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Estado de Minas PENSAR

Livro ambientado em dirig�vel alem�o sobrevoa a pol�tica brasileira

Trama policial de "O crime do bom nazista", de Samir Machado de Machado, tem refer�ncias aos discursos pol�ticos que estimulam o �dio e a viol�ncia


21/04/2023 04:00 - atualizado 21/04/2023 10:00

Samir Machado de Machado
Samir Machado de Machado sobre a trama ambientada em um zepelim: "O mais dif�cil foi planejar a movimenta��o dentro de um espa�o t�o pequeno" (foto: Samir Machado)

Nascido em Porto Alegre no ano de 1981, Samir Machado de Machado tem se especializado na travessia de s�culos e continentes. O escritor ga�cho, como afirma um de seus personagens no mais recente livro, “O crime do bom nazista” (Todavia), reconstitui minuciosamente “momentos que se perder�o no tempo, feito bolhas no champanhe”. Munido de farta pesquisa hist�rica, Samir cria dilemas e intrigas que, muitas vezes, ecoam no tempo presente. E este � um dos trunfos da hist�ria narrada no novo romance, ambientada em um dirig�vel vindo da Alemanha do Terceiro Reich.

 

Na trama de Samir Machado de Machado, um crime faz aflorar as suspeitas entre os passageiros e tripulantes de zepelim que sai do Recife em dire��o ao Rio de Janeiro.

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Acompanhamos as a��es e omiss�es deste grupo de personagens nada confi�veis, que defendem a segrega��o (“� preciso branquear o sangue da na��o”, defende um deles) enquanto degustam acepipes e bebericam gim t�nica. 

 

Como nos romances policiais da primeira metade do s�culo 20 de Conan Doyle e Agatha Christie, h� uma investiga��o, reviravoltas, pistas falsas, interrogat�rios e revela��es nas �ltimas p�ginas. 

 

Mas, assim como no premiado “Uma tristeza infinita”, de Ant�nio Xerxenesky, “O crime do bom nazista” ganha for�a quando lido � luz do flerte que o Brasil desenvolveu nos �ltimos anos com o autoritarismo e a tentativa de imposi��o de padr�es de comportamento e sexualidade. 

 

“Pol�tica e crime numa aventura ir�nica pela hist�ria – dos personagens, do s�culo 20, ao Brasil atual”, define, na contracapa de “O crime do bom nazista”, outro escritor ga�cho, Michel Laub.

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 “N�o � algo original da minha parte apontar as evidentes semelhan�as de pensamento, ideologia e a��es entre o nazismo e o bolsonarismo: ambos s�o movimentos pol�ticos baseados no discurso de �dio e viol�ncia, cuja solu��o para tudo sempre parte da elimina��o f�sica do que consideram indesej�vel � sociedade, e n�o faltam pesquisadores sobre o holocausto que apontem isso”, acredita Samir Machado de Machado. 

 

Leia, a seguir, outros trechos da entrevista com o autor, tamb�m respons�vel pela tradu��o e pref�cio da mais recente edi��o de “As minas do rei Salom�o”, livro definidor de um modelo de narrativas de aventura.

 

Como surge “O crime do bom nazista”? J� sabia que iria escrever um romance bem mais curto do que os anteriores “Tupinil�ndia” e “Homens elegantes”?

Surgiu primeiro como um conto, para uma colet�nea que ainda est� por sair, e que deveria ter no m�ximo 20 laudas. Conforme fui escrevendo e fui chegando a 50, 60 laudas, percebi que n�o tinha mais como ser um conto. Desde o princ�pio a ideia foi um whodunnit. Fazia tempos que eu tinha a vontade de escrever algo ambientado a bordo do zepelim em alguma de suas muitas passagens pelo Brasil, e isso se somou �s aulas com o meu orientador de mestrado, sobre as mentalidades idol�tricas de regimes totalit�rios, e meu interesse por hist�ria LGBT.

 

O que vem primeiro? A trama, os personagens ou a pesquisa?

Depende do livro, e daquilo que me interessa contar naquele momento. Em “Homens elegantes”, o condutor do enredo era o personagem, a ideia do her�i de a��o gay. Em “Tupinil�ndia”, era o cen�rio, o parque, e toda a pesquisa sobre a cultura dos anos 1980, d�cada em que nasci. Com “O crime do bom nazista”, foi definitivamente o enredo. 

 

Como foi a sua pesquisa para o livro? O que mais o surpreendeu durante o processo e do que mais gosta nessa fase do trabalho?

