
“Apenas posso dizer que meu livro n�o � s� sobre depress�o, ele trata de hist�ria, do Holocausto, de estrat�gias de sobreviv�ncia, trata do complexo amoroso e de conflitos que permeiam uma fam�lia; enfim, acho que tentei imprimir um tom generoso para a narrativa, espero ter conseguido”, afirma o editor, em entrevista por e-mail ao Estado de Minas.
Nas 200 p�ginas, Schwarcz denomina a depress�o uma “velha senhora, que chega sorrateira” e que o faz viver “apenas em fun��o do momento, com um julgamento sempre absoluto e no presente”. A inf�ncia do paulistano, nascido em 1956, foi permeada por medos e sil�ncios, num estado de esp�rito que descreve como de “ang�stia constante”.
Ele afirma que se imp�s limites de at� onde poderia avan�ar na exposi��o de familiares como o pai, h�ngaro, que escapou de um trem a caminho de um campo de concentra��o nazista antes de se mudar para o Brasil. “Fiquei na corda bamba entre um relato confessional forte e o cuidado com os outros membros da fam�lia: o livro tem o que devia ter e n�o tem o que n�o podia ter.” Ao lado, uma entrevista com Schwarcz, que teve dois companheiros durante a escrita do livro: Beethoven e Puccini. “Decidi que s� escreveria ao som das m�sicas dos dois compositores e isso tornou o trabalho, ao mesmo tempo, mais profundo e prazeroso.”
Ele afirma que se imp�s limites de at� onde poderia avan�ar na exposi��o de familiares como o pai, h�ngaro, que escapou de um trem a caminho de um campo de concentra��o nazista antes de se mudar para o Brasil. “Fiquei na corda bamba entre um relato confessional forte e o cuidado com os outros membros da fam�lia: o livro tem o que devia ter e n�o tem o que n�o podia ter.” Ao lado, uma entrevista com Schwarcz, que teve dois companheiros durante a escrita do livro: Beethoven e Puccini. “Decidi que s� escreveria ao som das m�sicas dos dois compositores e isso tornou o trabalho, ao mesmo tempo, mais profundo e prazeroso.”
“Este livro foi constru�do sobre uma longa hist�ria de sil�ncios”, voc� afirma na introdu��o. Por que romper o sil�ncio?
Talvez por que o sil�ncio tenha sido t�o longo que o que eu mais queria era encontrar uma forma de romp�-lo. Tamb�m porque o sil�ncio est� no centro de tr�s gera��es em minha fam�lia – do sil�ncio do meu av� e dos judeus sem voz em campos de concentra��o, passando pelo sil�ncio cheio de culpa do meu pai, por n�o ter acompanhado meu av� e ter fugido do trem que os levava a Bergen Belsen, e o meu sil�ncio, pelo peso do passado que foi minha maior heran�a, e que se ampliou pela depress�o que enfrentei.
Em “O ar que me falta”, voc� narra um epis�dio em que ficou “assustado com o esfor�o que precisava fazer para que o ar entrasse em meus pulm�es”, e da dificuldade que teve com “o ato de respirar”. E o livro foi lan�ado durante uma pandemia, na qual centenas de brasileiros morreram por falta de oxig�nio. Como essa coincid�ncia o impactou?
Sim, essa coincid�ncia foi desagrad�vel e me tirou o ch�o por alguns momentos. Eu comecei a escrever antes da pandemia e antes do caso George Floyd. Dei o t�tulo logo de cara, e a falta de ar funcionava como um gancho do presente para o passado e vice-versa. Cheguei a pensar que teria que trocar o t�tulo e at� propus na editora mudarmos para “Tr�s sil�ncios”, mas n�o era o t�tulo correto. Pois o livro parte de mim, mesmo tendo meu pai e av� muito em cena.
O que acredita que ir� mudar no mercado editorial com a pandemia?
O mercado editorial vai mudar como tudo, haver� um refor�o dos h�bitos de compra on-line, mas tenho certeza de que as livrarias de rua continuar�o fortes, pois o servi�o que elas prestam � diferenciado. E as empresas editoras trabalhar�o parcialmente em home office.
“Quem tem depress�o vive apenas em fun��o do momento.” E, quando o momento do pa�s � particularmente tr�gico e desencantado, como s�o impactados os que t�m depress�o?
N�o d� para considerar a exist�ncia de um tipo “o deprimido”. Cada depress�o � um caso particular. Os que sofrem com crises de ansiedade tendem a piorar muito com cen�rios claustrof�bicos socialmente. Os com forte melancolia podem se largar ainda mais. Mas h� pessoas que, mesmo com depress�o, encontram no desafio uma sa�da. A tend�ncia maior, eu acho, � o surgimento de um n�mero grande de novos casos, um poss�vel agravamento de outros, mas n�o d� para generalizar, quando se fala de depress�o.
