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Estado de Minas 'DUAS FORMA��ES, UMA HIST�RIA'

Fischer prop�e um outro olhar para o estudo da literatura brasileira

No livro, professor ga�cho apresenta uma nova forma de an�lise da trajet�ria liter�ria nacional, menos ref�m dos c�nones estabelecidos no Rio e SP


05/11/2021 04:00 - atualizado 05/11/2021 07:55

Ilustração do escritor Luís Augusto Fischer
O escritor Lu�s Augusto Fischer (foto: Quinho/Artes)
A leitura de “Duas forma��es, uma hist�ria: das ideias fora do lugar ao perspectivismo amer�ndio”, do professor e cr�tico liter�rio Lu�s Augusto Fischer, me fez lembrar um trecho de “O tabuleiro de damas”, de Fernando Sabino. Escreveu Sabino em um trecho do livro: “Lembro-me que um dia Guimar�es Rosa me telefonou e perguntou o que eu estava fazendo. Eu disse que estava tentando escrever uma pe�a de teatro. E ele, meio paternal: ‘N�o fa�a biscoitos, fa�a pir�mides’.”

 

Escrito durante seu per�odo de p�s-doutorado, na Universit� Sorbonne Nouvelle (Paris 3), na Fran�a, o novo livro de Fischer, editado pela Arquip�lago, � ousado. Quer ser pir�mide, n�o biscoito. Com uma coragem rara de se encontrar no ambiente acad�mico brasileiro, repleto de especialistas quase sempre conformados com seu pr�prio quintal, Fischer se arrisca.  

 

Na opini�o de Fischer � chegada a hora de a nossa cr�tica liter�ria pensar quais mudan�as deve sofrer a hist�ria da literatura produzida no Brasil, tendo em vista duas grandes novidades. De um lado, o trabalho historiogr�fico e antropol�gico da �ltima gera��o profissional universit�ria. De outro, as incontorn�veis revolu��es no campo da literatura em si mesma (suporte digital de produ��o e circula��o, a literatura como performance, incorpora��o da can��o ao �mbito das letras, o surgimento de vozes novas criadas a partir da experi�ncia negra, perif�rica, e ind�gena etc.).

“Sem contar ainda a internacionaliza��o da literatura e do pensamento, que imp�e uma revis�o do papel tanto da tradu��o na forma��o interna, quanto do fim de qualquer sonho nacionalista autonomista. Essa � a paisagem que o livro tenta analisar”, explica Fischer, doutor em letras, professor de literatura brasileira na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), autor de ensaios como “Machado e Borges – E outros ensaios sobre Machado de Assis” e “Intelig�ncia com dor – Nelson Rodrigues ensa�sta”, vencedores do Pr�mio A�orianos de Literatura, al�m de “Filosofia m�nima – Ler, escrever, ensinar, aprender”, finalista do Pr�mio Jabuti. 

 

Leia, abaixo, entrevista com o ensa�sta.

 

“S�o Paulo empalmou o poder cr�tico” 

 

Seu livro traz para a cr�tica liter�ria as mudan�as metodol�gicas ocorridas na hist�ria e na antropologia. Avan�os feitos, sobretudo, pela mais recente gera��o profissional universit�ria, e que, nas suas palavras “destruiu as fantasias interpretativas de Caio Prado Jr. sobre o passado colonial brasileiro, fantasias que est�o na base dos trabalhos de Antonio Candido, Roberto Schwarz e Alfredo Bosi”. Pode explicitar melhor essa ideia? 

Tem as mudan�as metodol�gicas, mas tem tamb�m a revolu��o documental e interpretativa, que talvez seja mais relevante ainda para o nosso caso, o da hist�ria da literatura. A dita fantasia de Caio Prado n�o era fantasia propriamente, quando ele formulou suas principais teses sobre o passado colonial brasileiro, nos anos 1930 e 40. L�, tendo por fundo as teses comunistas em ascens�o internacional, Caio Prado reduziu o passado brasileiro, do per�odo colonial ao final do s�culo 19, a uma figura, a grande fazenda monocultora e exportadora, baseada na explora��o da m�o de obra escrava.

