
O relat�rio final da Comiss�o Parlamentar de Inqu�rito (CPI) da Covid, apresentado nesta quarta-feira (20/10) pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), recomenda que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado e, eventualmente, responsabilizado em tr�s frentes devido � gest�o do seu governo na pandemia de coronav�rus: por crimes comuns, por crimes de responsabilidade e por
crimes contra a humanidade
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- Entenda:
por que acusa��o � t�o pol�mica?
- Confira:
Bolsonaro acusado de crime contra a humanidade � destaque no mundo
Caso o relat�rio seja aprovado pela maioria da comiss�o na pr�xima semana, essas acusa��es contra o presidente ser�o analisadas em tr�s �rg�os.
As suspeitas de crime comum ser�o encaminhadas � Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR), que avaliar� uma poss�vel den�ncia criminal contra Bolsonaro. J� as de crime de responsabilidade v�o para an�lise da C�mara dos Deputados, para poss�vel abertura de processo de impeachment. Por fim, as acusa��es de crimes contra a humanidade ser�o enviadas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), onde o presidente poderia sofrer um processo.
No entanto, juristas ouvidos pela BBC News Brasil consideram que os tr�s caminhos oferecem obst�culos hoje para que o presidente de fato venha a ser punido por poss�veis crimes durante a pandemia de coronav�rus, doen�a que j� matou mais de 600 mil pessoas no Brasil desde mar�o de 2020.
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Durante viagem ao Cear�, enquanto Calheiros lia seu relat�rio na CPI, Bolsonaro negou qualquer responsabilidade nas mortes.
"Como seria bom se aquela CPI tivesse fazendo algo de produtivo para nosso Brasil. Tomaram tempo de nosso ministro da Sa�de, de servidores, de pessoas humildes e de empres�rios", criticou o presidente.
"Nada produziram, a n�o ser o �dio e o rancor entre alguns de n�s. Mas sabemos que n�o temos culpa de absolutamente nada, fizemos a coisa certa desde o primeiro momento", disse ainda.
Entenda a seguir o que pode acontecer concretamente contra o presidente, caso o relat�rio seja aprovado pela maioria da CPI, nos tr�s tipos de crimes que Bolsonaro � citado no texto de Calheiros.
1) Acusa��es de crimes de responsabilidade
Calheiros ressalta em seu relat�rio que, entre os crimes de responsabilidade previstos na legisla��o brasileira, est� o ato de atentar contra o exerc�cio dos direitos sociais e contra a probidade na administra��o.
Al�m disso, ele destaca que o direito � sa�de � previsto como um dos direitos sociais no artigo 6º da Constitui��o, enquanto o artigo 196 estabelece que "a sa�de � direito de todos e dever do Estado, garantido mediante pol�ticas sociais e econ�micas que visem � redu��o do risco de doen�a e de outros agravos e ao acesso universal e igualit�rio �s a��es e servi�os para sua promo��o, prote��o e recupera��o".

Na avalia��o de Calheiros, por�m, a investiga��o da CPI mostrou que a gest�o de Bolsonaro agiu em sentido contr�rio: ao inv�s de proteger a vida dos brasileiros da covid-19, o presidente teria contribu�do para o agravamento da pandemia ao demorar a comprar vacinas, incentivar o uso de medicamentos sem comprova��o cient�fica, promover aglomera��es, entre outras posturas.
"A minimiza��o constante da gravidade da covid-19, a cria��o de mecanismos ineficazes de controle e tratamento da doen�a, com �nfase em protocolo de tratamento precoce sem o aval das autoridades sanit�rias, o d�ficit de coordena��o pol�tica, a falta de campanhas educativas sobre a import�ncia de medidas n�o farmacol�gicas, o comportamento pessoal contra essas medidas, e, por fim, a omiss�o e o atraso na aquisi��o de vacinas e a contrata��o de cobertura populacional baixa do cons�rcio da OMS foram algumas das condutas do Chefe do Poder Executivo Federal que incontestavelmente atentaram contra a sa�de p�blica e a probidade administrativa", diz trecho do relat�rio.
Apesar das duras acusa��es do relator, por�m, hoje parece pouco prov�vel que elas gerem abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro. O �nico que pode iniciar esse procedimento � o presidente da C�mara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que atualmente mant�m boa rela��o com presidente.
E, a partir dessa alian�a com Lira, o Pal�cio do Planalto construiu uma base de apoio entre os deputados do chamado Centr�o (siglas de centro-direita de comportamento mais fisiol�gico), sustentada pela distribui��o de cargos para indicados desses parlamentares e pelo envio de verbas federais para investimentos em seus redutos eleitorais. Com isso, hoje o presidente parece reunir o m�nimo de 172 votos na C�mara necess�rios para barrar a aprova��o de um processo de impeachment.
