
Virginia Woolf � uma refer�ncia incontorn�vel. Por volta dos anos 2000, li pela primeira vez um livro dela. Comecei a ter encantamento. Quando fiz mestrado em literatura na USP, conheci a Ana Carolina Mesquita, que estudava Virginia Woolf. No doutorado dela, Carolina foi para Nova York, onde estavam os di�rios originais. Toda essa pesquisa dela � resultado de um trabalho de nove anos. H� dois anos montamos um grupo e surgiu a ideia de fazer uma nova edi��o dos di�rios completos.
Mas neste meio tempo veio a pandemia. E eu comecei a chamar esse de “Projeto Dalloway”. A Carolina tinha grande apre�o por esse texto que eu n�o conhecia que � “A sketch of the past”, escrito entre 15 de maio de 1939 e 15 de novembro de 1940, que nunca havia sido publicado no Brasil. Foi basicamente o �ltimo texto que ela escreveu em vida. Ent�o decidimos come�ar do fim, inaugurando o projeto Dalloway com a publica��o de “Um esbo�o do passado”, o que aconteceu em in�cio de 2020, quando anunciamos o projeto todo.
A Editora N�s passou a comemorar, em junho de 2020, o Dalloway Day, data em que em algumas cidades do mundo se debate a obra de Virginia Woolf. Como est� sendo a experi�ncia no Brasil?
Em princ�pio t�nhamos a ideia de que Virginia Woolf seria uma autora de nicho ainda, ou seja, n�o � todo mundo que l�. Fizemos pela primeira vez no Brasil, o Dalloway Day em 2020, quando lan�amos “Um esbo�o do passado”e foi um sucesso. J� esgotamos a primeira edi��o de dois mil exemplares, o que � muito bom para um ensaio. � um livro bel�ssimo, todo mundo adora. A fic��o de Virginia Woolf � muito bem traduzida no Brasil, pela Aut�ntica, pelo Tomaz Tadeu. Mas a obra dela � plural e diversa, h� muita coisa que n�o est� traduzida.
Como est� a programa��o da N�s para o lan�amento dos outros quatro volumes de Di�rios?
S�o cinco volumes, que v�o de 1915 at� 1941. A Carolina est� trabalhando firme agora no �ltimo volume, que vai de 1936 a 1941, ano da morte de Virginia Woolf. Lan�amos o primeiro volume, de 1915 a 1918: vendemos 400 exemplares na pr�-venda, o dobro do que esper�vamos, e a primeira edi��o de 2000 exemplares, feita em abril, j� est� se esgotando em menos de seis meses. A procura por Virginia Woolf est� mostrando que h� uma demanda reprimida principalmente pelos “Di�rios”completos, tradu��o in�dita em portugu�s, tanto � que estamos lan�ando tamb�m em Portugal.
Ningu�m havia enfrentado o tamanho dessa empreitada. Para n�s isso foi poss�vel porque havia por tr�s um trabalho de nove anos da Carolina e a coragem dela de assumir isso. Para o doutorado, a Carolina j� havia traduzido o per�odo dos di�rios em que Virginia Woolf produz os livros mais importantes, a partir de 1919. Ela tinha o miolo, mas n�o tinha o come�o nem o fim.
As pessoas est�o muito ansiosas, e decidimos publicar o segundo volume dos “Di�rios”, que vai de 1919 a 1925, agora em setembro. � um projeto de muito f�lego, tempo, trabalho e investimento. N�s ainda vamos publicar todos os volumes at� 2025, centen�rio do lan�amento de Mrs Dalloway. Ent�o o sucesso se deve ao ineditismo.
Como os ensaios “A morte da mariposa”, “Pensamentos de paz durante um ataque a�reo”e “Sobre estar doente”, lan�ados este ano, conversam com o momento do Brasil?
Parecem ter sido escritos hoje, tamanha a atualidade. Um fala sobre a doen�a; outro sobre viol�ncia, armamentos e a guerra; e o terceiro sobre a luta contra a morte. Quer dizer, tudo o que estamos vivendo agora. Acho que n�o s� no Brasil, mas no mundo, este novo momento do feminismo, uma marca muito forte � a recupera��o de figuras femininas que foram de um modo ou de outro apagadas, silenciadas, camufladas ou s� parcialmente conhecidas por uma s�rie de raz�es. Percebo hoje como o melhor momento para a obra de Virginia Woolf no Brasil.
Gosto muito de uma express�o do (fil�sofo) Vladimir Safatle: tudo o que estamos vivendo � uma rea��o ao futuro, n�o rea��o ao passado. Acho que � o �ltimo suspiro do patriarcado selvagem. E no mercado editorial brasileiro, sempre dominado por homens, � evidente uma transforma��o radical: h�, atualmente, uma s�rie de mulheres no comando de pequenas e m�dias editoras. E h� tamb�m um outro movimento que � o de mulheres livreiras, mercado que � dominado por homens. Em S�o Paulo, abriu a primeira livraria feminista da cidade, que � a Gato sem Rabo, refer�ncia a Virg�nia Woolf. Quando voc� entra l�, ela � a estrela principal.