
Desde os nove anos, quando come�ou a escrever um jornal caseiro para a fam�lia, Virginia entrega-se � escrita. A diversidade de sua obra � impressionante e a produ��o ininterrupta, entre colapsos nervosos ou perturba��es psicol�gicas, a inspira a construir a personagem Septimus Warren Smith em um de seus romances mais conhecidos, “Mrs Dalloway”(1925). Atribui-lhe alucina��es - vozes, passarinhos cantando em grego, pessoas surgindo entre as �rvores -, que ela pr�pria sofria.
Septimus n�o �, contudo, a �nica personagem desse romance criada a partir das viv�ncias da autora. Quase cem anos depois de sua publica��o, foi precisamente a pandemia que encerrou pessoas dentro de casa ao longo de 2020, que trouxe � baila outra particularidade da obra, iniciada com a frase lac�nica: “Mrs Dalloway disse que ela mesma ia comprar as flores.”
A socialite Clarissa Dalloway, que ainda hoje � homenageada em diversos pa�ses com o Dalloway Day, - data em que se discute a obra de Virginia Woolf - exulta em alegria incontida, por ela mesma se encarregar dessa simples tarefa. Por qu�? Eis a pergunta que em meio aos lockdowns, transbordou em hashtags pelo twitter entre falantes da l�ngua inglesa. Embora a gripe espanhola nunca seja mencionada diretamente no romance, a professora de literatura Elizabeth Outka, em seu livro “Viral Modernism: The Influenza Pandemic and Interwar Literature” avalia que esta seja evocada na obra de diversas formas sutis.
� assim que � quase certo que Mrs Dalloway, recuperada da gripe espanhola, re�ne-se aos vivos, enquanto a mem�ria dos mortos paira sob o badalar do Big Ben. Outka considera que, entre sobreviventes, o toque dos sinos � um dos fen�menos mais associados � pandemia da gripe espanhola na Inglaterra. Tendo a pr�pria Woolf contra�do e sofrido a doen�a, apresenta Clarissa Dalloway como se v�, uma sobrevivente.
“Mrs Dalloway”� publicado simultaneamente na Inglaterra pela Hogart Press, editora fundada por Virginia e seu marido Leonard Woolf - e nos Estados Unidos (Harcourt, Brace & Co.). Antes desse romance, a editora do casal lan�aria “A viagem”(1915), o primeiro de Virginia Woolf; seguido por “Noite e dia”(1919) e “O quarto de Jacob”(1922). Outros cinco foram lan�ados depois de Mrs Dalloway: “Ao farol”(1927); “Orlando” (1928), este inspirado em sua paix�o pela escritora Vita Sackville-West, a quem conhece em 1922 e vive um grande amor; “As ondas”(1931); “Os anos”(1937); e “Entre os atos”, publicado postumamente em 1941. Todos os romances de Virginia Woolf est�o traduzidos em l�ngua portuguesa e foram lan�ados recentemente no Brasil pela Aut�ntica.
A Europa em guerra e a Inglaterra sob intenso bombardeio alem�o representavam amea�a particular ao casal Woolf - Leonard � judeu. Virginia, que j� pressentia novo colapso emocional, planeja o seu suic�dio - op��o que chegou a ser discutida caso a Alemanha invadisse a Inglaterra. Em 28 de mar�o de 1941, Virginia deixa a sua casa de campo - Monk’s House, Rodmell - e um bilhete para o marido: “Estou certa de que estou enlouquecendo outra vez.
Sinto que n�o podemos sobreviver outro daqueles terr�veis per�odos. E n�o me recobraria desta vez. Come�o a ouvir vozes, e n�o consigo me concentrar. Assim, estou fazendo o que parece a melhor coisa. Voc� me deu a maior felicidade poss�vel (...)”. Ela enche os bolsos do casaco de pedras e se lan�a ao rio Ouse. As cinzas de Virginia est�o enterradas sob um dos dois olmos que o casal batizou de “Leonard”e “Virginia”, no jardim da Monk’s House. Uma tabuleta, indica uma cita��o da autora ao final do romance “As ondas”: “Contra ti me arremeto, invenc�vel e inquebrant�vel, � Morte!”
Considerada uma das maiores escritoras do s�culo 20, Virginia Woolf pensou a mulher do ponto de vista social, pol�tico e existencial. Nos anos 70, ressurge com a for�a de confer�ncias ministradas por ela em 1928 nas duas �nicas faculdades da Cambridge University � �poca dedicadas � educa��o feminina, a Newnham e a Girton.
Nelas, Virginia aborda de forma magn�fica a discrimina��o da mulher na literatura e na sociedade, e constituem a g�nese do texto “Um quarto s� seu”(1929). Dele, salta a afirma��o, que a leva a cobrar tamb�m das mulheres a responsabilidade por sua emancipa��o, � medida em que devam legar �s suas filhas condi��es para serem o que quiserem: “Uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu se ela quiser escrever fic��o”.
A obra de Virginia Woolf � vasta e diversa, rica em ensaios, biografias e artigos, muitos dos quais ainda n�o traduzidos para o portugu�s. Desperta interesse em todo o mundo, sendo pesquisada em todos os continentes. “Ela continua mais do que nunca atual, porque extrapola o seu momento hist�rico e fala de coisas muito humanas, que perduram: a puls�o e a luta pela vida, o que est� al�m de ser homem, mulher, de g�nero e de nacionalidades. Trata-se de ser humano”, afirma a doutora em literatura Ana Carolina Mesquita, que neste momento traduz o �ltimo volume de “Di�rios”. “Al�m disso, escreve de forma extremamente bela, emocionante: isso faz um cl�ssico”, resume a tradutora.