Outro elemento que reduz as chances desse processo ser iniciado � o fato de os protestos de rua realizados ao longo desse ano pedindo a cassa��o do presidente n�o terem reunidos um p�blico t�o grande quantos os atos que pressionaram pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
J� as pesquisas de opini�o t�m indicado que o governo Bolsonaro � reprovado pela maioria da popula��o, mas ainda � bem avaliado por cerca de um ter�o dos brasileiros — patamar de aprova��o superior ao que Dilma tinha quando foi cassada.
2) Acusa��es de crimes comuns
Para Calheiros, as condutas de Bolsonaro tamb�m podem ser enquadradas em sete crimes comuns, previstos no C�digo Penal.
S�o eles: epidemia com resultado de morte (por suspeita de propagar o v�rus); infra��o de medida sanit�ria preventiva (por realizar aglomera��es e n�o usar m�scara); charlatanismo (devido ao incentivo de uso de medicamentos sem efic�cia), incita��o ao crime (por incentivar aglomera��o e o n�o uso de m�scara); falsifica��o de documento particular (por ter apresentado uma falsifica��o como sendo um documento oficial do Tribunal de Contas da Uni�o que provaria haver um excesso na contabiliza��o de mortes por covid-19); emprego irregular de verbas p�blicas (por uso de recursos p�blicos na compra de medicamentos ineficazes); e prevarica��o (por supostamente n�o ter mandado investigar den�ncias de corrup��o na compra de vacinas).
Caso o relat�rio seja aprovado, os elementos que baseiam essas acusa��es ser�o encaminhadas � PGR, pois o procurador-geral da Rep�blica, Augusto Aras, � a �nica autoridade que pode apresentar uma den�ncia criminal contra o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF).
Aras � visto como aliado de Bolsonaro e hoje parece improv�vel que o denuncie, j� que a PGR tem arquivado diversas queixas-crimes que j� foram apresentadas solicitando a investiga��o criminal de Bolsonaro por sua conduta na pandemia.
A PGR, por exemplo, j� arquivou pedido de investiga��o devido ao n�o uso de m�scara por entender que isso configura infra��o administrativa, sujeita a multa, e n�o um crime.
O �rg�o tamb�m recusou pedido de investiga��o por causa das aglomera��es provocadas pelo presidente. Segundo a PGR, Bolsonaro s� poderia ser processado por disseminar coronav�rus se estivesse contaminado com a doen�a e contrariasse ordem m�dica para se isolar.

Por outra lado, a PGR j� abriu inqu�rito para investigar se Bolsonaro prevaricou ao n�o tomar provid�ncias ap�s ser informado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) de supostas ilegalidades no contrato para compra da vacina indiana Covaxin. A investiga��o est� em andamento.
Quanto a suspeitas de crimes pelo incentivo de Bolsonaro ao chamado "tratamento precoce" (uso de medicamentos sem efic�cia contra covid-19), Aras informou ao STF em junho que havia iniciado uma apura��o preliminar para avaliar a abertura de investiga��o. Cr�ticos de Aras, por�m, o acusam de usar esse tipo de procedimento para responder a press�es para investigar Bolsonaro sem de fato adotar medidas concretas contra o presidente.
Para o criminalista Pierpaolo Bottini, professor da Universidade de S�o Paulo (USP), � dif�cil cravar que Aras n�o dar� qualquer encaminhamento as acusa��es do relat�rio da CPI.
"N�o � s� uma avalia��o pol�tica, tem uma avalia��o jur�dica que ele ter� que fazer. Ele vai ter que motivar (justificar juridicamente) seja qual for a decis�o dele. Se tiver muito subs�dio (sustentando as acusa��es), tamb�m � dif�cil ele deixar de dar qualquer encaminhamento", acredita.
Segundo Bottini, h� um outro caminho jur�dico para Bolsonaro ser denunciado no STF. Em caso de omiss�o da PGR, ou seja, se o �rg�o demorar para dar alguma resposta ao relat�rio da CPI, as pr�prias v�timas da pandemia poderiam processar o presidente por meio de uma a��o penal privada subsidi�ria da p�blica.
A Associa��o de V�timas e Familiares de V�timas da Covid-19 (Avico) disse � BBC News Brasil que de fato analisa essa possibilidade. A organiza��o apresentou em junho � PGR um pedido de investiga��o contra Bolsonaro, mas a an�lise desse pedido tem transcorrido em sigilo e a pr�pria Avico enfrenta dificuldades para obter informa��es sobre seu andamento.
Eventual apresenta��o de uma a��o contra Bolsonaro pelas v�timas da pandemia seria algo in�dito. Segundo Bottini, provavelmente o STF faria uma primeira avalia��o de admissibilidade (decidir se a a��o est� dentro dos requisitos jur�dicos necess�rios) e depois encaminharia a den�ncia para an�lise da C�mara dos Deputados.
O professor ressalta que a Constitui��o s� permite que o Presidente da Rep�blica seja processado ap�s aval de 342 deputados (mesmo n�mero necess�rio para abertura de um processo de impeachment).