Para ele, isso era o Brasil, do a��car ao caf� do Vale do Rio Para�ba do Sul. E completava essa ideia com a tese de que o Brasil colonial era comandado desde fora, porque os benefici�rios e gestores da economia estavam fora do territ�rio americano, na Europa. O resto — quer dizer, tudo que ocorria fora desse esquema da “plantation” e da total subordina��o ao estrangeiro — era paisagem, n�o tinha relev�ncia alguma para entender o Brasil. Ora, fora da plantation, ao menos desde meados do s�culo 17, havia uma vasta rede de produ��o e circula��o de bens e servi�os, cujo apogeu na primeira metade do s�culo 18, com as cidades mineiras do ouro.

Os ditos bandeirantes, ali�s, est�o no centro dessas redes, todo o territ�rio, do extremo sul � Amaz�nia. E esse espa�o extraplantation foi se tornando cada vez mais significativo, em todos os planos – do econ�mico ao social, passando pelo cultural –, como a recente historiografia tem mostrado com sobras de documenta��o. E a outra tese, de que tudo era comandado desde fora, igualmente n�o se sustenta mais: os gestores e benefici�rios da empresa escravagista eram brasileiros, viviam aqui mesmo. Enfim, uma s�rie de elementos, que recupero em parte no livro, demonstra que precisamos olhar de novo para o per�odo colonial e o s�culo 19 para superar essa vis�o em favor de melhor ver o processo de forma��o do pa�s.

Nesse processo revisto, vai ficar mais claro que o vasto interior do Brasil, que genericamente podemos chamar de sert�o (n�o apenas o sert�o seco do interior do Nordeste, mas tudo, do Sul ao Centro-Oeste e ao Nordeste, incluindo o Planalto paulista), esse sert�o tem vida cultural. Por muito tempo essa vida n�o foi escrita, mas estritamente oral. S� que, com o tempo, tamb�m esse mundo mudou, foi sendo alcan�ado pelas letras, e na ponta superior desse processo est� Guimar�es Rosa. Ora, esse mundo todo n�o pode ser negligenciado, repito: desde pelo menos o s�culo 18, e depois com crescente import�ncia no 19. 

 

Pode dar um exemplo concreto de cr�ticos da literatura que incorporaram esta nova metodologia?

Na verdade, creio que, em geral, salvo algumas ilhas universit�rias (como na UFRGS e na Federal do Paran�), essa consci�ncia n�o existe ainda, o que � uma pena, justamente porque seguem v�lidas, lamentavelmente, as teses historiogr�ficas caiopradianas, que est�o impl�citas na vis�o do Candido, do Bosi e de muitos outros. 

 

No livro voc� cita alguns autores que escreveram hist�rias liter�rias: Silvio Romero, Ronald de Carvalho, Nelson Werneck Sodr�, Antonio Candido, Alfredo Bosi e Jos� Guilherme Merquior. O �ltimo, de Merquior, foi publicado em 1977. Por que depois dos anos 1970 ningu�m mais se “arriscou” a escrever uma hist�ria liter�ria abrangente?

E olha que o Merquior escreveu uma hist�ria que chega apenas ao come�o do s�culo 20. Mas, enfim, s�o motivos v�rios. Um, a produ��o liter�ria brasileira se avolumou em propor��o nova, imensa, justamente dos anos 1950 para c�, numa acelera��o grande que ainda n�o parou de ter for�a. Dois, justamente nesse tempo, de 1970 para c�, come�ou e se aprofundou a especializa��o universit�ria, que rende muitos bons frutos, mas em geral � inimiga das vis�es de conjuntos e privilegia os estudos cada vez mais espec�ficos. (Correlatamente, ocorreu o processo de mudan�a da “resid�ncia” da cr�tica liter�ria, do jornal para a academia.)

Tr�s, as perspectivas de conjunto, de totalidade, entraram em baixa hist�rica p�s-68, digamos, com a virada identit�ria (como alguns chamam o processo), que rebaixa o valor epistemol�gico do conjunto de uma na��o, em favor de recortes de g�nero, de etnia, etc. Quatro, um processo menos vis�vel — ali�s, invis�vel, mas ultrapoderoso — que foi a institui��o, justamente no come�o dos anos 1970, do vestibular unificado, agora praticamente substitu�do pelo Enem. Ocorre que esse vestibular unificado, que vigorou por muitas gera��es de estudantes, ao longo de quase 50 anos, unificou tamb�m uma interpreta��o rebaixada (embora funcional para os fins did�ticos e de elabora��o de provas) da hist�ria da literatura brasileira, ultracentralizada no Modernismo paulista, ao estilo das ideias de M�rio de Andrade e de seus int�rpretes can�nicos, como Antonio Candido e muitos de seus disc�pulos. Aqui foi que se erigiu de fato o famoso “c�none” da literatura brasileira.