Ao se referir �s reca�das, voc� cita que “a depress�o volta sem enredo espec�fico, como uma rea��o qu�mica pura. Na maioria das vezes, inexplicavelmente, a velha senhora chega sorrateira.” Essa “velha senhora” surgiu durante a escrita ou a edi��o deste livro? O que fez, e o que faz, para afugent�-la?
Ela surgiu sim, mas como uma enorme falta de confian�a com a qual eu tive que lidar, mas que me incomodou. N�o sabia se o que estava fazendo estava bom, e qualquer sinal, paranoico, que eu achava ser de desaprova��o eu jogava minha capacidade de escrever num lixo imagin�rio. E assim foi quando o livro saiu. Foi mais duro durante a escrita, pois as rea��es positivas foram r�pidas, depois da publica��o. Os editores da Companhia fizeram um trabalho excelente, pois meu texto sai com um certo descuido nos detalhes. E o debate que travamos tamb�m foi prof�cuo. Dois deles queriam que eu eliminasse as partes mais �ntimas, ou violentas. Fiz bem de me manter firme.
“O ar que me falta” tamb�m � um livro de “quase-mem�ria” sobre um grande personagem, o seu pai, que lembra, em certos momentos, o pai descrito-imaginado por Carlos Heitor Cony no romance de 1995 e maior �xito do escritor carioca. O que foi mais dif�cil no processo de transformar lembran�as familiares em palavras?
Muito boa lembran�a. Mas Cony era um mestre e “Quase mem�ria” � sua obra-prima. No meu caso n�o h� o mesmo talento liter�rio e o texto � pura n�o fic��o. Passei ao papel de algum lugar na minha mente onde todas essas hist�rias j� estavam escritas, at� pelo tempo que passava sozinho como crian�a, e depois da depress�o. Minha cabe�a n�o para. O sil�ncio � s� exterior. Assim, o processo foi natural. Eu n�o poli minha escrita. Ela � simples, quase de um n�o autor. O fato de eu ter que me colocar profissionalmente entre o autor e o leitor deve ter ajudado muito.
� curioso que seja na m�sica, e n�o nos livros, que voc� procure uma forma de reduzir os efeitos da depress�o. O que voc� encontra na m�sica que n�o acha na literatura?
� claro que quando leio um livro de Thomas Bernhard, Carlos Drummond de Andrade, W. G. Sebald ou Guimar�es Rosa eu me encho de felicidade e cren�a no ser humano. Mas no meu dia a dia eu leio sem parar, coisas boas e outras menos. A m�sica e a arte por buscar uma express�o sem palavras me atraem muito, pois se ligam a uma tradi��o na minha vida de achar que as palavras n�o d�o conta do cora��o dos homens. Mas isso � apenas parcialmente verdade. Na literatura de alto n�vel isso se d� tamb�m. Disse no livro que gosto de autores que n�o dizem tudo. Borges e os grandes contistas, por exemplo. Tem que sempre haver um sil�ncio para acalmar o filho �nico viciado no som do silencio.
“No futuro, sempre h� mais espa�o para ilus�es.” H� espa�o para sonhar com um pa�s com mais leitores no futuro ou � apenas uma ilus�o?
Acho que d�, quando acabarmos com esse pesadelo que invadiu nossa vida e que tenta destruir qualquer sinal de futuro. Bolsonaro � a puls�o de morte no poder. Com ele n�o h� futuro algum.
TRECHO DO LIVRO
“Eu percebi no div�, com a ajuda da psican�lise, que precisava empreender e criar minha editora. Depois de fundada a empresa e do sucesso prematuro, passei a faltar �s sess�es. N�o conseguia ir aos tr�s encontros se- manais que um trabalho psicanal�tico profundo requer. Eu tinha muito mais compromissos do que previra, mas tamb�m me sentia embriagado pelo impacto inicial que a Companhia das Letras causara. Imprudente, abandonei a an�lise. Tempos depois, encontrei Maria Elena (Salles, psicanalista) num voo e ela me perguntou se eu pensava em voltar (...).
(...) A an�lise foi uma das experi�ncias mais importantes da minha vida, e nessa segunda rodada durou pouco mais de dez anos. Mesmo com o acerto da medica��o, sem a an�lise eu n�o teria sa�do completamente da crise. A parte que resta at� hoje, e que vira e mexe aparece, ou que n�o me permite parar de tomar rem�dios, � basicamente qu�mica. N�o sei como estaria se n�o houvesse passado por esse processo de autoconhecimento, durante o qual muitas vezes mirava o fundo do abismo e em outras vislumbrava, com mecanismos que encontrava dentro de mim, a reden��o. � como nos sentimos levando a s�rio um tratamento anal�tico, depois de conhecer processo t�o destrutivo. Sem a psican�lise, eu n�o teria instrumentos pessoais para lidar com os resqu�cios qu�micos da depress�o.”
“O ar que me falta – Hist�ria de uma curta inf�ncia e de uma longa depress�o”
De Luiz Schwarcz
Companhia das Letras
200 p�ginas
R$ 59,90