Houve dois momentos de surpresa: o primeiro foi que, de in�cio, n�o me dei conta da quantidade de dirig�veis em opera��o pela Zepelim, e eu j� estava no segundo cap�tulo quando me dei conta que estava usando como refer�ncia o zepelim errado! O que viajava regularmente para o Brasil era o LZ 127 Graf Zepelim, e cada dirig�vel tinha um espa�o interno relativamente distinto. 

A segunda surpresa foi durante a pesquisa sobre a cultura LGBT da Alemanha durante os anos 1920 e 1930, com seus bailes, servi�os, publica��es de banca, articula��es pol�ticas... e a velocidade e viol�ncia com que tudo isso foi esmagado no instante em que os nazistas chegaram ao poder. Antes mesmo de baixarem leis contra os judeus, os primeiros a serem perseguidos foram os gays, l�sbicas e transexuais da Alemanha.

 

O que foi mais dif�cil e mais fascinante ao ambientar uma trama policial dentro de um dirig�vel?

O mais dif�cil foi planejar a movimenta��o dentro de um espa�o t�o pequeno, especialmente para o assassinato em si, quando todos est�o t�o perto uns dos outros e aos olhares de todos. E o mais fascinante � imaginar o pr�prio zepelim em si, a ideia de passar dias apertado em um bal�o altamente inflam�vel. Fiquei imaginando o horror que devia ser partir pra guerra dentro de um desses, ou, para quem estava em terra, acordar no meio da noite e ver uma coisa dessas no c�u noturno parada, largando bombas sobre a cidade, como aconteceu durante a Primeira Guerra.

“Um governo que pretendia fundir seu partido � identidade nacional”, “a arte precisa ser heroica, imperativa, vinculada �s aspira��es do povo, ou ent�o n�o ser� nada”, “empres�rios generosos nas doa��es de campanha para o F�hrer...” Qualquer semelhan�a com os fatos ocorridos nos �ltimos anos no Brasil � ou n�o mera coincid�ncia?
Certamente, n�o. Mas n�o � algo original da minha parte apontar as evidentes semelhan�as de pensamento, ideologia e a��es entre o nazismo e o bolsonarismo: ambos s�o movimentos pol�ticos baseados no discurso de �dio e viol�ncia, cuja solu��o para tudo sempre parte da elimina��o f�sica do que consideram indesej�vel � sociedade, e n�o faltam pesquisadores sobre o holocausto que apontem isso. E tamb�m n�o � como se o pr�prio bolsonarismo n�o tivesse passado os �ltimos quatro anos se associando ao nazismo, por vezes de modo expl�cito.

Um dos personagens afirma que outro personagem possui as “inclina��es invertidas do terceiro sexo.” Como a homossexualidade era enxergada no in�cio do s�culo 20 e como ela � mostrada no livro?
A homofobia nasce da misoginia, da no��o de que a mulher � inferior ao homem, e que, portanto, o homem que assumisse um papel feminino estaria se inferiorizando (do mesmo modo como uma mulher “masculina” estaria usurpando o papel do homem). Os nacionalismos do in�cio do s�culo 20 eram muito preocupados em projetar uma ideia de superioridade frente a outras na��es e culturas, de que eram pa�ses de gente muito m�scula cercados de estrangeiros efeminados, e isso passava pela ideia de eliminar na sociedade tudo o que considerassem “inferior” ou fora de seu papel.

 

Depois do Conde de Bolsonaro em “Homens elegantes”, agora temos a Baronesa Van Hattem, que tem o mesmo sobrenome de um deputado federal de seu estado. Por que as refer�ncias a pol�ticos brasileiros contempor�neos em livros que se passam em outro tempo?

Escrevi “Homens elegantes” entre 2013 e 2015, e como o protagonista era gay, precisava de um antagonista cujo nome remetesse imediatamente � homofobia, preconceito e �dio, posi��o que Bolsonaro parecia se alegrar em ocupar. Ele era apenas o ponto mais vis�vel de discursos homof�bicos que vinham sendo normalizados, inclusive na imprensa – basta lembrar a infame coluna de J. R. Guzzo comparando homossexuais a cabras, publicada na revista "Veja". No caso de “O crime do bom nazista”, eu precisava de nomes alem�es, e “Hattem” me lembra hate, “�dio” em ingl�s. E, bem... a baronesa Van Hattem odeia bastante gente no livro. N�o acompanho a carreira do pol�tico em quest�o, ele n�o me parece muito relevante no momento, para al�m do aned�tico.

 

Acredita que os romances com tramas de aventura ou suspense s�o vistos com menos aten��o pela cr�tica e pelos j�ris de pr�mios liter�rios no Brasil? Concorda com a divis�o feita pelo Jabuti entre romance liter�rio e romance de entretenimento?