Ele sempre foi pensado, depois de 1950, como fruto de M�rio e suas ideias. Essa vis�o se configurou tendo no centro a certeza de que o Modernismo, esse – nacionalista sem dizer claramente que o era – resolvia epistemologicamente a equa��o historiadora para a literatura brasileira e era, ele mesmo, o modo mais sofisticado e mais cr�tico e mais tudo que se poderia imaginar para a produ��o liter�ria no Brasil. Tudo de melhor, mais livre, mais inteligente, mais popular etc., estava j� dado nesse Modernismo, segundo ele mesmo, de forma que ele virou um filtro, uma lente poderosa e invis�vel, que ao mesmo tempo validava tudo que era necess�rio validar e eliminava tudo que devia ser eliminado, sempre segundo suas convic��es, que nunca eram explicitadas.

Assim, esse Modernismo era, segundo ele mesmo e seus propagadores, o ponto excelente, o “non plus ultra” da melhor literatura brasileira poss�vel, como um ponto fora da hist�ria, da conting�ncia. Dessa forma, resultou que a mais importante intelig�ncia cr�tica e historiogr�fica relativa � literatura brasileira, regra geral, se conformou com essa suposta excel�ncia, a ponto de compreender, implicitamente, que a hist�ria da literatura brasileira e a pr�pria literatura brasileira tinham j� atingido o auge. Para que, ent�o, fazer for�a para entender o que escapava a esse conceito, a essa grade conceitual? O c�u j� tinha sido conquistado.

Isso quer dizer que, na vis�o modernistoc�ntrica, era irrelevante ou ent�o reprov�vel que algu�m quisesse procurar o rumo da hist�ria da literatura, porque ele j� existia – tudo de excelente j� estava dado, logo qualquer coisa outra seria mera decorr�ncia do mesm�ssimo modernismo, tornado o sol da verdade. 

 

Voc� � muito cr�tico da maneira como, at� hoje, a cultura brasileira � pensada: sempre a partir do eixo Rio-S�o Paulo. No livro, voc� cita um artigo publicado por um jornal paulistano. Ao escrever uma resenha sobre seu livro “Para fazer diferen�a”, o jornalista escreveu: “Fischer, neste livro, mostra como se pode ser inteligente a partir de um ponto de vista fraco – a prov�ncia rio-grandense”. Algum dia vamos nos livrar desta vis�o distorcida do eixo Rio-S�o Paulo? 

Essa distor��o � parte da hist�ria, e como tal precisa ser compreendida. Estamos falando de poder, de quem tem o poder, dos modos como o poder condiciona a vis�o das coisas, e de como tudo isso se potencializa num pa�s de vasta tradi��o centralista como o Brasil. O Rio foi capital por 200 anos, e mesmo tendo passado mais de 60 anos desde que Bras�lia herdou essa condi��o, ele, Rio, mant�m uma impressionante for�a institucional, em parte heran�a daqueles dois s�culos de poder, em parte pela pujan�a da pr�pria arte mesmo. Hoje ele n�o tem mais poder em muitos campos.

Na pol�tica, o Rio � uma l�stima. Economicamente, ele vive de estatais e de uma elite financeira de rapina. Suas universidades t�m muitos m�ritos, mas em regra n�o est�o na ponta do processo. Ent�o, o Rio acaba agora tendo o charme dos derrotados pela hist�ria, mas mantendo um ritmo de muita atividade interessante. Mal comparando, e guardadas todas as propor��es, o Rio � Paris, enquanto S�o Paulo � Nova York, o centro econ�mico: na capital paulista, est� a grana, e onde ela est�, se houver elite acad�mica e intelectual, teremos grande atividade cultural, como de fato acontece. Ocorre que S�o Paulo empalmou o poder cr�tico, com o continuum entre Modernismo/M�rio de Andrade, a USP, o jornalismo e a ind�stria editorial, para ficar no mais evidente.

