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Estado de Minas JORNADAS DE JUNHO

Luiz Eduardo Soares sobre 2013: 'PT tem vis�o unilateral e simplificadora'

Antrop�logo e cientista pol�tico volta a falar com o Estado de Minas ap�s analisar movimentos no calor do momento, em 2013


13/06/2023 06:00 - atualizado 13/06/2023 07:55
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Luiz Eduardo Soares, antropólogo e cientista político
Para o antrop�logo e cientista pol�tico, PT n�o absorveu a dimens�o completa dos protestos (foto: Acervo pessoal)
Uma d�cada ap�s a s�rie de protestos que conferiram a junho de 2013 uma marca indel�vel na hist�ria recente do Brasil, ainda � dif�cil que pesquisadores e estudiosos do tema entrem em consenso sobre os desdobramentos do per�odo para o cen�rio pol�tico e social do pa�s, como bem mostram as reportagens publicadas nesta s�rie especial. A tarefa de compreender os eventos daquele m�s era ainda mais complicada no calor do momento. 

No dia 22 de junho de 2013, o Estado de Minas publicava uma entrevista com o antrop�logo, cientista pol�tico e escritor Luiz Eduardo Soares, intitulada ‘N�o vimos esse filme’. Nela, o pesquisador apresentava seu panorama sobre a revolta que tomava as ruas de todas as regi�es do pa�s. Agora, dez anos depois, ele voltou a falar com a reportagem para comentar as jornadas de junho com distanciamento hist�rico.

Na primeira entrevista, Soares faz um panorama sob a �tica da seguran�a p�blica, da participa��o dos jovens nas ruas e da crise da representa��o pol�tica que inflamou milh�es pelo pa�s. O pesquisador, contudo, destacou a dificuldade em pintar um retrato definitivo das manifesta��es que, �quele momento, ainda estavam em curso: “� necess�rio afirmar com humildade nossa ignor�ncia ante um processo cuja natureza nos desafia intelectualmente”, afirmou. Em outro momento, disse: “O tempo � de imprevisibilidade e sustos, riscos e amea�as, mas tamb�m de beleza; o novo insinuando-se pelas frestas de nossa democracia, que sofre de esclerose precoce”.

Soares, que foi secret�rio nacional de Seguran�a P�blica no primeiro mandato de Luiz In�cio Lula da Silva (PT) como presidente, recorda em nova entrevista ao Estado de Minas como foi tratar sobre as jornadas de junho em sua rotina acad�mica. Mais do que isso, o pesquisador revisitou as an�lises feitas na �ltima d�cada e tra�a a rela��o dos movimentos de 2013 com o per�odo do PT no Planalto e a subsequente ascens�o de nomes da direita na pol�tica brasileira.

Entrevista


Em entrevista publicada no EM em 22 de junho de 2013, o senhor manifestou a dificuldade em entender plenamente os movimentos da �poca, com bandeiras diversas e a participa��o de p�blicos muito distintos nas ruas. Como foi o desafio de tentar categorizar e entender o que se passava no Brasil naquele momento?

Luiz Eduardo Soares: No dia 1 de julho de 2013, publiquei um artigo no Los Angeles Review of Books, intitulado “Brasil, a terra treme no pa�s das desigualdades e dos paradoxos”. Cito uma passagem que me parece interessante: “E o futuro? O movimento omnibus tem diante de si os mais variados cen�rios, e outros a inventar. Seu destino provavelmente depender� de sua capacidade de diferenciar a cr�tica pol�tica da cr�tica � pol�tica, e de n�o confundir a rejei��o ao atual sistema pol�tico-eleitoral, e partid�rio, com uma recusa da pr�pria democracia, em qualquer formato. Essas distin��es provocar�o divis�es internas profundas e inconcili�veis, que j� est�o aflorando. Toda essa magn�fica energia fluir� para o ralo do ceticismo, abrindo mais um ciclo de apatia? A indigna��o encontrar� tradu��es autorit�rias e ultraconservadoras? M�ltiplos afluentes seguir�o cursos inauditos, nos surpreendendo com sua criatividade e mudando o pa�s, no �mbito da democracia? As respostas n�o dependem s� do movimento, mas tamb�m dos que n�o t�m participado e das lideran�as governamentais e parlamentares.” 

Ainda em 2013, anotei: O que est� acontecendo nas ruas brasileiras? A entrada em cena de velhos e novos personagens, o ensaio geral de protagonismos originais com nova est�tica e a inspira��o das redes virtuais, a emerg�ncia de coletivos que experimentam modelos de organiza��o horizontal, interesses e vontades leg�timas se expressando e denunciando o colapso da representa��o pol�tica, militantes de esquerda defendendo mudan�as anti-capitalistas, mas tamb�m muita gente de direita saindo dos arm�rios, bandeiras neoliberais desfilando, fascistas dispostos a combater a democracia, manipula��es midi�ticas e transnacionais, a CIA e seus cong�neres. Em uma palavra: Babel. 


Como o senhor avalia a participa��o e composi��o dos protestos de junho de 2013 e qual sua rela��o com os eventos que o sucederam?


