o com entrevistas, discursos e outros exemplos da prosa do poeta.


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