E esse continuum define o horizonte intelectual e cr�tico brasileiro. Nos melhores casos, temos antenas cosmopolitas capazes de pensar para muito al�m das coisas imediatas; nos piores, temos nacionalistas e populistas de esquerda e de direita jogando de m�o. N�o vejo como isso termina, mas sei que se trata de n�o parar de discutir, analisar, interpretar o fen�meno.

 

Em 2022, vamos comemorar 100 anos da Semana de Arte Moderna. Voc� acha que no centen�rio iremos nos livrar dos exageros paulistas quando essa hist�ria � contada?

Acho que n�o, e pelo contr�rio: a tend�ncia vai ser efusiva, como de resto j� se v� por toda parte. Mesmo um sujeito de grande capacidade cr�tica na compreens�o do racismo, como o Emicida, vai fazer aquele lindo programa/v�deo chamado “AmarElo”, e se a gente presta aten��o percebe que ele d� um jeito de dizer que o M�rio de Andrade j� tinha previsto tudo, j� tinha sonhado tudo, era mesmo um profeta, num jogo de superestima��o que me chocou. Outro exemplo: n�o faz muito, recebi o an�ncio de um curso on-line, de um departamento da USP, que se chamava – n�o estou brincando – bot�nica modernista. Se � que se pode imaginar uma cretinice dessas. 

 

A interpreta��o de Roberto Schwarz sobre Machado de Assis � quase uma unanimidade no meio acad�mico. Seu conterr�neo Augusto Meyer � autor de um livro, sobre Machado, muito menos lido hoje. Por que isso acontece?

O Schwarz machadiano n�o � bem un�nime no meio acad�mico, por motivos ali�s ruins – tem gente que continua negando as virtudes das an�lises sociol�gicas do Schwarz, que t�m ineg�vel poder explicativo. Nesse meu livro novo eu analiso a tese das “ideias fora do lugar”, apontando o que me parecem ser limites de suas teses, as quais tamb�m se baseiam numa leitura do Brasil que depende do que Caio Prado J�nior pensava. Isso significa que vejo j� com clareza os problemas das teses de Schwarz, mas nada disso obscurece o fato de que ele � um dos maiores do Brasil, com analista fino da literatura. Sobre seu sucesso versus o descaso para com Meyer: ocorre que o trabalho do Schwarz j� foi feito em �mbito acad�mico no sentido estrito: ele � cria da USP e da grande tradi��o cr�tica de Georg Luk�cs e da Escola de Frankfurt. Nesta estufa hist�rica ele nasceu e circula.

Isso significa que a concep��o e a produ��o de seus livros, assim como sua recep��o, est�o � vontade no ninho das universidades. Bem ao contr�rio do trabalho de Meyer, que era um erudito, mas algu�m do tempo da cr�tica de jornal, do tempo do chamado “impressionismo”. Meyer foi funcion�rio do campo intelectual (dirigiu a Biblioteca P�blica em Porto Alegre, depois criou e dirigiu no Rio o Instituto Nacional do Livro por muito tempo) e chegou a ser professor da atual UFRJ, mas nunca foi sistem�tico: era mesmo um intuitivo, com grandes lances de interpreta��o de Machado e de outros escritores.

Escrevia muito bem – Candido conta, num v�deo, que, quando adolescente lia Meyer com entusiasmo e chegava a copiar frases suas no caderno, tal a admira��o pelo estilo, que era tamb�m uma admira��o, digo eu, pela forma de pensar. Ent�o, a obra ensa�stica de Meyer entrou em decl�nio no mercado de ideias justamente com a ascens�o da l�gica universit�ria – o que � uma pena para a l�gica universit�ria, ali�s. (Falando nisso, Schwarz leu muito bem a obra de Meyer.)

 

Nelson Rodrigues escreveu certa vez: “O Cafajeste brasileiro � uma figura de cristal. N�o concordo com que se lhe d� a dimens�o de caricatura. Qualquer tipo de brasileiro, seja ele Presidente da Rep�blica, ministro, milion�rio ou capit�o de ind�stria, tem uma dimens�o de cafajeste, que n�o se perde em hip�tese nenhuma e que ele at� preserva”. Voc� � um grande leitor de sua obra e seu doutorado foi sobre ele. Como v� hoje a obra dele, depois de tudo o que vivemos na vida p�blica nos �ltimos anos?  