3) Acusa��es de crimes contra a humanidade
Calheiros tamb�m defende em seu relat�rio que Bolsonaro seja investigado no Tribunal Penal Internacional (TPI), Corte sediada em Haia, na Holanda, que julga graves viola��es de direitos humanos, como genoc�dio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra.
No entanto, s�o poucas as den�ncias recebidas pelo Tribunal que de fato geram investiga��es - e, quando isso ocorre, os casos se alongam por muitos anos, explicou � BBC News Brasil o juiz criminal e professor da USP Marcos Zilli, estudioso do funcionamento do Tribunal Penal Internacional.
Em tese, diz ele, o TPI pode condenar criminosos a penas de 30 anos de pris�o e at� a pris�o perp�tua, mas essas puni��es m�ximas nunca foram aplicadas pela Corte.
A inten��o inicial de Calheiros era acusar o presidente de crime de genoc�dio contra popula��es ind�genas, mas essa ideia foi abandonada devido � oposi��o de outros membros da CPI. Com isso, a proposta do relator � enviar ao TPI duas acusa��es de crimes contra a humanidade por parte do presidente.
Esses crimes est�o previstos no Tratado de Roma, incorporado ao direito brasileiro desde setembro de 2002.
Uma das acusa��es propostas por Calheiros sustenta que Bolsonaro cometeu crime contra a humanidade a praticar "ato desumano que afete gravemente a integridade f�sica ou a sa�de f�sica ou mental". Isso teria ocorrido, segundo o senador, quando vidas humanas foram usadas como "cobaias" em estudos fraudulentos para aplica��o de tratamentos sem efic�cia contra covid-19.
Ele cita, por exemplo, a promo��o do "tratamento precoce" pelo Minist�rio da Sa�de durante a crise de falta de oxig�nio em Manaus, no in�cio de 2021. Outro argumento usado pelo senador foi o uso em massa de hidroxicloroquina pelo plano de sa�de Prevent Senior. Resultados de um suposta pesquisa da empresa atestando a efic�cia do rem�dio contra covid foram divulgados por Bolsonaro - no entanto, o estudo n�o havia sido autorizado pela Comiss�o Nacional de �tica em Pesquisa (Conep) e ex-m�dicos da Prevent Senior acusaram o plano de fraudar os resultados.
A outra acusa��o � de crime contra a humanidade devido � postura do governo Bolsonaro em rela��o aos povos ind�genas. O relat�rio destaca a decis�o do STF de determinar em julho de 2020 a ado��o de um plano emergencial pelo governo de apoio a essas popula��es durante a pandemia "diante das muitas falhas na pol�tica de enfrentamento � pandemia junto aos povos ind�genas e da preocupa��o com a r�pida interioriza��o da doen�a, que prenunciavam um desastre".
Ainda segundo o parecer de Calheiros, "esta CPI identifica o Presidente da Rep�blica Jair Messias Bolsonaro como o respons�vel m�ximo por atos e omiss�es intencionais que submeteram os ind�genas a condi��es de vida, tais como a priva��o do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destrui��o dessa parte da popula��o, que configuram atos de exterm�nio, al�m de priva��o intencional e grave de direitos fundamentais em viola��o do direito internacional, por motivos relacionados com a identidade do grupo ou da coletividade em causa, que configura atos de persegui��o".

Segundo o professor Marcos Zilli, essas acusa��es, caso sejam realmente apresentadas pela CPI ao TPI, passar�o por um longo processo de an�lise e n�o necessariamente v�o gerar investiga��es internacionais contra o presidente brasileiro.
Todas as representa��es criminais feitas ao TPI s�o analisadas pela Procuradoria da Corte, �rg�o respons�vel por realizar investiga��es de forma independente. Um filtro inicial da procuradoria descarta casos em que os crimes denunciados claramente n�o s�o de compet�ncia do Tribunal.
Se a representa��o passar dessa etapa, ela � submetida a um exame preliminar, em que a Procuradoria avalia a presen�a dos elementos necess�rios � instaura��o de uma investiga��o formal. Nesse momento, � analisado, por exemplo, a gravidade dos crimes apontados na representa��o e se h� omiss�o da Justi�a nacional em apurar esses delitos.
"A experi�ncia que n�s temos no Tribunal Penal Internacional revelam que os casos demandam muitos anos de investiga��o, caso uma investiga��o seja instaurada, e muitos anos de processo tamb�m, caso o processo seja aberto", explica Zilli.
Na sua avalia��o, a acusa��o envolvendo popula��es ind�genas � a que teria mais potencial de prosperar no TPI, devido ao contexto mais amplo de a��es da gest�o Bolsonaro relacionadas a esses povos, como a redu��o da prote��o aos seus territ�rios e falas recorrentes do presidente defendendo a explora��o econ�mica das terras ind�genas.
O TPI, inclusive, j� recebeu algumas acusa��es contra Bolsonaro, envolvendo tanto os povos ind�genas como a conduta na pandemia. Por enquanto, apenas uma relacionada aos ind�genas, apresentada em 2019, avan�ou para a etapa de an�lise preliminar pela procuradoria.
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