Quando o Jabuti anunciou a divis�o entre romance “liter�rio” e romance de “entretenimento”, confesso que a ideia n�o me agradou na ocasi�o. Em geral, o meio liter�rio costuma usar “entretenimento” para adjetivar obras onde n�o enxergam maior valor art�stico ou pol�tico, mesmo que a literatura de entretenimento costume ter, no fim das contas, um papel muito mais pol�tico que a mais engajada das literaturas. Mas a realidade � que, ao fazer essa divis�o, o Jabuti passa a dar visibilidade e destaque para o bom entretenimento. Ou ao menos, quero acreditar que seja bom, j� que eu mesmo j� fui agraciado com um (risos).

 

O pref�cio de “As minas do rei Salom�o” apresenta tamb�m a trajet�ria dos romances de aventura e da literatura popular. O que o motivou a fazer uma nova tradu��o e como a obra de Henry Haggard se situa entre os romances de aventura?

Traduzir �s vezes � como executar uma engenharia reversa na obra do autor, abrir a tampa do motor e tentar entender o funcionamento das pe�as, e isso pode ser �til para um escritor de fic��o. No caso de “As minas do rei Salom�o”, eu queria entender a estrutura b�sica do romance, pelo tanto que ele influenciou o s�culo seguinte de entretenimento. E tamb�m porque n�o aguentava mais o pedantismo de dizerem que a tradu��o do E�a de Queiroz era “melhor que o original”, quando o dandismo de E�a claramente estava em conflito com a visceralidade por vezes vulgar e sensacionalista de Haggard.

 

“As minas do rei Salom�o” � um marco por estabelecer as bases de uma forma espec�fica de narrar aventuras, o g�nero das “civiliza��es perdidas”, que iria influenciar praticamente todo o entretenimento do s�culo seguinte, de Tintim � Indiana Jones. E tamb�m por carregar uma s�rie de neuroses raciais e sexuais vitorianas que fazem dela uma pe�a de propaganda do colonialismo ingl�s que seguiu sendo replicada de modo quase inconsciente por seus imitadores.

 

Ainda h� espa�o para a literatura de aventuras no s�culo 21? Ou o espa�o foi ocupado pelos videogames, que voc� define como “uma nova forma narrativa a herdar as estruturas do romance imperial”?

Narrativas de aventuras seguem sendo populares, independente da forma com que s�o narradas. Em rela��o ao videogame, eles permitem uma imers�o narrativa cuja profundidade � compar�vel

� da literatura, especialmente em grandes jogos de mundo aberto – embora eu veja mais rela��es com o teatro, uma vez que a progress�o da narrativa depende de o jogador acertar marca��es de cen�rio e linhas de di�logo. 

 

“O crime do bom nazista”

 

  • Samir Machado de Machado
  • Todavia
  • 128 p�ginas
  • R$ 59,90 

 

Um autor, diversos g�neros

Conhe�a os livros anteriores de Samir Machado de Machado

 

“Quatro soldados” (2013)

“Meu primeiro romance � uma forma de repensar o Brasil Col�nia como nosso equivalente � Idade M�dia, um cen�rio perfeito para adaptar aventuras fant�sticas.” 

 

“Homens elegantes” (2016) e “Homens cordiais” (2021) 

“Como eu gosto de repensar g�neros a cada romance, me propus a escrever uma s�rie de a��o e aventura, aos moldes de ‘Os tr�s mosqueteiros’ e James Bond, mas com um protagonista brasileiro e gay.”  Homens elegantes” venceu o Pr�mio A�orianos na categoria de Melhor Romance. 

 

“Tupinil�ndia” (2018)

Pr�mio Minuano de Literatura de Melhor Romance/Novela. “Foi uma forma de repensar a obsess�o da cultura pop com o consumismo dos anos 80 por um vi�s brasileiro, por meio de uma aventura que replicasse e descontru�sse os

estere�tipos do g�nero.”

 

“Piratas � vista” (2022)

“Meu infantojuvenil � uma aventura de piratas aos moldes de ‘A Ilha do Tesouro’, mas com toque brasileiro.”

 

“Corpos secos” (2020) 

Escrito com Luisa Geisler, Marcelo Ferroni e Natalia Borges Polesso, o livro ganhou o Pr�mio Jabuti de Melhor Romance de Entretenimento. 

“Foi uma ideia muito louca escrever com outros tr�s autores um romance de apocalipse de mortos-vivos no Brasil.”  


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