Pergunta complicada de responder, pode crer. Uma similaridade importante � que ele tamb�m escreveu o principal de sua obra cron�stica (seu teatro � de outro tempo) numa conjuntura de polariza��o parecida com a de agora. Eram os anos entre 1966 e 1973, mais ou menos. Nelson tinha uma posi��o que eu, se estivesse perto dele, repudiaria ativamente: ele ironizava a esquerda o quanto podia, fazendo tro�a, por exemplo, dos que combatiam a guerra no Vietn�, enquanto o Brasil, dizia ele, estava todo por fazer.

Ele saudava n�o a ditadura propriamente, mas o poder, em figuras como Costa e Silva, por exemplo – mas ao mesmo tempo ironizava figuras poderosas como Delfim Netto e, mais absurdo ainda, tinha um filho preso pela ditadura, que ele visitava quase todo dia, quando poss�vel. Era, portanto, uma figura complexa, que n�o se deixa apreender de modo linear. A esquerda do momento o detestava pelo deboche que ele fazia contra ela, e ao mesmo tempo ele defendia aquele Caetano Veloso vaiado em 1968 com sua can��o “� proibido proibir”.

Tenho uma equa��o pessoal de simpatia intelectual por ele, a dist�ncia, que consiste em repudiar o estreitamento do horizonte que a polariza��o imp�e. Mas se ele hoje apoiasse uma figura abomin�vel como Bolsonaro (coisa de que eu duvido, pela inacredit�vel vulgaridade do “mau militar”, como disse Geisel sobre o atual presidente), eu certamente cortaria rela��es com ele, na hora – e me permitiria voltar a l�-lo quando passasse a tormenta, para aprender a olhar um ponto de vista t�o singular, escrito de modo absolutamente sensacional.

 

Para os escritores argentinos, Jorge Luis Borges � sempre uma refer�ncia. Seja na obra de Ricardo Piglia, seja na obra de C�sar Aira, para ficarmos s� em dois exemplos, o di�logo com Borges � evidente. E no Brasil? Voc� acha que o mesmo acontece com Machado em rela��o aos autores que vieram depois dele?

N�o � a mesma coisa, n�o. Preliminarmente, preciso dizer que a pergunta � muito inteligente e renderia muita conversa, para dire��es que nem sei avaliar direito. Mas do que consigo ver te digo: eu produzi um ensaio comparativo entre Machado e Borges (num livro que saiu pela Arquip�lago), e l� eu comento em parte algo que pode ajudar a desvendar esse mist�rio: Borges � da gera��o de M�rio e Oswald, ou de Drummond e Erico Verissimo, ou seja, todos eles s�o gente que acompanhou na juventude as vanguardas dos 30 primeiros anos do s�culo 20, logo todos se sentem em casa nessa onda que acabou influenciando a gera��o deles e ao menos mais duas outras.

Ao passo que Machado � uma figura muito mais “fora da curva”, como se diz hoje, um escritor e pensador muito mais original porque produziu sua obra em contexto totalmente desfavor�vel para a grande cria��o que ele produziu. Para simplificar, digamos que Machado est� medindo for�as cr�ticas contra o Naturalismo e o Parnasianismo, ao passo que Borges e os modernistas/modernos brasileiros t�m vento a favor da ousadia, da inven��o. Por isso � muito mais simples “seguir” o Borges do que o Machado. Por outro lado, a originalidade de Machado no romance e no conto � de outra ordem, muito diferente da originalidade de Borges no conto e no ensaio: enquanto o portenho avan�ou na mistura entre fic��o e n�o fic��o, Machado, por assim dizer, foi mais profundo, escavando a forma narrativa nela mesma, mas tamb�m namorando a ideia de saltar sobre esse precip�cio que dividia a literatura e a vida dita real.

De certa forma, Piglia e Aira s�o como que desenvolvimentos das ideias de Borges mais ou menos diretamente – s�o todos da grande fam�lia do alto Modernismo argentino, ao passo que as ideias e propostas inovadoras de Machado de certa forma n�o t�m mais desenvolvimento poss�vel, talvez porque sejam um ponto de chegada do grande romance ocidental do s�culo 19 – depois de um morto contar sua hist�ria num tom realista, o que mais seria poss�vel? S� Kafka, s� Proust, s� Joyce, s� Woolf, cada um escavando essa mina em uma dire��o diversa.


*Jo�o Pombo Barile e jornalista e redator do Suplemento Lier�rio de Minas Gerais


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