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E agora, Jos�?
E agora, Jos�,
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, Jos�?
e agora, Jos�?
voc� que � sem nome,
que zomba dos outros,
voc� que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, Jos�?
Carlos Drummond de Andrade, Jos�, 1942
“H� versos c�lebres que se transmitem atrav�s das idades dos homens, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de tr�nsito, b�ssolas – ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas m�os de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos, que fazem do que viveu j�, do que vive e do que ainda n�o vive, um mesmo n� apertado e vertiginoso de tempo sem medida. Considero privil�gio meu dispor deste verso, porque me chamo Jos� e muitas vezes na vida me tenho interrogado: 'E agora, Jos�?' Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o des�nimo se fez muralha, fosse de v�boras, em que as m�os ficaram vazias e at�nitas. 'E agora, Jos�?'. Grande, por�m, � o poder da poesia para que aconte�a, como juro que acontece, que essa pergunta simples aja como um t�nico, um golpe de espora, e n�o seja, como poderia ser, tenta��o, o come�a da intermin�vel ladainha que � a piedade por n�s pr�prios.”
“E agora, Jos�?”, “A bagagem do viajante, 1973
Aleijadinho e Ouro Preto
“H� uma raz�o especial [para viajar a Minas Gerais]. � que acaba de ser publicado aqui, ap�s ser publicado em Portugal no ano passado, meu romance ‘Memorial do convento’, que decorre no s�culo XVIII entre 1711 e 1739 e que aborda a constru��o do Convento de Mafra, que foi financiado com a riqueza do Brasil e particularmente aqui de Minas Gerais. Ouro, diamante e tudo mais. Sendo assim, al�m do meu interesse pelo Barroco e eu n�o concebia como sequer poss�vel vir ao Brasil e n�o ir a Ouro Preto e Congonhas. No fundo, esse meu desejo de vir a Minas, Ouro Preto, Congonhas, � para confirmar num sentido pr�prio, p�r a m�o em cima, aquilo que eu via em fotografias. Tinha um conhecimento a duas dimens�es e agora quero ter as tr�s dimens�es, pondo as m�os nos Profetas de Aleijadinho e vendo Ouro Preto, pondo as m�os em cima.”
Suplemento Liter�rio de Minas Gerais, 3 de dezembro de 1983
C�lio de Castro
“Durante uma breve estadia em Belo Horizonte foi me narrada pelo respetivo prefeito, o m�dico C�lio de Castro, respeitad�ssima figura de pol�tico, uma instrutiva hist�ria. Com estas ou semelhantes palavras, eis o que da boca dele ouvi: 'Quando o governo do Brasil anunciou o denominado pacote econ�mico, esse conjunto de medidas fiscais e administrativas destinadas a minorar as consequ�ncias do sismo financeiro mundial provocado pela crise da bolsa de Hong Kong e os seus efeitos na economia brasileira, uma mulher aqui residente veio � prefeitura e pediu para falar comigo. E o que ela me disse foi o seguinte: 'Prefeito, sei muito bem que n�o cabe nas suas compet�ncias o dever de resolver estas quest�es, mas pe�o-lhe ao menos que me explique porque raz�o n�o jogando eu na bolsa, n�o sabendo sequer como a bolsa funciona, vou ter de pagar os preju�zos daqueles que, quando ganharam, n�o partilharam comigo ou seus lucros'. A resposta que dei foi simples: 'Senhora, o absurdo n�o pode ser explicado'. Tenho-me interrogado (conclus�o de C�lio de Castro) se existir� uma respostas � pergunta daquela mulher, ou se estamos a viver num pesadelo feito de pesadelos, cada qual mais o absurdo do que os outros”.
“Cadernos de Lanzarote”, 7 de dezembro de 1997
“Saramago: Os seus nomes – Um �lbum biogr�fico”
- Organizadores: Alejandro Garcia
- Schnetzer e Ricardo Viel
- 352 p�ginas
- Companhia das Letras
- R$ 199,90