Continuo convicto, uma d�cada depois: todos os lados se envolveram nas manifesta��es. Entretanto, o que predomina, hoje, nas esquerdas, mais especificamente no PT, � uma vis�o unilateral e simplificadora. Segundo essa leitura, as ruas teriam sido tomadas, em 2013, por fascistas e despolitizados, liderados por interesses internacionais, que visavam � derrocada do governo Dilma e � estigmatiza��o do PT. Afirmar que 2013 revelaria suas verdadeiras inten��es no golpe parlamentar do impeachment � mais ou menos como afirmar que a Santa Inquisi��o teria desvelado as inten��es verdadeiras do cristianismo primitivo, ou que o stalinismo teria desnudado a verdadeira ess�ncia do marxismo. Essa vis�o teleol�gica da hist�ria � prim�ria, mas serve muito bem para resolver problemas complicados e classificar os fen�menos, conjurando sua multidimensionalidade. 

Os governos do PT fizeram muito, apesar dos erros, mas justamente por causa do melhor que fizeram, a vitalidade social reanimada queria mais, desejava ser ouvida, ansiava por participa��o, se recusava a aceitar a baixa qualidade das pol�ticas p�blicas. A milit�ncia n�o cabia mais nos moldes tradicionais. J� n�o era poss�vel disfar�ar: o vocabul�rio democr�tico-liberal envelhecera, at� porque sua incompatibilidade com a experi�ncia popular denunciava a hipocrisia que continha. 

Conforme registrei em meu livro "O Brasil e seu duplo" (Todavia, 2019), o futuro foi sendo definido pelo que se fez com aquela precipita��o extraordin�ria de energias. N�o foi a irrup��o de 2013 que moldou os anos seguintes; o que determinou o destino futuro foi o que se fez com 2013, para onde e como se canalizaram aquelas energias - e o descaso com que se tratou seu potencial transformador positivo. 

Os verdadeiros v�ndalos vestiam terno e gravata e evocaram a sagrada fam�lia quando encenaram a farsa do impeachment. N�o foi 2013 que deu o golpe parlamentar, o golpe foi dado por quem negara 2013 e pressionara o governo a endossar a repress�o. Tanto � verdade que Temer concluiu seu mandato nas cordas com 5% de apoio. Seu governo era impopular e anti-popular. A opini�o p�blica estava farta dos minuetos da Corte. E quem o sucedeu foi quem se ligou �s ruas, mesmo que exclusivamente ao lado sombrio das ruas, ao que havia nelas de regressivo e brutal. 


Passados dez anos e, diante dos rumos tomados na pol�tica brasileira, � comum ver rela��es entre as jornadas de junho e a queda de Dilma em 2016 ou a elei��o de Jair Bolsonaro em 2018. Como junho de 2013 incide sobre os desdobramentos pol�ticos seguintes?

A Lava-Jato visou � liquida��o das esquerdas para a implanta��o de um projeto neoliberal extremado. Ela acendeu a fogueira na qual arderam os �ltimos vest�gios de credibilidade daquilo que, at� 2013, entronizava-se como “representa��o pol�tica” ou “pol�tica democr�tica”. Se a democracia estava em ru�nas, conclu�ram os fascistas, aquele era o momento de dar-lhe o tranco fatal. 

Bolsonaro foi o �nico ator pol�tico de ampla visibilidade -al�m de Marina (mas ela n�o conseguiu catalis�-las)- sintonizado com o fato (que ele leu pelo avesso) de que as energias precipitadas em 2013 haviam sido produzidas pelo dinamismo conflagrado e agon�stico da sociedade brasileira, quando confrontada com a expans�o da cidadania, a eleva��o de expectativas e a concretiza��o de algo pr�ximo ao que se denominava democracia. As ruas, como vimos, haviam sido medo, ressentimento mas tamb�m esperan�a e gregarismo. Ele sabia que 2013 fora um fen�meno chave, um divisor de �guas, e que o futuro se decidiria na disputa pelo direcionamento daquelas energias disruptivas e refrat�rias ao confinamento anterior. 

Sua candidatura nasceu como uma proposta de metaboliza��o pela ultradireita fascista das energias precipitadas no deslocamento de placas tect�nicas. A democracia reduzira-se a rituais vazios, as institui��es estavam ocas, as liturgias do poder simulavam uma coreografia farsesca: era esta, em suma, a percep��o dominante nos meios populares. Os conflitos sociais de uma sociedade t�o brutalmente racista e patriarcal, e t�o despudoradamente desigual, n�o cabiam nos arranjos mal ajambrados que salvaram o pa�s das garras da ditadura, � verdade, mas n�o serviam a uma sociedade �vida por mudan�as de verdade. 

Por tudo isso, 2013 continua sendo uma refer�ncia estrat�gica para a compreens�o do enraizamento popular do bolsonarismo. Se o PT continuar negando a dimens�o positiva das manifesta��es que marcaram o pa�s h� uma d�cada, dificilmente compreender� a magnitude do desafio que est� � sua frente e que vai lhe exigir mais coragem para produzir mudan�as profundas do que habilidades para se equilibrar no poder.


Leia mais mat�rias da s�rie especial sobre os 10 anos das manifesta��es de junho de 2013:



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